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tributario
Ainda in natura
TJ-SP confirma isenção de ICMS para importados desidratados
A desidratação de produto alimentício importado não se confunde com industrialização, devendo ser aplicada a isenção do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) se ela recai sobre a mercadoria similar nacional. Esse entendimento foi adotado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), por meio das 10ª e 12ª Câmaras de Direito Público, para negar provimento a recursos do estado e ao reexame necessário de dois mandados de segurança que concederam a isenção de ICMS. Os mandados de segurança foram impetrados por uma importadora, sendo concedidos pela 2ª Vara da Fazenda Pública de Santos. Os casos referem-se à importação de cargas de tomate e de cebola desidratados, respectivamente, da China e da Índia. O Decreto Estadual 45.490/2000 concede isenção de ICMS para a venda desses produtos em estado natural, exceto quando destinados à industrialização. Essa dispensa tributária ao produto nacional se estende ao similar importado, por força do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT). O GATT é um pacto internacional estabelecido em 1947, visando à promoção do comércio internacional e ao combate a práticas protecionistas para evitar disputas e guerras comerciais. A 12ª Câmara de Direito Público confirmou o mandado de segurança concedido na importação do tomate, destacando que as Súmulas 575 e 20 do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, reconhecem a extensão da isenção. "Simples desidratação, portanto, que não implica industrialização, para efeito da isenção fiscal em questão, como já decidiu esta corte, sem precedentes em contrário", afirmou o desembargador relator, Edson Ferreira da Silva. A decisão foi unânime. O estado havia alegado que o tomate desidratado em grânulos sofreu beneficiamento que eliminou o seu caráter natural, porque foi submetido a "secagem artificial". Nesse caso, segundo o recorrente, ocorreria tributação de ICMS se fosse produto nacional. 3 votos a 2 Na apelação relacionada à cebola indiana, o estado sustentou que ela foi mecanicamente desidratada no forno e, para essa hipótese, equivalente a um processo de industrialização, inexiste norma prevendo isenção de ICMS no mercado interno. No entanto, a 10ª Câmara de Direito Público negou provimento ao recurso. Conforme o voto do desembargador Torres de Carvalho, "o processo de desidratação mecânica não se distingue do de secagem natural, expressamente admitida pela legislação". O julgador assinalou que os dois métodos têm por finalidade apenas conservar o produto e permitir o transporte, sem que isso lhe retire a classificação de produto natural. "Não há como se confundir a desidratação mecânica com o processo de industrialização". Os desembargadores Paulo Galizia e Antonio Carlos Villen acompanharem o entendimento de Torres, que abriu a divergência após o relator, Antonio Celso Aguilar Cortez, votar pelo provimento do recurso do estado. "A desidratação mecânica do produto importado evidencia industrialização, pois implica modificação da natureza e da finalidade da mercadoria", declarou Cortez. A desembargadora Teresa Ramos Marques aderiu ao voto vencido. Processo 1015604-44.2023.8.26.0562 Processo 1005390-91.2023.8.26.0562
2023-10-22T16:33-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-22/tj-sp-confirma-isencao-icms-importados-desidratados
tributario
Um passo por vez
Não existe crime tributário antes de julgamento administrativo
Não é possível tipificar uma conduta como crime material contra a ordem tributária, conforme previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo. Assim, com base na Súmula Vinculante 24 do Supremo Tribunal Federal, o juiz Fábio Nunes de Martino, da 13ª Vara Federal de Curitiba, rejeitou a denúncia do Ministério Público Federal contra um empresário.  Ao analisar o caso, o magistrado apontou que o crédito tributário descrito na denúncia teve sua apuração iniciada em processo administrativo fiscal que ainda está pendente de julgamento no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Ele ressaltou que a denúncia do MPF refere-se ao total do crédito tributário, e não só à parte que já foi constituída. "Com efeito, apenas uma pequena parte de um suposto crédito tributário de mais de 10 milhões de reais tornou-se exigível por meio de execução fiscal, pois o valor principal consiste em apenas R$ 100.514,11, que decorre da soma de valores de 2009 (R$ 19.336,24) e de 2010 (R$ 81.177,87). Ou seja, o crédito tributário em discussão na sua totalidade ainda não foi definitivamente constituído", explicou o magistrado.  De acordo com Martino, não faz sentido dar continuidade à ação penal quando o caso ainda não foi definitivamente julgado pela Receita Federal. Por isso, ele decidiu rejeitar a denúncia.  Segundo o advogado especializado em Direito Penal Lincoln Domingues, responsável pela defesa, o caso trazia uma verdadeira zona cinzenta, esclarecida pelo juiz. "Usualmente, o reconhecimento de falta de justa causa para o exercício da ação penal, em crimes dessa espécie, decorre da ausência total de lançamento definitivo do tributo. Contudo, a decisão trouxe segurança jurídica ao jurisdicionado, pois deixou claro que, mesmo quando há constituição parcial de suposto crédito tributário que está em discussão administrativa, não se tipifica crime material contra a ordem tributária, nem mesmo com relação ao montante definitivamente lançado", explica Domigues. Clique aqui para ler decisão Processo 5034793-71.2023.4.04.7000
2023-10-22T13:53-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-22/nao-existe-crime-tributario-antes-julgamento-administrativo
tributario
Opinião
Verônica Gomes: Desafios e oportunidades da reforma tributária
A reforma tributária sobre consumo traz mudanças significativas no cenário tributário brasileiro, com um impacto crucial no que se refere aos créditos de ICMS. Uma das alterações mais relevantes é a centralização da arrecadação tributária, o que terá implicações diretas na maneira como as empresas poderão utilizar esses créditos fiscais. Atualmente, cada um dos 26 estados brasileiros e o Distrito Federal administram sua arrecadação de ICMS de forma independente — o que gera complexidades operacionais para as empresas que atuam em múltiplas localidades. Com a implementação da PEC 45, a arrecadação do ICMS será centralizada em um único fundo, com o objetivo de permitir uma redistribuição posterior dos recursos, seguindo diretrizes a serem estabelecidas por um Conselho Federal (CF). O ponto crucial para as empresas é a gestão dos créditos de ICMS durante esse período de transição. A PEC 45 determina que as compras destinadas ao ativo imobilizado continuarão gerando créditos de ICMS, embora de forma parcial, até o ano de 2033. Esses créditos remanescentes, específicos para compras de ativo imobilizado em 2033, poderão ser utilizados no novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), conforme estabelecido por uma Lei Complementar. Entretanto, no que se refere aos demais saldos credores de ICMS existentes ao final de 2032, como os relacionados a exportações ou diferimento, a PEC 45 estabelece que uma Lei Complementar regulamentará como o Conselho determinará o ressarcimento aos contribuintes, desde que esses créditos tenham sido previamente homologados pela Fazenda Estadual. A PEC 45 propõe a completa extinção do ICMS a partir de 1º de janeiro de 2033, e, como parte dessa mudança, estipula o pagamento dos créditos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em um prazo de 240 meses. Essas mudanças têm implicações significativas para as empresas, pois afetarão diretamente a gestão de créditos fiscais e a maneira como as empresas planejam suas operações e investimentos. Considerando essa nova realidade, é necessário estruturar a operação de forma a evitar a geração de créditos tributários futuros, minimizando assim o impacto no fluxo de caixa das empresas A complexidade desse cenário exigirá um esforço adicional de adaptação, especialmente considerando o aumento no número de tributos a serem considerados, com a existência simultânea dos sistemas, antigo e novo durante o período de transição. É importante mencionar que o Imposto Seletivo também deverá integrar a base de cálculo dos novos tributos e dos antigos, adicionando um elemento adicional de complexidade. Portanto, é de vital importância que as empresas estejam plenamente atentas a essas mudanças, realizem análises detalhadas para compreender como seus créditos de ICMS serão impactados e ajustem suas estratégias de negócios de acordo com as novas regras tributárias. Além disso, devem estar prontas para reforçar a conformidade fiscal, uma vez que ambos os sistemas tributários coexistirão simultaneamente.
2023-10-22T09:23-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-22/veronica-gomes-desafios-oportunidades-reforma-tributaria
tributario
Processo Tributário
Redirecionamento da execução fiscal e revisão do lançamento
Este já é o terceiro artigo desta coluna em que nos dedicamos à exploração do tema da legitimidade passiva na execução fiscal, sendo que no último publicado sobre o assunto, esforçamo-nos por demonstrar os fundamentos teóricos gerais subjacentes aos precedentes originários do verbete 435 [1] da Súmula do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Na ocasião em que, estabelecendo a distinção entre débito (shuld) e responsabilidade (haftung), concluímos que o mero inadimplemento viabiliza, tão somente, a responsabilização patrimonial do devedor originário, mas não permite a de um terceiro, a menos que concorra a tanto uma das causas previstas nos artigos 134 [2] e 135 [3] do Código Tributário Nacional. A responsabilização tributária de terceiros no curso do processo executivo, hipótese conhecida pela alcunha de redirecionamento da execução fiscal, ocorre quando, na pendência do processo e mantida a situação de inadimplência, o fisco atribui a este terceiro a prática de conduta sujeita a alguma das hipóteses previstas nos aludidos dispositivos legais e, em seguida, requer ao juiz que o inclua no polo passivo da execução fiscal. Se entender devidamente comprovada a imputação, decide pela inclusão daquele terceiro como parte na execução fiscal, estabelecendo um litisconsórcio passivo ulterior, submetendo, doravante, o seu patrimônio à expropriação forçada para o pagamento do crédito tributário em cobrança. Notem que, nestes casos, a obrigação tributária não sofre qualquer alteração, o lançamento não é revisto, de modo que a ele — o terceiro que agora virou parte processual — é imputada apenas a responsabilidade patrimonial (haftung), legitimando-se a sua intervenção no processo pelo disposto no artigo 4º, inciso V [4], da Lei de Execuções Fiscais. Nesse contexto, a pergunta que se põe inexorável é: a Fazenda Pública exequente poderá, sempre que descobrir a prática por um terceiro de conduta enquadrada no disposto nos artigos 134 e 135 do Código Tributário Nacional, incluí-lo no polo passivo da execução fiscal, ou há algum limite à sua pretensão? Para evitar confusões, desde já esclarecemos que aqui não será abordado o tema da prescrição, a ser objeto de um próximo artigo, pois o que pretendemos identificar é se o momento da prática do ilícito determinante da responsabilização do terceiro deslegitima a conduta do fisco, impedindo o redirecionamento. Responder essa questão impõe, já de proêmio, a leitura atenta do disposto no artigo 149 do Código Tributário Nacional [5], que dispõe sobre o lançamento tributário e as hipóteses de sua revisão, pois no inciso VIII consta que esta — a revisão — é cabível "quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior". Assoma, portanto, deste dispositivo, o necessário limite imposto ao fisco para promover o redirecionamento da execução fiscal. Não haveria, todos hão de convir, qualquer razão justificadora da previsão de revisão do lançamento nesta hipótese — quando deva ser analisado fato desconhecido ou não provado — se o Estado-fisco pudesse simplesmente redirecionar a execução fiscal ao terceiro. Seria esvaziar completamente o conteúdo da regra em questão, sem contar que também faria tábula rasa do disposto no parágrafo único do artigo 149 do CTN, do qual se infere que a revisão do lançamento só é viável, em qualquer hipótese, enquanto não decaído o direito do fisco, ou seja, enquanto não transcorrido o lustro decadencial. De nada adiantaria a previsão desse limite para a revisão do lançamento, se houvesse a permissão de redirecionamento da execução fiscal em relação ao responsável, quando o fato determinante de sua responsabilização tenha acontecido antes da constituição da obrigação tributária. Embora diferentes as posições assumidas pelo sujeito passivo da obrigação tributária e pelo terceiro responsável, e a despeito das mesmas regras jurídicas contribuírem para que se constitua a obrigação tributária em face do responsável, assim como para que se lhe redirecione a execução fiscal, é certo que não é uma potestade do fisco utilizar dessas regras para adotar uma ou outra postura, ao seu puro alvedrio. Pelo contrário, o que se pode inferir daquela disposição legal é que os fatos determinantes de responsabilização tributária de terceiros — aqueles submetidos ao previsto nos artigos 134 e 135 do Código Tributário Nacional — ocorridos antes do lançamento necessariamente deverão implicar a indicação do responsável como sujeito passivo da obrigação tributária, ou seja, como obrigado na norma jurídica de direito tributário em sentido estrito, aquela fruto da aplicação da regra matriz de incidência tributária. Considerando o poder didático dos exemplos aliado à constatação de que o encerramento irregular da empresa executada é a hipótese mais comum de redirecionamento da cobrança executiva, pode-se ilustrar a situação da seguinte maneira: se a conduta de dissolver irregularmente a empresa deu-se antes da constituição da obrigação tributária, descaberá o pedido de redirecionamento da execução fiscal, pois os gerentes, administradores e diretores na época da dissolução da sociedade deveriam ter sido postos na condição de sujeito passivo da obrigação tributária, na qualidade de devedores e, somente nessa qualidade (inciso I do artigo 4º da lei de execuções fiscais) ostentariam legitimidade passiva para a execução fiscal. Nesta senda, se o Estado-fisco quiser atingir o patrimônio do sócio-gerente com base no disposto no artigo 135, inciso III, do CTN, a única opção será a revisão do lançamento com fundamento no já mencionado inciso VIII do artigo 149 do CTN, desde que não tenha transcorrido o quinquênio decadencial, uma vez que ela — a revisão do lançamento — somente pode se dar dentro deste prazo, findo o qual não haverá mais chance de "consertá-lo". Destarte, apenas as condutas praticadas após o lançamento tributário pelos terceiros aludidos nos artigos 134 e 135 do CTN viabilizam o redirecionamento da execução fiscal, aquelas que o antecedem, de outra senda, permitem apenas a revisão do lançamento, mas jamais o simples redirecionamento da execução fiscal. Entender de modo diferente seria negar vigência ao disposto no artigo 149, inciso VIII e parágrafo único do CTN.   [1] Súmula 435, STJ: "Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente." [2] Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: I - os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores; II - os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados; III - os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes; IV - o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio; V - o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário; VI - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício; VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas. Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório. [3] Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I - as pessoas referidas no artigo anterior; II - os mandatários, prepostos e empregados; III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado. [4] Art. 4º - A execução fiscal poderá ser promovida contra: I - o devedor; II - o fiador; III - o espólio; IV - a massa; V - o responsável, nos termos da lei, por dívidas, tributárias ou não, de pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado; e VI - os sucessores a qualquer título. [5] Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos: I - quando a lei assim o determine; II - quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no prazo e na forma da legislação tributária; III - quando a pessoa legalmente obrigada, embora tenha prestado declaração nos termos do inciso anterior, deixe de atender, no prazo e na forma da legislação tributária, a pedido de esclarecimento formulado pela autoridade administrativa, recuse-se a prestá-lo ou não o preste satisfatoriamente, a juízo daquela autoridade; IV - quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória; V - quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte; VI - quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro legalmente obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidade pecuniária; VII - quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação; VIII - quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior; IX - quando se comprove que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade, de ato ou formalidade especial. Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública.
2023-10-22T08:00-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-22/processo-tributario-redirecionamento-execucao-fiscal-revisao-lancamento
tributario
Alinhamento planetário
Regularidade fiscal e recuperação dependerão de conjunção de fatores
A Lei 14.112/2020 pode ter criado o cenário que finalmente viabiliza a exigência de regularidade fiscal das empresas devedoras para a concessão de recuperação judicial. A efetiva aplicação desse entendimento, no entanto, vai depender de uma conjunção de fatores a ser verificada caso a caso. Essa é a opinião de juristas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico depois de o Superior Tribunal de Justiça autorizar a aplicação do artigo 57 da Lei de Recuperação Judicial e Falência (LRF — Lei 11.101/2005) e vetar o pedido de uma empresa em dificuldades financeiras. Trata-se da norma que exige a apresentação de certidões negativas de débitos tributários após a aprovação do plano de recuperação judicial pela assembleia de credores para que o processo de soerguimento seja homologado pelo juízo e, enfim, iniciado. Até então, essa exigência era dispensada por inviabilizar a recuperação judicial das empresas. Quitar os passivos tributários, sempre muito altos, antes da homologação do plano aprovado pelos credores significaria acabar com as possibilidades de sobrevivência financeira das devedoras. Para a 3ª Turma do STJ, o cenário mudou com a Lei 14.112/2020, que criou um programa de negociação tributária específico para as empresas em recuperação judicial, com condições atrativas e prazos mais amplos para parcelamento. Em suma, viabilizou a regularização fiscal. Em julgamento ocorrido no último dia 17, o colegiado concluiu que já é possível aplicar o artigo 57 da LRF nos débitos em âmbito federal. Já nos débitos municipais, distritais ou estaduais, tudo vai depender da existência de leis específicas que repliquem o cenário criado no âmbito federal. Os advogados consultados pela ConJur elogiam essa posição por permitir um equilíbrio entre o cumprimento das obrigações tributárias, que não se submetem ao plano de recuperação judicial, e a execução do próprio plano. Isso evita que a recuperação judicial corra paralelamente às execuções fiscais sem considerar o impacto de dívidas tributárias que, ao fim do processo de soerguimento, acabam por impor novas crises financeiras às empresas, quando da sua efetiva cobrança. Essas dívidas são sempre altas porque as empresas conseguem operar mesmo com grandes débitos fiscais. A cobrança é mais lenta, embora a legislação traga penalidades pesadas para o inadimplemento. Acaba sendo mais viável não pagar a Fazenda do que não pagar fornecedores, por exemplo. Apesar disso, regularidade fiscal e recuperação judicial vão depender, essencialmente, de timing: a reunião de fatores que torna o momento oportuno para o desenrolar dessa situação. Combinação temporal O principal timing exigido é o que combina a aprovação do plano de recuperação judicial e a obtenção dos parcelamentos na Fazenda Nacional. Ambos os processos são burocráticos, com prazos específicos que podem ser afetados por intercorrências próprias. A LRF prevê em seu artigo 56, parágrafo 1º, que a assembleia-geral de credores vote o plano em, no máximo, 150 dias após o deferimento da recuperação judicial — período que pode ser contado em dias úteis, como é a praxe no Código de Processo Civil. A rejeição do plano ainda confere mais 30 dias para a apresentação de uma nova versão aos credores. Já a suspensão da assembleia-geral permite paralisação por até 90 dias. É só após a aprovação desse plano que, conforme o artigo 57 da lei, o credor deve apresentar certidões negativas de débitos tributários. Já o parcelamento não tem prazo certo para ser deferido. A Instrução Normativa 2.063/2022 da Receita Federal diz que, se 90 dias após a data da formalização do requerimento o órgão não tiver se manifestado, o benefício será automaticamente concedido, desde que efetuado o pagamento da primeira parcela. Em suma, as empresas têm de se mexer para que ambos os processos cheguem a termo de maneira próxima. Especialmente porque as consequências podem ser graves. O voto do ministro Marco Aurélio Bellizze no STJ adotou a sugestão da doutrina do professor Fábio Ulhoa Coelho: sem a comprovação da regularidade fiscal do devedor, o juiz deve sobrestar o processo até que essa medida seja cumprida, sem prejuízo de autorizar a retomada das execuções individuais e de eventuais pedidos de falência. Ou seja, suspende-se o chamado stay period. Será suficiente? A advogada Adriana Conrado Zamponi, sócia do escritório Wald, Antunes, Vita e Blattner Advogados, levanta alguns questionamentos: nesses casos, quanto tempo o juiz deve conferir para a obtenção das certidões pelo devedor? Até lá, como ficarão os credores? E a própria empresa? Ela explica que, quando há um plano aprovado (com formas de pagamento, deságio, carência e outros pontos), em teoria, a empresa já está pronta para se recuperar. E a retomada das execuções individuais pode bagunçar o cenário. "A lei buscou o equilíbrio entre possibilitar o soerguimento das empresas e o cumprimento das obrigações tributárias, que não se submetem à recuperação judicial. Não sei se é o suficiente. Na prática, vai depender de cada caso. Talvez isso seja insuficiente para algumas empresas." Maria Carolina Sampaio, do GVM Advogados, cita também dificuldades que podem derivar do estágio em que o débito tributário se encontra no ente público: se ainda com a Receita Federal ou já sob a tutela da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, com inscrição na dívida ativa da União. "Se a empresa estiver em haver na Receita ou na PGFN, ela não conseguirá a certidão negativa. Junto à Receita não há programa de parcelamento incentivado para empresas em recuperação judicial. Na PGFN já existe um programa regular. Qualquer empresa consegue fazer o parcelamento de uma forma muito interessante." Barbara Pommê Gama, sócia do Dalazen, Pessoa & Bresciani Advogados, levanta ainda a possibilidade de o timing ser ruim para as devedoras em relação ao tamanho da dívida acumulada. "Muitos contribuintes sentem que o prazo máximo de dez anos para parcelamento não é suficiente e poderia ser estendido." Já o advogado Pedro Almeida, do GVM Advogados, ressalta que a exigência de certidões negativas de débito tributário, além de não ser nova, continua gerando posicionamentos divergentes nos tribunais. "Penso que essas questões que fogem do escopo do acórdão do STJ serão resolvidas caso a caso e, provavelmente, com o fundamento no princípio da preservação das empresas a nortear as decisões." Melhor assim De maneira unânime, os advogados avaliam positivamente o impacto das alterações promovidas pela Lei 14.112/2020. Mais recentemente, ela já havia estabelecido para o Judiciário um equilíbrio na tutela dos atos de constrição contra empresas em recuperação judicial que são alvos de execuções fiscais. Para Barbara Gama, trata-se de um pontapé inicial importante para permitir às empresas em recuperação judicial a regularização de seus débitos tributários. Ela acredita ser uma verdadeira inovação no ordenamento brasileiro, que merece ser reconhecida. "As alterações trazidas pela nova legislação falimentar vieram para, de um lado, equalizar o interesse público, que, normalmente, era deixado de lado pelos contribuintes em recuperação judicial, e, de outro, preservar as empresas que passam por uma situação financeira tão complicada." Pedro Almeida diz que o parcelamento dos débitos fiscais, mais estendido, coaduna-se com o propósito da Lei de Recuperação Fiscal e Falência, de viabilizar o soerguimento das empresas devedoras. E Maria Carolina Sampaio explica que essas transações são tão efetivas que permitem afastar 100% de juros e multa. "Ela parcela só o valor principal e dá condições de reerguer." Já Adriana Conrado Zamponi cita o fato de a Lei 14.112/2020 ter estabelecido uma maior cooperação entre os juízos da execução fiscal e da recuperação judicial, evitando a paralisia de qualquer um desses procedimentos. "O impacto tem sido positivo." REsp 2.053.240
2023-10-23T20:22-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-23/regularidade-fiscal-recuperacao-dependerao-conjuncao-fatores
tributario
Opinião
Castro e Almeida: Novos direitos aos contribuintes
A recente Lei nº 14.689, de 2023, reinsere o voto de qualidade nos julgamentos do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais). Esta reinserção, todavia, vem acompanhada de direitos e benefícios concedidos aos contribuintes que vierem a perder a discussão administrativa com base no voto de qualidade, tudo com o objetivo de buscar o equilíbrio na relação Fisco-contribuinte. O voto de qualidade no Carf é critério de desempate no julgamento do processo administrativo. Em suma, o presidente da Turma, sempre um conselheiro dos quadros fiscais, além do próprio voto, tem o poder de desempatar o julgamento. Não é difícil prever que o desempate é sempre no sentido do próprio voto e quase sempre a favor do Fisco, especialmente se o caso envolver discussões de valores vultosos. Por isso a Lei nº 13.988, de 2020, que afastou o voto de qualidade ao determinar que o empate se resolveria favoravelmente ao contribuinte, foi considerada uma vitória dos contribuintes. Pode-se dizer que antes vigia um cenário desequilibrado em favor do Fisco, depois, um cenário desequilibrado em favor do contribuinte, e, agora, com a Lei nº 14.689, de 2023, busca-se um meio termo, um equilíbrio na relação Fisco-contribuinte. Isso, pois, a lei recém-publicada que reinseriu o voto de qualidade no ordenamento jurídico assegurou, em contrapartida, os seguintes direitos aos contribuintes que perderem a discussão administrativa com base no referido critério: - Afastamento de penalidades; - Cancelamento de representação fiscal para os fins penais; - Exclusão dos juros de mora em caso de acordo para pagamento no prazo de 90 dias; - Possibilidade de transação tributária específica de iniciativa do contribuinte; - Dispensa de garantia para a discussão judicial caso o contribuinte tenha capacidade de pagamento; e - Impedimento de liquidação antes do trânsito em julgado da discussão judicial caso a garantia não seja dispensada. Além destes direitos, a Lei nº 14.689, de 2023, reduziu a multa decorrente de sonegação, fraude e conluio para 100%, limitando-se a aplicação do percentual de 150% para as situações de reincidência. Neste caso, como se trata de lei nova que comina penalidade menos severa que a prevista até então, os contribuintes têm o direito de pleitear a redução da multa com base na retroatividade benigna. Ademais, também foram ampliados benefícios para a transação de débitos de relevantes e disseminadas controvérsias jurídicas em discussão no contencioso tributário, judicial ou administrativo, com o aumento do desconto a até 65% e do número de parcelas a até 120 prestações, a possibilidade de utilização de créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa de CSLL, entre outros. Enfim, como foram vetados dispositivos do projeto de lei que favoreciam os contribuintes, caberá ao Congresso votar pela manutenção ou derrubada dos vetos. Um veto recaiu sobre o direito do contribuinte de manter o seguro garantia até o trânsito em julgado da decisão de mérito que lhe for desfavorável, vedada a liquidação antecipada. Por segurança jurídica, é importante que este veto seja derrubado, pois execuções fiscais não devem expropriar bens do contribuinte quando estão devidamente garantidas. Portanto, apesar da Lei nº 14.689, de 2023, ter retornado com a possibilidade de encerramento das disputas administrativas pelo voto de qualidade que favorecem o Fisco, foram implementados direitos aos contribuintes que buscam equilibrar a relação, potencializar a redução da litigiosidade e viabilizar a discussão judicial sem a necessidade de prestar garantia.
2023-10-23T15:18-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-23/castroe-almeida-novos-direitos-aos-contribuintes
tributario
Opinião
Reis e Tostes: Fundos estaduais e seus adicionais ICMS
Na obra de Shakespeare, o príncipe Hamlet precisa decidir se põe fim à sua existência ou se luta contra a angústia gerada pelo assassinato de seu pai, promovido por seu tio. O autoquestionamento "to be or not to be" surge do dilema existencial: vale a pena brigar contra as atrocidades que a vida nos reserva ou seria melhor buscar conforto na calmaria sepulcral? A dramática expressão shakespeariana admite diversas inflexões e uma delas é plenamente aplicável à figura dos fundos estaduais destinados ao reequilíbrio fiscal. No pacto federativo estabelecido na Constituição de 1988, o povo brasileiro chegou a um consenso: União, estados, Distrito Federal e municípios têm, cada qual, suas funções institucionais. Para assegurar a execução dessas atividades, os entes federados obteriam seus recursos por meio do exercício de suas competências tributárias previamente especificadas e repartidas. Para os estados e Distrito Federal, a principal fonte de receita é o ICMS, que levou aos cofres dos referidos entes federados, apenas em 2022, quase R$ 691 bilhões ou 84,8% do total arrecadado. Conforme definido na Constituição, o ICMS é um imposto não cumulativo incidente sobre a circulação de mercadorias, o transporte interestadual e intermunicipal e os serviços de comunicação, sendo que a concessão ou a revogação de benefícios fiscais atrelados ao referido tributo depende de aprovação no Conselho Nacional de Política Fazendária, o Confaz, composto pelos estados e Distrito Federal. Ocorre que, sem qualquer amparo constitucional, o Confaz pretendeu se arvorar no direito de autorizar a criação de fundos estaduais, que seriam compostos por "depósitos" realizados obrigatoriamente pelos contribuintes de um valor correspondente a, no mínimo, 10% do valor do ICMS não recolhido em função de benefícios fiscais. Menos de quatro meses após a autorização do Confaz, o estado do Rio de Janeiro, que possui mais de 600 benefícios fiscais de ICMS em vigor, aproveitou o embalo para criar o Fundo Estadual de Equilíbrio Fiscal (Feef), sucedido pelo Fundo Orçamentário Temporário (FOT), condicionando a fruição de tais incentivos fiscais ao depósito de uma “contribuição” correspondente a 10% do valor do benefício utilizado. O objetivo era claro: melhorar as contas públicas. A causa é evidente: má gestão das autoridades competentes. O meio foi perverso: criação de nova espécie tributária. E, o resultado não poderia ser outro: abalo à segurança jurídica, uma vez que, sem respaldo constitucional, o estado do Rio de Janeiro simplesmente não precisaria submeter as contribuições ao FOT aos limites de sua competência tributária. Nesse sentido, as "contribuições" ao fundo estadual não precisariam respeitar um prazo de carência, a chamada anterioridade tributária, podendo ser exigidas desde a publicação da lei estadual instituidora da nova sistemática de tributação, bem como não se sujeitariam à não cumulatividade do ICMS, segundo a qual a cobrança do imposto precisa ser realizada sobre a margem agregada e não sobre o preço de venda, evitando-se o efeito cascata repelido pelo constituinte originário. Além disso, tampouco necessitariam respeitar a máxima de que benefícios fiscais concedidos a prazo certo e sob condição onerosa não podem ser alterados, desamparando os contribuintes que, confiando legitimamente no poder público, investiram seus recursos na ampliação de suas atividades empresariais, adquirindo maquinários, ampliando parques estaduais e, ainda, contratando mão-de-obra. A falta de um controle jurisdicional sobre o fundo idealizado pelo Confaz e, ato contínuo, criado pelo estado do Rio de Janeiro encorajou outros entes da Federação a adotarem a mesma medida. Atualmente, ao menos dezessete estados e o Distrito Federal já contam com fundos dessa natureza, que, sem qualquer amparo constitucional, podem ser livremente ampliados, bastando que assim se estabeleça em convênio do Confaz. O tema se encontra, hoje, com julgamento virtual em curso perante o Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.635/RJ. A relevância do assunto sugere que o caso deveria, no mínimo, estar sendo julgado em plenário, de forma presencial, permitindo que o contribuinte brasileiro acompanhasse os debates e compreendesse as razões pelas quais seria autorizado que estados e Distrito Federal criassem fundos sem qualquer baliza constitucional. Importante dizer, ainda, que, a despeito do voto do relator, ministro Roberto Barroso, trilhar o caminho difícil do reconhecimento da legitimidade da lei estadual fluminense, há um claro acolhimento de que tanto o Feef quanto o FOT devem obediência ao regime de não cumulatividade, o que, convenhamos, não acontece no caso concreto. Espera-se que o Tribunal Supremo, guardião da Constituição, admita a absoluta insubsistência das "contribuições" ao FOT. Afinal, embora possam ter algum cheiro de ICMS, as "contribuições" ao FOT, na realidade, possuem muito mais pontos de divergência do que de convergência com o imposto estadual e, sobretudo, com as normas constitucionais. Na dúvida existencial das "contribuições" aos fundos estaduais, há apenas uma única certeza: not to be.
2023-10-23T12:29-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-23/reis-tostes-fundos-estaduais-adicionais-icms
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Opinião
Guilherme Lima: Bandeira tarifária na base de cálculo do ICMS
A questão da possibilidade de inclusão das bandeiras tarifárias na base de cálculo do ICMS foi objeto de análise pelos ministros da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do AREsp 1.459.487. A controvérsia, resolvida por maioria de votos, revelou posicionamentos divergentes sobre a matéria. O relator do caso, ministro Benedito Gonçalves, fundamentou seu voto no entendimento de que as bandeiras tarifárias devem compor o preço da energia elétrica, uma vez que refletem o custo da produção do que é consumido. Sustentou que tais bandeiras são parte integrante na composição do custo de produção da energia elétrica em determinado momento, devendo, portanto, integrar a base de cálculo do ICMS. Em sentido contrário, a ministra Regina Helena Costa apresentou divergência ao entender que as bandeiras tarifárias não estão relacionadas ao consumo efetivo de energia elétrica pelo contribuinte, não devendo, portanto, compor a base de cálculo do ICMS. Argumentou que tais bandeiras dizem respeito apenas às condições de geração de eletricidade, função regulatória, sem influência direta no consumo. Inadequação da inclusão das bandeiras tarifárias na base de cálculo do ICMS Análise à luz dos princípios constitucionais e da legislação Analisando a questão sob uma perspectiva mais ampla, é possível concluir que a inclusão das bandeiras tarifárias na base de cálculo do ICMS não se mostra adequada. Primeiramente, é necessário ressaltar que o ICMS possui como base de cálculo o valor da operação, que corresponde ao valor da energia elétrica consumida pelos usuários do sistema. Nesse contexto, as bandeiras tarifárias não se relacionam diretamente com o consumo efetivo de energia. É preciso considerar que as bandeiras tarifárias têm a finalidade de sinalizar aos consumidores os custos extras decorrentes das condições de geração de eletricidade em determinado período. Portanto, não se trata de uma parcela que integra o preço da energia elétrica em si, mas sim de um adicional que reflete uma circunstância temporária e excepcional. Com bem destacou o voto vencido, é evidente que a política das bandeiras tarifárias encerra atuação regulatória, a qual não se encontra diretamente vinculada ao efetivo consumo de contribuinte individualmente considerado. Ademais, diante do que passou a dispor o artigo 3º, X da Lei Kandir (incluído pela Lei Complementar n. 194/2022), segundo o qual "O imposto não incide sobre: X - serviços de transmissão e distribuição e encargos setoriais vinculados às operações com energia elétrica", é inegável a ligação do adicional de bandeira tarifária com os encargos setoriais vinculados às operações com energia elétrica. Essa disposição legal reforça a impossibilidade de inclusão das bandeiras tarifárias na base de cálculo do ICMS. Incompatibilidade da inclusão das bandeiras tarifárias na base de cálculo do ICMS Violação aos princípios da capacidade contributiva e legalidade Dessa forma, ao incluir as bandeiras tarifárias na base de cálculo do ICMS, estar-se-ia ampliando indevidamente a incidência do imposto sobre valores que não correspondem efetivamente ao consumo realizado pelos contribuintes. Tal interpretação contraria os princípios da capacidade contributiva e legalidade, que regem o sistema tributário nacional. Portanto, diante dos argumentos apresentados, conclui-se que é incompatível com a sistemática do ICMS a inclusão das bandeiras tarifárias na base de cálculo do referido imposto. Tal entendimento resguarda os direitos dos contribuintes e mantém a coerência com os princípios constitucionais que norteiam o sistema tributário brasileiro.
2023-10-24T21:28-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-24/guilherme-lima-bandeiras-tarifarias-base-calculo-icms2
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Opinião
Gabriel Santiago: Dedutibilidade de JCP em incorporações
Em um momento de trâmite avançado da reforma tributária sobre o consumo no Brasil, o governo federal ensaia alterar também a sistemática de tributação da renda. Por iniciativa do Executivo, uma das recentes medidas para alcançar esse objetivo é a apresentação do Projeto de Lei nº 4.258/2023 (PL 4.258/2023), cujo objetivo é extinguir os Juros sobre Capital Próprio. Os JCP foram criados pelo artigo 9º da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995 (Lei 9.249/1995) e, tal como os dividendos e os juros, trata-se de um retorno de investimento pela utilização de capital por parte de uma sociedade. No entanto, os JCP destinam-se unicamente aos acionistas da sociedade, tal como os dividendos (portanto, são isentos ao nível do sócio). E, tal como ocorre em relação aos juros, a remuneração mediante JCP é considerada despesa financeira por parte da sociedade (por essa razão, são dedutíveis ao nível da sociedade). Assim, a legislação trouxe eficiência fiscal nas duas pontas. O único ônus tributário do pagamento dos JCP é o recolhimento do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRF) à alíquota de 15% pela sociedade — em substituição à alíquota de 34% que a sociedade pagaria a título de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSL) sobre os lucros apurados previamente à distribuição de dividendos. Os JCP são calculados mediante a aplicação de uma taxa de mercado (a Taxa de Juros de Longo Prazo) sobre o patrimônio líquido da sociedade. Mas a legislação não viabiliza a dedução de todo o resultado desse cálculo. Só é possível deduzir os JCP até o maior valor entre duas alternativas relacionadas ao balanço patrimonial: 1) 50% do lucro do exercício; e 2) 50% do saldo dos lucros acumulados e reservas de lucros. Trocando em miúdos, a dedutibilidade dos JCP depende da existência de lucros — quanto maiores os lucros, mais JCP se pode deduzir. A instituição dos JCP teve como principal objetivo desestimular o uso de fontes de financiamento de terceiros pelas empresas brasileiras. Afinal, para além das razões de mercado que justificam a contração de dívidas por uma sociedade, o superendividamento também traz vantagens fiscais. Como o legislador brasileiro escolheu concentrar a tributação corporativa na pessoa jurídica e isentar a distribuição de dividendos, o financiamento via capital de terceiros afeta sensivelmente a arrecadação do IRPJ e da CSL. E não poderia ser diferente, já que os juros pagos para remunerar empréstimos reduzem o lucro apurado no exercício, impactando o valor a ser pago a título de IRPJ e CSL. Como os dividendos não são tributados na sua distribuição aos acionistas, deduções ancoradas em dívidas podem gerar distorções na tributação da renda corporativa, revelando um tratamento desigual entre os contribuintes: sociedades que privilegiavam o financiamento mediante capital próprio recolhem mais IRPJ e CSL do que sociedades muito endividadas. A instituição dos JCP buscou corrigir essa brecha ao incentivar o financiamento mediante o incremento do capital na sociedade. Por isso, os juros são sobre capital próprio, e não sobre capital de terceiros. Contudo, o artigo 9º Lei 9.249/1995 não é explícito em relação à possibilidade de cálculo da dedutibilidade dos JCP com base em lucros que, ainda que componham atualmente o balanço patrimonial de uma sociedade (sucessora), tenham sido anteriormente do balanço patrimonial de uma sociedade que fora objeto de incorporação (sucedida). Nessa controvérsia, a questão é se os saldos das contas de lucros acumulados e reservas de lucros de uma sociedade incorporada: 1) podem ser transferidos para as mesmas contas da sociedade incorporadora após a versão de todo o patrimônio da incorporada ("incorporação linha a linha" ou horizontal), sob o argumento de que a legislação não indica a rubrica sob a qual deve haver o aumento de capital na sociedade incorporadora; ou 2) não podem ser transferidos para as mesmas contas da sociedade incorporadora, mas apenas transferidos para a conta do capital social, já que todo o patrimônio líquido da incorporada comporia uma universalidade a ser destinada à formação de capital social. No primeiro caso, os limites de cálculo da dedutibilidade poderiam ser maiores do que os limites anteriores ao evento da incorporação. No último caso, os juros deduzidos acima dos limites anteriores ao evento da incorporação poderiam ser glosados pela autoridade fiscal. Ainda que o corriqueiro seja que se considerem os lucros da própria sociedade, os saldos dos lucros acumulados e das reservas de lucros de uma sociedade incorporada poderiam ser considerados pela sociedade incorporadora, para fins de dedutibilidade de JCP das bases de cálculo do IRPJ e CSL? O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) possui apenas três decisões sobre o tema. Em artigo na coluna Direto do Carf, desta ConJur, o professor Alexandre Evaristo Pinto muito bem analisou esses precedentes. O único resultado favorável ao contribuinte foi no mais recente acórdão (Caso Santander), em que a 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais [1] concluiu que as previsões dos artigo 226 e 267 da LSA apenas indicam que deve haver "algum aumento de capital" na sociedade incorporadora. Assim, inexistiria obrigatoriedade de que o aumento de capital fosse na conta do capital social. Nas duas decisões anteriores, o Carf havia concluído que a extinção da incorporada torna irrelevante o passado contábil da incorporada [2]. Afinal, a incorporadora receberia o total da riqueza patrimonial devidamente avaliada sob a forma de um acervo líquido, perdendo a natureza individual das rubricas anteriores. Seria essa uma universalidade (composta de bens e direitos subtraídos de obrigações) a compor o capital social da incorporadora. A consequência da incorporação seria o desaparecimento das contas contábeis de lucros acumulados de períodos anteriores e reservas da incorporada. Por essa razão, essa sistemática pressupõe necessariamente que se siga o caminho tão somente do "aumento de capital social" de certa sociedade (incorporadora), pois não se fala mais na existência de reservas ou muito menos de lucros acumulados da empresa extinta. Dito isso, a possibilidade de transferência dos saldos dos lucros acumulados e da reserva de lucros para a incorporadora no contexto do cálculo da dedutibilidade dos JCP traz pontos de reflexão. Inicialmente, retoma-se a discussão acerca da natureza jurídica do artigo 9º da Lei 9.249/1995. Para o professor Luís Eduardo Schoueri [3], os JCP correspondem a um conceito eminentemente de direito tributário, sem se ancorar nos conceitos de juros ou de dividendos trazidos pela legislação societária. Se o conceito de JCP possuir efetiva autonomia em relação ao direito societário — e ao direito contábil —, a expressão "existência de lucros, computados antes da dedução dos juros, ou de lucros acumulados e reservas de lucros" (§1º do referido artigo 9º) poderia englobar também os lucros reconhecidos e mensurados pela sociedade incorporada? De novo, a legislação não traz uma resposta. Mas é importante relembrar que, no caso da incorporação de sociedades, não só a sociedade incorporadora sucede a incorporada em todos os seus direitos e obrigações (artigo 227, caput, da Lei das Sociedades Anônimas), mas a sociedade incorporada é responsável pelos tributos devidos pela incorporada até esta deixar de existir (artigo 132, do Código Tributário Nacional). Além disso, cabe retomar as conclusões adotadas pela conselheira Livia De Carli Germano ao redigir o voto vencedor no mencionado caso Santander na 1ª Turma da CSRF. Para a conselheira, a observação da prática societária leva à conclusão de que nem sempre há aumento de capital após uma incorporação. Um bom exemplo seria a incorporação de sociedade que possua patrimônio líquido negativo (passivos em maior proporção do que os ativos).  Neste último caso, a incorporação "linha a linha" seria a única forma de evitar uma redução de capital da sociedade incorporadora. Afinal, se a incorporação não ocorre dessa forma, os lucros acumulados ou reservas de lucros da incorporadora não são suficientes para absorver o prejuízo contido na incorporada. Nesse caso, a transmissão dos saldos de todas as contas da incorporada unicamente para a conta de capital social da incorporadora traria problemas de insolvência para esta última, salvo se houvesse um subsequente aumento de capital. A medida é uma forma, inclusive, de resguardar os credores da sociedade, que seriam diretamente impactados pela medida. Falando da incorporação "linha a linha" para fins de maior dedutibilidade de JCP, claramente o objetivo seria obter maior eficiência fiscal, e não resguardar os credores. Portanto, a comparação acima é passível de críticas. De todo modo, questiona-se: a indefinição na forma de operacionalizar a incorporação pode abrir margens para que o contribuinte possa agir como melhor lhe convir, tal qual no exercício de uma opção fiscal? Independentemente da resposta, a incorporação "linha a linha" apresenta uma interessante intersecção entre a contabilidade, o direito privado e o direito tributário. Espera-se que o Carf enfrente mais vezes essa questão e que possa esclarecer os limites da utilização dessa reorganização societária, especialmente em um contexto da aplicação do teste de propósito negocial e verificação de substância de atos realizados pelos contribuintes.   [1] Acórdão nº 9101-005.951. 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais. Processo nº 16327.001538/2010-79. Redatora conselheira Livia De Carli Germano. Julgado em 07 de fevereiro de 2022. Contribuinte: Santander Brasil Arrendamento Mercantil S/A. [2] Acórdão nº 164.718. Terceira Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes. Processo nº 19740.000258/2007-55. Relator conselheiro Leonardo de Andrade Couto. Julgado em 17 de setembro de 2008. Contribuinte: Banco Banerj S/A. Acórdão nº 1401000.946. 1ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 1ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Processo nº 16327.001538/2010-79. Relator conselheiro Antonio Bezerra Neto. Julgado em 06 de março de 2013. Contribuinte: Santander Brasil Arrendamento Mercantil S/A. [3] SCHOUERI, Luis Eduardo. Juros sobre capital próprio: natureza jurídica e forma de apuração diante da 'Nova Contabilidade'. In: Roberto Quiroga Mosquera; Alexsandro Broedel Lopes. (Org.). Controvérsias Jurídico-Contábeis (Aproximações e Distanciamentos). 1ed.São Paulo: Dialética, v. 3, p. 169-193, 2012.
2023-10-24T20:38-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-24/gabriel-santiago-dedutibilidade-jcp-incorporacoes-linha-linha2
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Novela tributária
STF pauta julgamento do Difal do ICMS para o dia 22 de novembro
O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luís Roberto Barroso, incluiu na pauta do dia 22 de novembro o julgamento sobre o Difal — diferencial de alíquotas do ICMS entre estados. O julgamento foi paralisado por pedido de destaque feito em dezembro do ano passado pela ministra Rosa Weber, atualmente aposentada. O STF julga três ações diretas de inconstitucionalidade sobre o tema. Nelas, discute-se em que momento os estados podem fazer a cobrança do diferencial. A matéria começou a ser julgada em setembro de 2022. O relator das três ações, ministro Alexandre de Moraes, votou pela possibilidade de o imposto ser cobrado já no ano passado, uma vez que, no seu entendimento, não houve instituição, nem majoração, de tributo, mas apenas a regulamentação do que já existia. Divergências O ministro Dias Toffoli pediu vista, e liberou o caso no mês seguinte, quando apresentou divergência parcial. Ele, porém, também considerou que a LC 190/22, que regulamentou o Difal, passou a produzir efeitos já em 2022. Outro que abriu divergência foi o ministro Edson Fachin. Ele defendeu que a lei que regulamenta o Difal precisa observar os princípios da anterioridade anual e da nonagesimal. Desse modo, a cobrança seria possível apenas neste ano. Os ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, André Mendonça e Rosa Weber acompanharam esse voto. Após também pedir vista no julgamento, o ministro Gilmar Mendes acompanhou o entendimento de Toffoli. Agora, o julgamento vai recomeçar do zero.  ADI 7.066 ADI 7.070 ADI 7.078
2023-10-24T20:18-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-24/stf-pauta-julgamento-difal-icms-dia-22-novembro
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Opinião
Liliane Vieira: Urgência de redefinição do prazo decadencial tributário
A modernização constante da administração tributária, embalada pela agilidade e precisão proporcionadas pela inteligência artificial, tem elevado a eficiência dos processos fiscais a novos patamares. A operacionalização de declarações digitais dos contribuintes, interligadas com sofisticados sistemas de IA, não apenas facilita o cruzamento de dados, mas também aguça a capacidade do Fisco de identificar irregularidades, inaugurando uma era de fiscalização proativa e quase instantânea. O Sistema Público de Escrituração Digital (Sped), por exemplo, fornece ao Fisco um acesso quase imediato a toda a movimentação contábil do contribuinte. Em uma era onde a maioria dos tributos é lançada por homologação, ou seja, apurados e pagos antecipadamente pelo contribuinte sem a intervenção imediata do Fisco, o papel da tecnologia não pode ser subestimado. Ferramentas como o PGFN Analytics utilizam dados sobre bens do contribuinte para informar aos procuradores sobre a probabilidade de sucesso em execuções fiscais, direcionando assim, seus esforços para casos com maiores chances de recuperação de crédito fiscal. Exemplificando na prática, em maio de 2023 a Prefeitura de Belo Horizonte anunciou a adoção de IA para aprimorar o lançamento, fiscalização e cobrança de tributos municipais, destacando os benefícios de simplificação de obrigações e aumento da transparência. Apesar desse cenário futurista na apuração e revisão de tributos, um questionamento emerge: Por que, com tal avanço, o prazo decadencial para a revisão de lançamentos tributários pelo Fisco permanece ancorado em um período de cinco anos? Com trilhões de reais atrelados ao passivo tributário no Brasil, estratégias diversas como transação tributária e reforma tributária têm sido discutidas como meio de mitigar esse imenso débito. Entretanto, além de estratégias para aliviar a dívida existente, é imperativo que o Estado adote medidas para prevenir o acúmulo futuro deste passivo. A perpetuação de um prazo decadencial extenso, tal como está prescrito em nossa legislação, inegavelmente contribui para o crescimento desse passivo. A magnitude do montante apurado nas fiscalizações, que abrange cinco intensos anos de operações do contribuinte, muitas vezes culmina em uma dívida insustentável para este. O problema tributário, quando identificado prontamente, pode ser solucionado com um investimento mínimo; ignorado, evolui para uma "infiltração" custosa e problematicamente intrincada. É imperativo reconhecer que o propósito aqui não é tão somente beneficiar o contribuinte — o Fisco também arca com perdas substanciais devido ao acúmulo desse passivo. A impossibilidade do contribuinte liquidar a dívida geralmente culmina em táticas de postergação de pagamento (através de defesas e recursos administrativos, ou ainda, embargos à execução fiscal), eventualmente, na esperança de se beneficiar de um futuro parcelamento com abatimento de multa e juros. A depender do valor em discussão, um contencioso administrativo pode demorar mais de dez anos para ser definitivamente julgado, sendo que durante todo este prazo o débito permanece com a exigibilidade suspensa. Alternativamente, a identificação e correção acelerada de erros tributários do contribuinte poderiam ser uma estratégia muito mais eficaz para a redução do passivo tributário, ampliando a receita e permitindo que o contribuinte continue suas operações sem a pressão de uma dívida que, com o tempo, deteriora a estrutura de seu negócio. Acrescente-se que a adoção de um prazo decadencial mais enxuto pode impactar positivamente no julgamento das causas tributárias no âmbito das Cortes Superiores, diminuindo a necessidade de utilização da técnica de modulação, que visa adaptar os efeitos temporais das decisões para não causar impactos abruptos ou desproporcionais na realidade fiscal, tanto dos contribuintes quanto da administração pública. Não raras vezes, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento de causas tributárias, tem se socorrido à modulação de efeitos para absorver as consequências do reconhecimento da inconstitucionalidade ou constitucionalidade de determinada norma. Podemos citar, como exemplo, o caso da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, RE 574.706/PR, conhecido como a "tese do século", que até os dias de hoje tem fomentado discussões em relação à modulação aplicada. No julgamento do Tema 1093 — sobre o ICMS — Difal nas operações interestaduais envolvendo consumidores finais não contribuintes do imposto, de modo semelhante foi aplicada a modulação de efeitos. Nesse cenário, a redução do prazo decadencial, aliada à eficiência proporcionada pela IA, convergiriam para um sistema tributário mais ágil e seguro, onde a aplicação da modulação de efeitos, sendo uma medida excepcional, seria acionada com menos frequência. Em última análise, a redefinição do prazo decadencial de lançamento também se alinha com o anseio por maior segurança jurídica no ambiente empresarial, fomentando um terreno mais estável e previsível para negócios e investimentos.
2023-10-24T18:29-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-24/liliane-vieira-urgencia-redefinicao-prazo-decadencial-tributario
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imunidade tributária
Ecad é isento de Cofins sobre investimentos da verba arrecadada
As receitas oriundas de aplicações financeiras efetuadas pelo Ecad estão ligadas às atividades próprias que executa na arrecadação e distribuição de direitos autorais, motivo pelo qual são isentas da tributação da Cofins, conforme a Medida Provisória 2.158-35/2001. A conclusão é da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que nesta terça-feira (24/10) deu provimento ao recurso especial ajuizado pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) com o objetivo de garantir isenção tributária. O caso discute a tributação de Cofins sobre as receitas financeiras obtidas pelo escritório a partir de julho de 2015, mediante investimentos da verba arrecadada a título de direitos autorais referentes à execução pública de obras protegidas. Para o Ecad, a verba é isenta da cobrança de Cofins com base no artigo 14, inciso X da MP 2.158-35/2001, por se enquadrar em montante relativo às atividades próprias da entidade. O Tribunal Regional Federal da 2ª Região, no entanto, entendeu que a cobrança seria legítima. Para a corte regional, isenção não alcança as receitas financeiras, ainda que sejam aplicadas na persecução dos objetivos sociais das sociedades. Relatora, a ministra Regina Helena Costa deu razão ao Ecad. Ela apontou que a isenção da Cofins prevista na medida provisória  para receitas decorrentes das atividades próprias da entidade tem eficácia mais abrangente do que a admitida pelo Fisco. "Receitas oriundas de aplicações financeiras efetuadas pelo Ecad ligam-se intrinsecamente às atividades institucionais de arrecadação e distribuição de direitos autorais, cuidando-se de valores apontados para a consecução da finalidade precípua da entidade", avaliou. Com isso, o óbice imposto pelo Fisco ao gozo da imunidade tributária é ilegal. A votação foi unânime. REsp 1.985.164
2023-10-24T16:48-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-24/ecad-isento-cofins-investimentos-verba-arrecadada
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União de esforços
CJF, CNJ, AGU e TRFs se unem para melhorar execuções fiscais
O Conselho da Justiça Federal, o Conselho Nacional de Justiça, a Advocacia-Geral da União, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e os seis Tribunais Regionais Federais assinaram nesta segunda-feira (23/10) a Portaria Conjunta 7/2023, que dispõe sobre procedimentos, iniciativas e estratégias para racionalizar e aprimorar o fluxo de execuções fiscais promovidas pela PGFN. O documento será publicado nos próximos dias.   O normativo foi assinado, na sede do CJF, pela presidente do Conselho, ministra Maria Thereza de Assis Moura; pelo presidente do CNJ, ministro Luís Roberto Barroso; pelo advogado-geral da União, ministro Jorge Messias; pela procuradora-geral da PGFN, Anelize Lenzi Ruas de Almeida; e pelos presidentes e representantes dos TRFs.   O ministro Barroso, também presidente do Supremo Tribunal Federal, ressaltou que o dispositivo é um esforço e uma ferramenta valiosos para o aprimoramento da Justiça Federal: "Estamos adotando medidas que estimulem a desjudicialização dos processos, a automatização das rotinas e o tratamento adequado da alta litigiosidade. A portaria possibilitará a extração de dados do CNJ e auxiliará a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a identificar as execuções fiscais que podem ser extintas, desafogando o acervo dos tribunais".  Para a presidente do CJF, ministra Maria Thereza, esse é o início de uma parceria que tem tudo para dar certo e que garantirá a razoável duração dos processos. "A troca de informações viabilizada por meio dessa portaria permitirá um melhor gerenciamento desse acervo, em especial por fornecer ao juízo a pronta notícia dos créditos extintos administrativamente, e permitir um trâmite menos burocrático para o arquivamento dessas decisões", destacou a magistrada.   Em seguida, o advogado-geral da União afirmou que esse é um gesto de confiança institucional. "Entendo que a portaria dotará a administração tributária de condições de atuar de forma mais racional dentro de um sistema complexo com alta taxa de congestionamento. O Judiciário está difundido práticas inovadoras e que vêm ao encontro do esforço pela celeridade da prestação jurisdicional e da racionalização dos recursos utilizados", disse o ministro Jorge Messias.  A procuradora-geral da Fazendo Nacional, Anelize Lenzi Ruas de Almeida, agradeceu a todas as pessoas por trás da portaria pelo esforço e afirmou ser uma satisfação discutir o tema: "Essa portaria é um grande passo para que a PGFN possa socializar atividades e iniciativas que estão sendo desenvolvidas há mais de dez anos. Essa confiança que o Poder Judiciário demonstra, assinando esse acordo, é o que nos move, o que faz nossas equipes trabalharem e procurarem cada vez mais iniciativas e soluções que sejam claras, profissionais e seguras para o contribuinte brasileiro".   Execução fiscal  De acordo com o documento, as execuções fiscais representam cerca de 30% dos processos pendentes na Justiça Federal, com alta taxa de congestionamento e baixo índice de satisfação da dívida. Considerando a promoção da eficiência dos atos, a portaria conjunta estabelece as seguintes iniciativas, estratégias e procedimentos:  O CNJ, o CJF, os TRFs e a PGFN indicarão, por ato próprio, titular e suplente para servir de ponto focal para a concentração do diálogo relacionado aos processos de trabalho definidos na portaria conjunta.   O Conselho da Justiça Federal deverá acompanhar a iniciativa e auxiliar na cooperação interinstitucional no que lhe couber. Com informações da assessoria de imprensa do CNJ.
2023-10-24T14:51-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-24/cjf-cnj-agu-trfs-unem-melhorar-execucoes-fiscais
tributario
Justiça Tributária
O que é grupo econômico para redirecionamento da execução fiscal
Em nossa última coluna aqui nesta ConJur, abordamos a questão do IDPJ no rito da execução fiscal, assunto afetado à sistemática dos repetitivos pelo STJ (Tema nº 1.209). Naquela ocasião, aproveitamos para mencionar o pedido, cada vez mais frequente, de redirecionamento de execuções fiscais a outras sociedades sob o simples argumento de "formação de grupo econômico", onde destacamos que essa temática (do grupo econômico) ainda carece de marco normativo a orientar os contribuintes, a fazenda pública e a jurisprudência. A Lei nº 6.404/76 (Lei das S.A.) dedica um capítulo específico para tratar de "grupos de sociedades", caracterizados pela combinação de recursos ou esforços, mediante acordo formal, para a realização dos respectivos objetos ou pela participação de atividades ou empreendimentos comuns (artigo 265), conservando-se distintos o patrimônio e a personalidade de cada uma das sociedades integrantes do grupo (artigo 266). O artigo 243 da mesma lei ainda trata do que se convencionou chamar de "grupo econômico de fato", que são aqueles que, apesar da ausência de acordo formal, atuam sob influência significativa de uma mesma sociedade. Como se vê, quis o legislador consignar expressamente que o reconhecimento de um grupo de sociedades não resulta na confusão entre os respectivos patrimônios, tampouco na perda de suas personalidades. Há, ainda, outra importante questão que surge da leitura dos citados dispositivos da Lei nº 6.404/76, qual seja: é imprescindível, para a formação de grupos econômicos, uma relação (combinação de esforços) entre sociedades, apenas, ou também poderia restar caracterizado na figura de várias sociedades sob o controle comum de pessoas naturais? Essa questão é de suma importância, uma vez que o texto da Lei das S.A. se refere a relação entre sociedades, apenas; contudo, pedidos de redirecionamento de execuções fiscais são feitos muitas vezes sob a alegação de que o controle comum de várias sociedades, por pessoas naturais, implicaria a formação de grupo econômico. Para Marlon Tomzaete, "é a direção única o elemento caracterizador de um grupo de sociedades". Ainda segundo o ilustre doutrinador, essa direção única pode se dar através de uma sociedade de comando ou por um órgão colegiado. [1] E o leitor que chegou até este ponto do texto pode estar se perguntando o porquê de até agora termos feito menção apenas à legislação societária, e não à tributária, como era de se esperar deste colunista. A resposta a essa pergunta é simples: a atual legislação tributária brasileira não trata da figura dos "grupos econômicos". De acordo com Augusto Newton Chucri et al, "a existência de um grupo econômico é, sozinha, questão irrelevante para o CTN: cada agrupada somente responderá por suas próprias obrigações tributárias". [2] A ausência de legislação específica, entretanto, não tem impedido a apreciação do tema pelo Poder Judiciário, o que de certo modo é benéfico, pois impede-se (ou, pelo menos, tenta-se impedir) a prática de ilícitos; porém, por outro lado, decisões proferidas sem fundamento em lei específica, apenas com base em analogias, pode resultar na indesejada situação em que o Judiciário se veja atuando na função de legislador. Em decisão proferida no âmbito do REsp nº 1.808.645/PE, sob a relatoria do eminente ministro Herman Benjamin, a 2ª Turma do STJ reconheceu que, no caso concreto analisado, houve sim a formação de "grupo econômico" apesar de a legislação tributária atual não versar sobre o tema. Nas palavras do relator, "o instituto jurídico em tela ('grupo econômico') não é disciplinado pelo Direito Tributário, pois, diferentemente do que ocorre na seara trabalhista, ou de defesa da ordem econômica, inexistem normas, na legislação específica (tributária), que confiram tratamento técnico-jurídico a esse tema". "Isso não significa que a situação, em si — isto é, a constatação da existência de grupo econômico de fato, principalmente quando evidenciado o escopo de dissimular situações para eximir-se do cumprimento dos deveres de natureza fiscal —, deixe de ser solucionada pelo ordenamento jurídico." Ainda segundo o eminente ministro, o redirecionamento de execuções fiscais, após ser reconhecida a formação de grupo econômico, geralmente se faz através do "enquadramento da situação a hipóteses descritas, de modo esparso, no artigo 50 do CC/2002 (desconsideração da personalidade jurídica); nos artigos 124, 128, 132, 133 e/ou 135 do CTN (responsabilidade solidária, sucessão empresarial ou responsabilidade pela prática de atos de infração à lei ou atos constitutivos societários)". Em outra decisão do STJ, agora proferida pela 1ª Turma no AgInt no REsp nº 2.030.869/ES, a eminente ministra Regina Helena Costa destacou que, "na execução fiscal, a ocorrência das hipóteses descritas nos artigos 134 e 135 do CTN autoriza o redirecionamento do processo executivo, sem a necessidade de instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica..." A eminente relatora, reproduzindo as palavras do acórdão recorrido, mencionou que, naquele caso concreto, o contexto era de vínculo societário entre várias sociedades empresárias, com clara formação de grupo econômico, "o que torna patente a responsabilidade das sociedades componentes deste grupo, bem como dos sócios, pelos débitos tributários das empresas que o compõem, tendo em vista a prática de ato ilícito..." Não há dúvida quanto à utilidade do instituto da desconsideração da personalidade jurídica a fim de se alcançar o patrimônio de pessoa natural ou jurídica com vistas à satisfação do crédito tributário. Entretanto, também não há dúvida quanto ao caráter excepcional de tal instituto, sendo imprescindível, para a sua instauração, a verificação de um dos requisitos do artigo 50 do CC/2002, quais sejam: o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial. Já no que tange aos artigos do 124, 128, 132, 133, 134 e 135 do CTN, geralmente invocados como fundamento para o redirecionamento de execuções fiscais, vale ressaltar que nenhum deles se encontra na seção que trata da "responsabilidade por infrações" (artigos 136 a 138). Ainda em relação aos mencionados dispositivos do CTN, numa brevíssima análise, os artigos 128 a 132 tratam da responsabilidade dos sucessores; os artigos 134 a 135 tratam da responsabilidade de pessoas naturais atuando nas condições ali descritas; e com relação ao artigo 124, está longe de ser pacífica a interpretação do que significa "pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador..." Como se vê, os dispositivos do CTN geralmente invocados como fundamento para o redirecionamento de execuções fiscais em contexto de grupo econômico, não foram escritos com essa finalidade pelo legislador; por isso, o risco de uma interpretação que tente justificar, com base em tais dispositivos, o redirecionamento de execuções fiscais, cujo pressuposto, nos casos que envolvem grupos econômicos, será sempre um ato ilícito. Com isso não estamos a defender que o Judiciário se abstenha de exercer a jurisdição sempre que provocado a, em nome do Estado, punir ilícitos praticados através da utilização de grupos empresariais. O alerta que se faz é para que o legislador atue para preencher as lacunas que atualmente existem quando se trata da tributação de grupos econômicos. Em paralelo, insistimos para que os nossos tribunais não banalizem o instituto do redirecionamento de execuções fiscais, evitando que tal medida seja tomada quando o argumento for tão somente a formação de grupo econômico, sem que restem demonstradas as condutas ilícitas hoje previstas em nosso ordenamento jurídico. [1] TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário – volume 1 – 10 ed. – São Paulo: Saraiva Educação. 2019. Pág. 653. [2] Execução Fiscal Aplicada: análise pragmática do processo de execução fiscal / Coordenador João Aurino de Melo Filho, autores Augusto Newton Chucri et al. – 10. Ed. ver. Ampl. E atual. – São Paulo: Juspodivm, 2023. Pág. 643.
2023-10-24T09:17-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-24/justica-tributaria-afinal-grupo-economico-fins-redirecionamento-execucao
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Caminho aberto
Nova lei paulista deve melhorar ambiente de negócios no estado
Foi aprovado na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo no último dia 17 deste mês o PL 1245/2023, que nasceu com o objetivo de simplificar a regularização de débitos inscritos na dívida ativa estadual. A norma virou notícia por causa de um jabuti nela embutido — a anistia das multas para quem violou medidas sanitárias durante a crise provocada pela Covid-19, o que beneficiou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), padrinho político do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). No entanto, essa "malandragem" não deveria ofuscar os benefícios que a lei pode apresentar, de acordo com os tributaristas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico. Eles todos receberam muito bem o Transaciona SP, programa criado pela norma. No entendimento dos especialistas no assunto, a medida tem potencial para aumentar de forma significativa a arrecadação do estado e deve melhorar o ambiente de negócios em São Paulo, dando fôlego a empresas que ainda lidam com as perdas provocadas pela Covid-19. Modelo repetido Em linhas gerais, o texto replica em São Paulo o modelo federal de transação tributária, uma modalidade bastante flexível de negociação de débitos inscritos na dívida ativa. A transação tributária ganhou bastante relevância em 2020, e tem sido apontada como um sucesso em nível federal. Somente no ano passado, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional recuperou mais de R$ 14 bilhões por meio desse instituto. ''Em São Paulo, a modalidade que existia até então foi um verdadeiro fiasco, por causa da exigência de garantia, entre outros motivos. Agora, com o espelhamento do modelo federal, o contribuinte que possui débitos com o Fisco paulista poderá negociá-lo valendo-se de uma flexibilidade muito maior. Havia uma grande expectativa desse público, dos empresários com débitos fiscais. Além disso, é claro, a medida significa uma liquidez imediata aos cofres públicos'', afirma Eduardo Galvão, do escritório GBA Advogados Associados. O sucesso da transação tributária no âmbito federal pode se repetir em São Paulo. Segundo a Procuradoria-Geral paulista, há R$ 394 bilhões inscritos na dívida ativa estadual, dos quais são considerados cobráveis aproximadamente R$ 157 bilhões. Thais Karoline F. de Medeiros, sócia da área tributária do Martorelli Advogados, endossa o coro que diz que a lei pode produzir impactos significativos para a arrecadação do governo paulista.  ''A lei se destaca pela flexibilidade na aceitação de garantias e pela possibilidade de amortizar até 75% do saldo devedor com créditos de precatórios, além de abordar o uso de créditos acumulados de ICMS, similar à transação federal. Embora alguns aspectos ainda exijam esclarecimentos, esse avanço reforça a eficácia do diálogo entre Fisco e contribuintes na arrecadação e na preservação das empresas, em contraste com litígios tributários." Potencial arrecadatório  De acordo com Fernando Assef Sapia, da banca Henneberg, Ferreira e Linard Advogados, a estimativa é que a arrecadação seja incrementada em R$ 700 milhões no próximo ano, chegando a R$ 2 bilhões em 2026. "O programa possibilita o parcelamento em até 145 vezes, concedendo descontos especiais a créditos de difícil recuperação, pessoas físicas e pequenas empresas, além de autorizar a utilização de créditos acumulados de ICMS e precatórios." Já Marcio Miranda Maia, do Maia & Anjos Advogados, entende que a lei paulista está entre as mais modernas do país. Ele acredita que as estimativas de incremento da arrecadação são realistas. "Se tomarmos como base a lista dos 500 maiores devedores do estado, publicada mensalmente no site da Procuradoria-Geral, cujos débitos totalizam hoje quase R$ 170 bilhões, e estimarmos que 10% desses débitos serão regularizados, teremos uma recuperação potencial de R$ 10 bilhões, já considerados os descontos trazidos pela nova legislação." Arthur Barreto, sócio da área tributária do DSA Advogados, afirma que a lei dará fôlego às empresas, com modalidades de transação que poderão envolver desde descontos relevantes sobre o valor total devido (em alguns casos, de até 70%) até a utilização de créditos acumulados e de ressarcimento do ICMS. Já Priscila Regina de Souza, sócia do Loeser e Hadad Advogados, exalta o potencial que o novo regramento tem de reduzir a litigiosidade entre a administração estadual e o contribuinte.  ''Sem dúvida que o impacto maior será a redução de litígios e a regularidade fiscal de diversos contribuintes frente ao governo do estado de São Paulo. Além disso, o Fisco paulista se beneficiará com o aumento da arrecadação, inclusive em situações cuja cobrança seria de difícil recuperação." Essa opinião é compartilhada por Maria Andréia dos Santos, sócia do Machado Associados. ''Trata-se de um grande avanço e de colocar o estado de São Paulo em linha com as experiências exitosas que a PGFN vem tendo no plano federal. A transação tem por finalidade permitir uma composição nos litígios e a regularização dos passivos, para permitir que as empresas sigam em frente, São Paulo deu um grande e importantíssimo passo''. Efeito cascata Para Isabella Fochessato Panisson, do VBD Advogados, a lei paulista tem tudo para ser replicada em outros estados.  ''Em termos de eficiência fiscal, se São Paulo atingir os números estimados de arrecadação com a transação, é provável que isso influencie positivamente a decisão de outros estados em seguir o exemplo." O mesmo cenário é previsto por Diego Diniz, sócio da banca Daniel e Diniz Advocacia Tributária. "Levando em consideração a importância do estado de São Paulo dentro da federação, se o projeto paulista tiver sucesso será natural que outros estados sigam essa linha." PL 1245/2023 *Atualizado às 12h02 para correção de informação. 
2023-10-24T08:48-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-24/lei-paulista-melhorar-ambiente-negocios-estado
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Jurisprudência reafirmada
STF define alcance de decisão sobre devoluções relativas ao ICMS
O Supremo Tribunal Federal reiterou o entendimento de que não cabe pedido de devolução de valores ou de compensação tributária referente à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins depois de 15 de março de 2017 se o fato gerador ocorreu antes dessa data. A decisão foi tomada no julgamento do recurso extraordinário (RE) com repercussão geral (Tema 1.279). A data diz respeito ao julgamento de mérito de outro recurso (RE 574.706), também com repercussão geral (Tema 69), em que o STF decidiu que o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins. Já em 2021, ao acolher em parte embargos de declaração, ficou decidido que essa decisão só teria efeitos a partir do dia do julgamento. Agora, no RE 1.452.421, a União questionou decisão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) que estabeleceu que a data a ser considerada para a exclusão do tributo era a do pagamento. Mas, segundo a União, a inclusão do valor do ICMS no cálculo das contribuições permaneceu válida até 15 de março de 2017, fazendo surgir as obrigações tributárias a fatos geradores anteriores. O colegiado acompanhou a manifestação da ministra Rosa Weber (hoje aposentada) no sentido de que a matéria tem repercussão geral, pois trata da delimitação do sentido e do alcance de precedente obrigatório do Supremo, afetando inúmeros outros casos. Em relação ao mérito, a ministra explicou que o recurso questiona a aplicação da tese na hipótese de lançamento, recolhimento ou pagamento de PIS/Cofins com o ICMS na sua base de cálculo após 15 de março de 2017, mas relativo a fato gerador anterior. Segundo Rosa Weber, a análise do acórdão do primeiro julgado não deixa dúvidas de que a tese firmada somente produz efeitos sobre fatos geradores ocorridos após 15 de março de 2017, ressalvadas ações judiciais e procedimentos administrativos protocolados até aquela data. Nesse sentido, ela citou inúmeras decisões da corte em recursos extraordinários com pedidos análogos. Assim, Rosa se manifestou pela reafirmação da jurisprudência da corte e, no caso concreto, pelo provimento do recurso da União. Por unanimidade, o Plenário Virtual reconheceu a repercussão geral da matéria, objeto do recurso extraordinário, e reafirmou sua jurisprudência dominante. A tese fixada foi a seguinte: Em vista da modulação de efeitos no RE 574.706/PR, não se viabiliza o pedido de repetição do indébito ou de compensação do tributo declarado inconstitucional, se o fato gerador do tributo ocorreu antes do marco temporal fixado pelo Supremo Tribunal Federal, ressalvadas as ações judiciais e os procedimentos administrativos protocolados até 15.3.2017". Com informações da assessoria de imprensa do STF. RE 1.452.421
2023-10-24T08:22-0300
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Território Aduaneiro
Eficiência das exportações: comentários a partir do novo TRS
No último dia 20 de outubro foi lançado o Estudo de Tempos de Liberação de Cargas para as exportações, internacionalmente conhecido como Time Release Study (TRS) [1]. O trabalho, desenvolvido pela RFB de modo análogo ao TRS importação de 2020, buscou consolidar informações relevantes e relacionadas aos tempos médios de desembaraço, de modo a cumprir com a recomendação contida no Acordo sobre Facilitação do Comércio (AFC) da OMC [2]. A relevância desse tipo de iniciativa reside no fato de que, conforme já indicado pelo Banco Mundial, cada dia de atraso/demora nos processos de logísticos representam cerca de 1% do valor das mercadorias transacionadas. Tais custos, que acabam sendo represados ao consumidor final, trazem prejuízos em termos de competitividade dos exportadores no comércio exterior e dificultam a efetiva inserção econômica do país nos mercados globais. Em termos de resultados obtidos, o TRS dá destaque para as seguintes conclusões: (1) 88,9% das DU-Es registradas entre junho e julho de 2023 foram parametrizadas em canal verde; (2) o modal marítimo responde por 46,9% das operações de exportação no Brasil; (3) cerca de 85% do tempo consumido no despacho ocorre na etapa entre o desembaraço e o embarque; (4) a participação dos órgãos públicos nos tempos de exportação é de cerca de 3% do total; e (5) apenas 19% das exportações são realizadas por empresas certificadas no Programa Operador Econômico Autorizado (OEA). A partir desse quadro, as conclusões gerais enfatizadas no estudo foram: (1) o tempo médio de despacho de exportação praticado, de 107 horas, é razoável; (2) o tempo elevado entre desembaraço e embarque indica que a logística é o ponto crucial do processo quando se pensa em redução de tempos significativa; (3) a participação de órgãos públicos no tempo de exportação é pequena; e (4) a adesão dos exportadores ao Programa OEA está aquém do esperado, o que enseja a necessidade de ajustes em termos de benefícios e integração para além da RFB, de maneira a ser encarado como uma política de Estado. Para além dos dados e interpretações apresentadas pela RFB, nos parece que existem outras lições relevantes no estudo e que necessitam ser melhor endereçadas para que o relatório produza os esperados efeitos de promoção de diálogos e aprimoramento dos procedimentos aduaneiros. Nesse sentido, nos propomos aqui a tratar de cinco pontos que consideramos igualmente relevantes e que, apesar de contidos no relatório, não foram tratados de forma completa ou adequada. São eles: os desafios do modal rodoviário; a necessidade de se continuar investindo em automação; o impacto dos órgãos anuentes na exportação — principalmente o MAPA; a promoção da cooperação e coordenação entre órgãos de fronteira e a questão de mudança de cultura dos envolvidos no processo. O primeiro ponto a ser destacado se refere às conclusões trazidas sobre as exportações realizadas por meio de fronteiras terrestres, ou seja, sob modal rodoviário. Isso porque, em diversos momentos o TRS traz esse canal como o mais eficiente, tendo consumido menos tempo de despacho, quando comparado aos modais marítimo e aéreo. Em nossa visão, os números e as conclusões apresentados não refletem a situação real enfrentada nos pontos de fronteira terrestre. A principal causa disso parece ser o recorte metodológico realizado, que considera apenas o tempo despendido entre a entrada da mercadoria no recinto até o seu embarque. Ainda que essa intervalo faça sentido para a análise dos modais aéreos e marítimo, é insuficiente para o rodoviário. Explica-se. Em razão de problemas logísticos e de infraestrutura, é comum que os principais recintos de fronteira terrestre restrinjam as admissões de mercadorias a serem submetidas ao controle aduaneiro, fazendo com que seja necessária a espera dos caminhões em vias públicas, muitas vezes com a distribuição de senhas, para o início do despacho. Assim, para se analisar o real tempo despendido entre a disponibilização da carga para despacho e a sua efetiva conclusão no canal rodoviário, faz-se necessário que esta espera — que nos demais casos ocorre dentro do recinto em forma de armazenagem — seja contemplada. A CNI publicou em 2022, em parceria com a Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), estudo com diagnóstico da fronteira de Uruguaiana, no qual as questões logísticas e de infraestrutura que dificultam as exportações foram evidenciadas. No documento é possível verificar que há diversos entraves relacionados à entrada e à saída dos veículos dos recintos alfandegados e como os mesmos impactam os tempos da exportação. Nesse sentido, ainda que deva admitir que o TRS exportação deu maior atenção ao canal rodoviário do que o TRS importação, na medida que buscou analisar uma amostragem maior de operações e ampliar as unidades contempladas — 15 para a exportação contra apenas 2 na importação —, é necessário enfatizar que a fotografia apresentada não traduz a realidade enfrentada nas exportações por via terrestre, que está longe de ser um modelo a ser seguido ou aclamado. O segundo ponto que merece atenção é a questão da automação. Isto porque, apesar dos significativos e relevantes esforços para a introdução da tecnologia no despacho de exportação, principalmente por meio da implementação do Portal Único de Comércio Exterior (PUComex) e do redesenho das operações por meio do Novo Processo de Exportação (NPE), o TRS deixa claro que ainda temos muitos desafios a serem enfrentados. Nesse sentido, ainda que timidamente, o relatório destaca que ainda existem etapas manuais que consomem tempo relevante, como o caso da distribuição das DU-Es selecionadas para os canais laranja e vermelho para análise fiscal. A atribuição de um auditor para a realização do exame documental e/ou físico das mercadorias ainda necessita de intervenção de um supervisor, que deve entrar no sistema e designar manualmente o encarregado para a tarefa. Ora, além de não desse funcionamento não fazer sentido se considerada a complexidade e a tecnologia de ponta do PUComex, é de se pontuar que a designação manual coloca em xeque o respeito aos princípios de transparência e impessoalidade que devem guiar todo o processo [3]. Além disso, o TRS ainda aponta a existência de diversas unidades terrestres que adotam procedimentos inadequados em relação a inversão de etapas para o desembaraço e manifestação de dados de embarque. No relatório, a situação é descrita como "crítica" e sugere-se a exclusão das mesmas como forma de demonstrar que, ao serem desconsideradas essas condutas, o tempo médio seria positivo. Ocorre que os problemas foram identificados em seis das 15 unidades de fronteira avaliadas, o que equivale a 40% das amostras. Portanto, nos parece que a conclusão mais adequada não é a de desconsiderar tais dados ou apenas realizar correções locais, mas de aumentar a automação do processo para evitar que as liberalidades de cada unidade possam intervir no correto desempenho do processo de exportação como um todo. Essa conclusão de reforça em razão de outra passagem do relatório, em que se constata a existência de divergências de entendimento e interpretação das normas de exportação, levando a exigências e tratamentos discrepantes entre as unidades da RFB. Para que tais situações sejam enfrentadas, além da automação, faz-se necessário aumentar os treinamentos e diretrizes internas. Ainda neste ponto, vale lembrar que no artigo 10 do Protocolo de Facilitação do Comércio ao Acordo de Comércio e Cooperação Econômica (Atec), firmado entre Brasil e Estados Unidos, foram previstas diversas ações para aumentar a transparência, a previsibilidade e a consistência nos procedimentos aduaneiros, dentre as quais, destacam-se treinamentos e emissão de guias conduzir os trabalhos dos oficiais. O terceiro ponto diz respeito ao impacto dos órgãos públicos na exportação, considerada pequena pelo relatório e mensurada em cerca de 3% do total. Precisamos, com a devida vênia, discordar do resultado. Por mais que o universo de bens sujeitos ao controle administrativo de outros órgãos seja reduzido — e bem inferior ao contexto da importação —, correspondendo a cerca de 27% das operações avaliadas, para a maior parte desses casos a atuação dos órgãos públicos traz efetivo impacto em termos de tempo de desembaraço. Conforme consta no próprio TRS, dos casos em que o processo de emissão de licenças, permissões, certificados e outros documentos por parte de autoridade administrativa (LPCOs) impacta no tempo de despacho, cerca de 96% se deve à pendência de deferimento. Neste contexto, o MAPA parece ser o órgão mais problemático, não só por ser aquele que possui maior número de situações de intervenção, mas pelo tempo despendido para liberação. A justificativa para a situação é descrita justamente pela falta de automação e utilização de forma mais estratégica da gestão de risco, o que novamente reforça o ponto que tratamos anteriormente, sobre a importância da tecnologia para o ganho de eficiência. Nesse sentido, verifica-se que, por mais que o NPE já esteja em vigor desde 2018, como o processo se utiliza de um PUComex que ainda não está plenamente implementado, subsistem gargalos e ineficiências a serem superados e que comprometem, em alguma medida, a noção de um processo realmente "novo", "integrado" e "eficiente". O quarto ponto diz respeito à promoção da cooperação e coordenação entre órgãos de fronteira. Trata-se de assunto já debatido nesta coluna em outras oportunidades, e que se refere à necessidade de uma maior integração e cooperação entre RFB e demais autoridades com a finalidade de promover um processo de despacho que seja verdadeiramente eficiente. Para tanto, reforça-se a necessidade de que haja uma melhor organização no que se refere às vistorias de carga pelas diversas autoridades envolvidas, com compartilhamento de equipamentos e, principalmente, dos resultados de modo a se evitar múltiplas intervenções e atrasos que poderiam ser evitados. Por fim, tem-se como um último tópico a necessidade de uma mudança de cultura dos envolvidos no processo, ou seja, tanto dos operadores, quanto das autoridades. No lado do setor privado, chamou a atenção a baixa adesão à chamada Licença Flex — também já tratada anteriormente —, que permite a utilização de uma mesma LPCO para múltiplas operações. Segundo relatos, verificou-se que, embora a maior parte das licenças de exportação sigam modelos que permitam o reaproveitamento para mais de uma exportação, a maior parte das empresas continuam solicitando novas LPCOs, mesmo possuindo licença vigente e com saldo passível de aproveitamento. A nosso ver, a situação narrada necessita de maiores aprofundamentos para compreensão das causas desse comportamento, mas, certamente, existem um componente comportamental que precisa ser trabalhado, de modo a incentivar os exportadores e seus prestadores de serviço a fazerem melhor uso das novas tecnologias e benefícios oferecidos. Do lado das autoridades, verifica-se que a mudança de cultura se faz necessário principalmente quando se trata dos órgãos anuentes, os quais ainda resistem à mudança/revisão de procedimentos para fins de simplificação, maior automação e integração ao PUComex e, principalmente, uso eficiente da gestão de risco. Essa resistência se traduz, por exemplo, nos dados trazidos no estudo quando trata do OEA. Isto porque, embora exista espaço para melhoria do Programa no que se refere às competências e benefícios da RFB, é fato que sua pouca atratividade e aderência se dá pela não concretização do OEA-Integrado, visto o não envolvimento das demais autoridades administrativas. Conforme ponderado, ainda que as intervenções da RFB nos despachos aduaneiros de empresas certificadas sejam reduzidas, observou-se que as seleções para canais laranja ou vermelho pelas autoridades de controle administrativo foi maior para OEAs do que não OEAs, na proporção de 16% e 11%. A partir dos pontos acima tratados, buscou-se trazer comentários e ponderações entendidas como necessárias para ampliar a discussão em torno do atual cenário das exportações brasileiras. Cabe reforçar que iniciativas como a publicação do TRS são essenciais à promoção da transparência, do diálogo público-privado e da melhoria dos processos administrativos. O documento recém-lançado, ainda que não consiga refletir de forma completa o cenário atual, é ferramenta relevante ao avanço dos trabalhos em torno da facilitação do comércio e, como tal, precisa ser amplamente divulgado e avaliado pela comunidade do comércio exterior. De nossa parte, buscamos agregar, à análise oficial, comentários e informações que julgamos relevantes, com vistas à iluminar questões muitas vezes marginalizadas do debate e que merecem ser devidamente conhecidas e endereçadas em prol do ganho de eficiência e da redução dos custos de transação. Esperamos que a iniciativa continue sendo fomentada e que o TRS seja publicado de forma periódica e reiterada, com vistas a permitir o devido acompanhamento dos temas e avanços realizados e garantir a disponibilidade de dados fieis e atualizados sobre o universo aduaneiro brasileiro. [1] RFB. Time Release Study – Exportações. Disponível em <https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/aduana-e-comercio-exterior/time-release-study-trs/trs-exportacao>. Acesso em 22 de out 2023. [2] O inciso 1º do artigo 7.6 do AFC estabelece que "os Membros são incentivados a calcular e publicar, periodicamente e de maneira uniforme, o tempo médio necessário para a liberação de bens, pelo uso de ferramentas como, dentre outros, o Estudo sobre o Tempo de Liberação da Organização Mundial de Aduanas (referida no presente acordo como o "OMA")". [3] A este respeito, cabe salientar que endereçamos a questão exatamente como é narrada no TRS, a despeito de que existirem informações de que a Aduana já possui recursos para realizar a distribuição de forma randômica e automatizada. A divergência posta traz um duplo questionamento, a qual cabe apenas à RFB responder: existe uma forma automatizada já disponível e que não é utilizada pela fiscalização? Ou se trata de um erro da equipe que elaborou o TRS?
2023-10-24T08:00-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-24/territorio-aduaneiro-eficiencia-exportacoes-comentarios-partir-trs
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Contas à Vista
Os sentidos de controle público e de controle social no Brasil
Controle é um instrumento tipicamente republicano. Quem assume incumbências públicas tem que prestar contas de seus atos ao povo, pois trabalha em função do povo. Para tanto, é necessário haver sistema de controle que verifique a adequação das condutas de conformidade com o prescrito pela Constituição e demais normas. E isso ocorre por meio do sistema de controle público e social estabelecido pela Constituição. A ideia de controle está associada à de poder, que possui diversas dimensões, dentre elas a política, a econômica, a religiosa, a moral e a técnica, envolvendo não apenas dominação, mas também influência. Controle é um termo amplo que abrange diversas funções, dentre outras, as atividades de auditoria, de fiscalização, de autorização, de sustação ou de impedimento à realização de atos que estejam sendo praticados. Cada um desses termos possui conotação própria. Auditar possui um escopo mais amplo do que fiscalizar, pois implica a comparação de procedimentos e o diálogo para correção de rotas. Fiscalizar implica a identificação de irregularidades e punição dos atos realizados. Eventuais incorreções identificadas pelo sistema de auditoria podem gerar relatórios de inconformidade e recomendações para a correção dos procedimentos, mas sem punições; já o sistema de fiscalização, quando identifica uma inconformidade, aplica penalidades. Outras funções inseridas na atividade de controle são as de autorização e as de sustação ou de impedimento da prática, ou para a prática de certos atos. Vê-se isso, por exemplo, nas atribuições do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que é um órgão de controle econômico, pois não só fiscaliza como também autoriza determinados procedimentos empresariais, como fusões e aquisições, caso identificadas algumas hipóteses específicas tendentes à dominação de mercados. A atividade de controle pressupõe publicidade e transparência, que são essenciais para a atividade governamental como um todo, o que permite afirmar sua essencialidade no âmbito de ações públicas que sejam efetivamente republicanas. O vocábulo publicidade diz respeito ao que é público, que está em consonância com o que é "do povo". Como o governo age em nome do povo, tudo que ele fizer deve ser tornado público, isto é, deve ter publicidade. Esse sentido do vocábulo publicidade tem correlação com a vulgarização de uma ideia ou informação, isto é, levá-la ao vulgo, torná-la vulgar. Existem três vocábulos que muitas vezes são confundidos no estudo desse tema: publicidade, publicação e propaganda. Cada qual possui um sentido diferente. Propaganda é a função de propagação de ideias visando ao convencimento das pessoas. Esta não se dirige apenas a divulgar, mas também a convencer e está mais voltada para o setor comercial, para as vendas, para colocar uma marca ou produto na preferência dos consumidores. Publicidade está voltada à divulgação e difusão de fatos, ideias e eventos, sem o necessário objetivo de convencer (próprio da propaganda), mas de informar. A linha de distinção é tênue, mas existe. O Reich alemão criou, em 1933, o "Ministério da Propaganda", que foi determinante para a disseminação e o convencimento daquela população acerca da ideologia nazista. Essa é a distinção que está na base da determinação constitucional de vedar o uso da publicidade para promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos (artifo 37, §1º), devendo ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, de atos, programas, obras, serviços e campanhas realizadas pelo poder público. Não se pode usar do governo para propaganda pessoal ou mesmo do próprio governo, mas para publicidade das ações e campanhas necessárias para informação da sociedade. Estão permitidas, por exemplo, as campanhas publicitárias de vacinação periódica contra doenças, ou divulgação de informações sobre prazos para pedidos de bolsas de estudo ou exames gerais na rede de ensino, como o Enem. Deverão ser vedadas todas aquelas que não tenham caráter publicitário, mas propagandístico do governo. Por outro lado, publicizar é mais amplo do que publicar. Publicar é apenas tornar público através de uma edição gráfica, ou virtual pela Internet, de um determinado ato de governo. Publicizar é difundir atos, fatos e ações de governo. É fornecer informação. Faz parte de uma iniciativa do agente público visando comunicar ao povo determinado ato ou procedimento. A publicidade é atinente a toda e qualquer ação pública. De que adiantaria a comunicação de uma campanha de vacinação apenas no diário oficial do Município? É necessário fazer com que a população a ser atingida por aquela determinada política pública efetivamente tome conhecimento das ações que estão sendo executadas pelo governo, em seu benefício. É preciso distinguir ainda publicidade de transparência. A transparência obriga que todo e qualquer documento ou ato público esteja acessível e seja inteligível a quem nele tiver interesse. Publicidade equivale a um megafone, pelo qual se difunde uma informação; transparência equivale a vitrine de uma loja – não faz a disseminação da informação ao público, mas permite às pessoas verem a tudo dentro dela. Enquanto a publicidade visa a difusão de informações, a transparência retira os véus que podem existir sobre a atividade pública. Existem atividades administrativas que não devem ser objeto de difusão de informações, no sentido do atingimento da população em geral, mas devem estar disponíveis a quem desejar obtê-las. A transparência é outro âmbito do princípio da publicidade. O principal fundamento está no artigo 5º, XXXIII, que obriga o poder público a prestar informações, corolário do princípio da publicidade. Essa norma constitucional, que veicula um instrumento para o acesso ao direito fundamental de liberdade de informação, permite que qualquer pessoa tenha acesso aos documentos e informações que estão na posse do setor público. Verifica-se que nem sempre o controle público é suficiente para controlar o próprio Estado. Em razão desses e de outros fatores, surge a necessidade do controle social, que, ao lado do controle público, visa subsidiá-lo e, muitas vezes, supri-lo, podendo mesmo funcionar contra ele. Por controle social deve-se entender o controle exercido diretamente por toda a sociedade, e não por meio do Estado. Uma dessas fórmulas se dá pela inserção de pessoas representativas da sociedade nos órgãos decisórios para que o povo esteja inserido nessas deliberações e no controle dos atos do Estado. Em diversos âmbitos foram determinados controles sociais pela Constituição, como pode ser visto: a) No artigo 204, II, quando possibilita a participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações referentes à seguridade social, em todos os níveis; b) No artigo 216-A, X, quando estabelece a democratização dos processos decisórios referentes às atividades culturais, com participação e controle social; c) No artigo 173, §1º, I, quando determina que a lei tratará do estatuto jurídico das empresas públicas e sociedades de economia mista e menciona que deverá ser abordada a forma de sua fiscalização pelo Estado e pela sociedade. Esses são alguns exemplos, que podem ser acrescidos de vários outros, espraiados pelo ordenamento jurídico. Nem sempre a inclusão de membros da sociedade civil funciona no sistema de controle, pois a atomização dessa participação acaba por acarretar o enfraquecimento de sua atuação para as finalidades perseguidas. É usual que haja também a captura desses indivíduos pelo aparato estatal, o que a regulamentação deve dar conta de evitar. O Decreto 8.243/2014 instituiu a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS), visando regular a participação social em diversos Conselhos, tendo gerado uma reação política inaudita no Brasil, havendo mesmo quem temesse pela sovietização do Brasil caso ele fosse implementado. Foi por tal motivo que, em 2019, esse Decreto foi revogado pelo Decreto 9.759, de 11/04/19, sem que nenhuma política de controle social tenha sido implementada em substituição. É chegada a hora de reavivar o controle social da atividade estatal em nossa república, a fim de que cumpra seu papel ao lado, e muitas vezes contra o controle público. Esse trabalho foi apresentado na 9ª edição do Encontro do Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud), realizado na Universidade de São Paulo, na cidade de São Paulo, nos dias 19 e 21 de outubro de 2023, referente ao Grupo de Trabalho sobre Transparência, Controladoria e Ouvidoria, sendo que parte dele compõe o livro Orçamento Republicano e Liberdade Igual — Ensaio sobre Direito Financeiro, República e Direitos Fundamentais no Brasil (Belo Horizonte: Editora Fórum, 2018), da lavra do primeiro autor deste texto.
2023-10-24T08:00-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-24/contas-vista-sentidos-controle-publico-controle-social-brasil
tributario
Medida emergencial
Supremo valida normas que condicionam incentivos fiscais no RJ
O Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, validou normas do estado do Rio de Janeiro que condicionam o aproveitamento de incentivos fiscais relativos ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) a depósitos em favor de fundos de equilíbrio fiscal. A decisão foi tomada no julgamento de ação direta de inconstitucionalidade (ADI) em sessão virtual. Na ação, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) questionou, inicialmente, a validade da Lei estadual 7.428/2016, que condicionava a concessão do incentivo fiscal ao depósito em favor do Fundo Estadual de Equilíbrio Fiscal (Feef) do equivalente a 10% sobre a diferença de valor entre o ICMS calculado com e sem o benefício. Posteriormente, o pedido passou a incluir a Lei estadual 8.645/2019, que revogou a norma anterior e criou o Fundo Orçamentário Temporário (FOT) em substituição ao Feef. Além das leis, foram questionados os decretos que as regulamentaram e o Convênio ICMS 42/2016. No julgamento, prevaleceu o entendimento do relator, ministro Luís Roberto Barroso, de que não houve a criação de um tributo, como alegou a CNI, mas a redução parcial de 10% de benefícios fiscais de que o contribuinte já usufruía, o que resulta apenas na elevação do ICMS devido nesses casos. O presidente do STF explicou que a redução dos benefícios foi uma medida emergencial e temporária decorrente da crise pela qual o estado passava, para a formação de um fundo voltado ao equilíbrio fiscal. Ele observou, contudo, que deve ser afastada qualquer interpretação que vincule as receitas destinadas aos fundos a um programa governamental específico. De acordo com o artigo 167 da Constituição da República, os recursos que compõem esses fundos devem ter destinação genérica, ou seja, podem atender a quaisquer demandas. Os ministros André Mendonça, Cristiano Zanin e Edson Fachin ficaram vencidos. Para Mendonça, as leis concederam e prorrogaram indevidamente benefícios fiscais de ICMS, violando a competência da União. Com informações da assessoria de imprensa do STF. ADI 5.635
2023-10-24T07:51-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-24/supremo-valida-normas-condicionam-incentivos-fiscais-rj
tributario
Opinião
Antonio Maués: Mudanças e continuidades no novo marco fiscal
Após vários meses de negociações no Congresso, o novo marco fiscal proposto pelo governo Lula foi instituído pela Lei Complementar nº 200, de 30 de agosto de 2023. Sob o nome pomposo de "regime fiscal sustentável para garantir a estabilidade macroeconômica do país e criar as condições adequadas ao crescimento socioeconômico", a nova legislação não esconde as dificuldades que o governo enfrentará para assegurar os objetivos de sua política econômica, sobretudo em um contexto internacional caracterizado pela insegurança. Essas dificuldades, porém, marcam a própria vigência da Constituição de 1988, cujas normas sobre política fiscal foram constantemente modificadas e ampliadas por meio de dezenas de emendas constitucionais, incluindo aquelas que estabeleceram vinculações orçamentárias dos gastos sociais. Além de refletir a constitucionalização dos conflitos distributivos da sociedade brasileira, a trajetória das normas constitucionais sobre tributação e orçamento evidencia a instabilidade dos acordos políticos sobre essas matérias. Após o fracasso do teto dos gastos aprovado no governo Temer pela Emenda Constitucional nº 95/16, o novo marco fiscal representa mais uma tentativa de definir os limites do gasto público e o espaço de atuação do Estado na economia. No que se refere às políticas sociais, essas normas também definem de que modo o poder público poderá agir para promover a redistribuição da renda e da riqueza do país, questão que é central para o fortalecimento da democracia. Sob esse aspecto, enquanto a EC nº 95/16 previa que as despesas públicas seriam corrigidas apenas pela inflação, diminuindo a proporção do gasto público em relação ao PIB, a LC nº 200/23 permite o aumento dessas despesas, que poderão variar entre 0,6% e 2,5% acima da inflação. Outra inovação do novo marco fiscal diz respeito ao instrumento jurídico adotado para sua implementação. Desde a criação do Fundo Social de Emergência, pela Emenda Constitucional de Revisão nº 1/94, várias outras emendas constitucionais tiveram como objetivo promover o ajuste fiscal por meio da contenção dos gastos públicos. Assim, o Fundo de Estabilização Fiscal foi criado e prorrogado pelas Emendas Constitucionais nº 10/96 e 17/97, e a Desvinculação das Receitas da União foi objeto das Emendas Constitucionais nº 27/00, 42/03, 56/07, 68/11, 93/16 e 126/22, tendo sido mantida por todos os governos desde sua criação. Conforme o disposto no artigo 9º da EC nº 126/22, a entrada em vigor do novo marco fiscal revogou o teto dos gastos e permitiu que a matéria fosse regulada em lei complementar. Tal mudança facilita a obtenção de maioria parlamentar para revisão das medidas de ajuste, além de conferir ao presidente da República a prerrogativa do veto, diminuindo o poder dos partidos de direita na atual composição do Congresso. Com efeito, o presidente Lula vetou as disposições do projeto de lei que reduziam os gastos com investimento e proibiam a exclusão de despesas primárias na apuração da meta de resultado fiscal. Além de dotar o governo de maior liberdade para gerir os gastos públicos, o novo marco fiscal preservou a hierarquia constitucional das vinculações orçamentárias dos gastos sociais, o que as protege de modificações por lei complementar. Embora haja notícias de que setores do governo pretendem rever o cálculo dos pisos constitucionais da saúde e da educação, eventuais mudanças terão que obter maiorias qualificadas no Congresso Nacional para serem aprovadas. Na área da educação, vale lembrar que o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) foi excluído do cálculo do limite de despesas que deverá ser respeitado pela União. Sem embargo, cabe examinar em que medida a nova legislação preserva os gastos sociais. O regime instituído pela LC nº 200/23 objetiva gerar superávits primários, previstos para 0,5% do PIB em 2025 e 1,0% do PIB em 2026. Embora bastante inferiores às metas fiscais estabelecidas nos governos petistas anteriores, a adoção dessas regras significa que os gastos sociais podem não aumentar de modo suficiente para atender às demandas da população, mantendo-se em seus patamares mínimos. Embora o novo marco fiscal traga melhorias em relação ao regime anterior, ele também indica que a ordem constitucional de 1988 continuará operando como uma Constituição "antipobreza" que não evolui para se tornar uma Constituição redistributiva. De acordo com a análise que desenvolvemos em nosso livro "O Desenho Constitucional da Desigualdade" (Tirant lo Blanch, 2023), o primeiro tipo de Constituição adota políticas que diminuem a pobreza, especialmente em sua forma extrema, mas a insuficiência dos recursos destinados aos direitos sociais e o caráter regressivo do sistema tributário impedem que haja uma redução estrutural das desigualdades de renda e riqueza da sociedade. Por sua vez, a Constituição redistributiva combina políticas sociais universais com financiamento baseado em tributação progressiva. A Constituição de 1988 possibilitou que o gasto social no Brasil alcançasse 17% do PIB e melhorasse as condições de vida da população de baixa renda, porém, a universalização dos direitos sociais ainda requer aumento significativo dos recursos públicos destinados a eles. Além disso, o impacto redistributivo do gasto social no Brasil é limitado pelo perfil regressivo do sistema tributário, que faz com que os mais pobres paguem proporcionalmente mais tributos do que os mais ricos. Cabe observar que, na proposta de reforma tributária em discussão no Congresso, a mudança do caráter regressivo do sistema não aparece como tema prioritário. Assim, podemos prever que o novo marco fiscal permitirá manter o patamar dos gastos sociais já alcançado no país, sem modificar os limites que o ajuste fiscal e o sistema tributário impõem a seu caráter redistributivo. As mudanças positivas em relação ao regime criado pela EC nº 95/16 não invalidam a conclusão de que os conflitos distributivos da sociedade brasileira continuarão se manifestando de modo acentuado e exigindo soluções estruturais.
2023-10-24T06:01-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-24/antonio-maues-mudancas-continuidades-marco-fiscal
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Mudança de posição
Ministra propõe derrubar limite para contribuições ao Sistema S
A edição do Decreto-Lei 2.318/1986 afastou o teto de 20 salários mínimos para a base de cálculo não apenas das contribuições previdenciárias, mas também das contribuições parafiscais voltadas ao custeio do Sistema S. Essa conclusão foi apresentada nesta quarta-feira (25/10) pela ministra Regina Helena Costa, relatora de recursos julgados sob o rito dos repetitivos pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça. Apenas ela votou. O resultado foi adiado por pedido de vista do ministro Mauro Campbell Marques. A posição da ministra representa uma mudança de jurisprudência da corte sobre o tema. O STJ tem apenas dois precedentes sobre o assunto: um de 2008, que embasou decisões monocráticas ao longo da década seguinte, e outro de fevereiro de 2020. Em ambos, o tribunal acolheu a tese das empresas contribuintes. O que está em julgamento? O caso trata da imposição de contribuições compulsórias aos empregadores. A evolução legislativa ajuda a explicar o problema. A contribuição previdenciária foi criada pela Lei 6.332/1976 e teve a base de cálculo limitada posteriormente, pela Lei 6.950/1981. Essa limitação foi feita no caput (cabeça) do artigo 4º da lei, que restringiu o salário de contribuição (base de cálculo) ao valor correspondente a 20 vezes o maior salário mínimo vigente no país. Já o parágrafo único acrescentou que o mesmo limite se refere às contribuições parafiscais arrecadadas por conta de terceiros. Elas se destinam às instituições do Sistema S — Sesc, Sebrae, Sesi, Senai e outras. Mais tarde, o Decreto-Lei 2.318/1986, ao tratar especificamente das contribuições previdenciárias, revogou o teto de 20 salários mímimos para a base de cálculo. Restou, então, a seguinte dúvida: o parágrafo 1º, que estendia o teto dos 20 salários mínimos às contribuições parafiscais, pode subsistir se a cabeça do artigo foi revogada? Para a Fazenda, não. Isso permitiria aumentar a base de cálculo das contribuições. Para os contribuintes, sim. Novo caminho Até o momento, todas as decisões do STJ deram razão ao contribuinte. A ministra Regina Helena Costa propôs uma mudança por entender que seria de lógica duvidosa manter o parágrafo único do artigo 4º da Lei 6.950/1981. Para ela, a norma tem aspecto de acessório em relação à cabeça do artigo. "Não é legitimo ter por revogado o dispositivo para uma finalidade e não para outra, considerando suas vinculações e, sobretudo, porque ambos se ancoram na regra matriz do caput: o limitador dos 20 salários mínimos", explicou ela em longo voto lido nesta quarta-feira. Em sua análise, sob a ótica da evolução das normas, a finalidade do Decreto-Lei 2.318/1986 foi extinguir o teto de 20 salários mínimos para ambas as contribuições, para as quais se buscou uma equivalência. Assim, a ministra propôs duas teses: "A norma contida no parágrafo único do artigo 4 da Lei 6.950/1981 limitava o recolhimento das contribuições parafiscais cuja base de cálculo fosse o salário de contribuição"; "Os artigos 1º e 3º do Decreto-Lei 2.318/1986, ao revogarem o caput e o parágrafo único do artigo 4º da Lei 6.950/1981, extinguiram, independentemente da base de cálculo eleita, o limite máximo para o recolhimento das contribuições previdenciárias e parafiscais devidas ao Senai, Sesi, Sesc e Senac". Modulação A relatora ainda propôs a modulação dos efeitos da tese — ou seja, a limitação temporal de sua aplicação. Isso para evitar que as empresas beneficiadas pela posição anteriormente admitida pelo STJ sejam surpreendidas e prejudicadas pela nova orientação. A proposta é modular os efeitos para as empresas que ingressaram com ação ou pedido administrativo relativo ao tema até a data do início do julgamento, obtendo pronunciamento judicial ou administrativo favorável, restringindo-se a limitação da base de cálculo até a publicação do acórdão. Impacto O julgamento do caso contou com 11 advogados inscritos e nove sustentações orais. Para além de questões sobre técnica legislativa e jurídica, as manifestações buscaram apontar o enorme impacto que a tese terá não apenas no Sistema S, mas também na sociedade como um todo. O colunista da revista eletrônica Consultor Jurídico Fernando Facury Scaff, que defendeu a Cigel Distribuidora de Cosméticos, uma das empresas que recorreram ao STJ, sustentou que o custeio do Sistema S é importante, mas que retirar a limitação à base de cálculo não vai levá-lo à falência. Ele acrescentou que o impacto para as empresas é calculado em 6% da folha de pagamento. "O Sistema S é importante, mas ele tem como se financiar de outras formas. Aumentar a empregabilidade é importantíssima. E fazer isso desonerando a folha de forma amparada também deve ser considerado." Ricardo Oliveira Godoi, da Confederação Nacional de Serviços (CSN), definiu a mudança de precedente como uma catástrofe para as empresas que não provisionaram valores com esse fim. "Se o problema é a revogação do teto, isso pode ser feito pelo presidente, por meio de medida provisória, ou pelo Congresso, por meio de lei." Bruno Mirat do Pillar, que falou por Senac e Sesc, afirmou que o custeio dessas entidades escapa de 98% das empresas, que são isentas por se sujeitarem ao regime do Simples. Apenas os grandes conglomerados sustentam essa rede de proteção social criada em 1946, segundo ele, que acrescentou que a tese do contribuinte cortaria 90% das receitas auferidas pelas entidades. O procurador da Fazenda Leonardo Quintas Furtado chamou a atenção para o fato de que a tese da não revogação do teto de 20 salários mínimos para as contribuições parafiscais acabou ressuscitada de maneira indevida muitos anos após a lei de 1986. E apontou que o precedente do STJ de 2020 levou ao ajuizamento de mais de 25 mil ações. Esse alcance foi realçado em outras manifestações. Marcus Vinicius Furtado Coêlho, que representou o Senai, ressaltou que o objetivo do legislador foi suprimir o limite de 20 salários mínimos. "Manter esse teto seria tratar igualmente os desiguais. As grandes empresas pagariam a mesma contribuição que as demais." José Eduardo Cardozo, que defendeu o Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Senat) e o Serviço Social do Transporte (Sest), disse que a posição defendida pelo contribuinte geraria situação perversa. "Um Robin Hood às avessas, em que os pobres pagam mais e os ricos, menos. E a sociedade será atingida por não ter acesso aos serviços do Sistema S." E Roque Antônio Carrazza, pelo Sebrae, afirmou que manter o teto dos 20 salários mínimos afrontaria os princípios da igualdade, da capacidade contributiva e proporcionalidade. "Não é jurídico que microempresas e as de pequeno porte recolham as mesmas contribuições ao Sistema S do que grandes empresas." REsp 1.898.532 REsp 1.905.870
2023-10-25T21:16-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-25/ministra-propoe-derrubar-limite-contribuicoes-sistema
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Opinião
Maria Lúcia Barreiros: Reforma tributária e holding familiar
Após encarar a morte sem paraquedas no contexto pandêmico, a sociedade passou a compreender, com mais ênfase e desprendida de tabus, a necessidade de um planejamento sucessório em vida, a fim de poupar herdeiros — e patrimônio — de litígios demorados, dolorosos e custosos. A título de exemplo, tem-se que o número de testamentos registrados em cartórios de notas aumentou 41,7% no primeiro semestre de 2021, conforme dados Colégio Notarial do Brasil (CNB) [1]. Ainda, neste contexto, a criação de holdings familiares entrou em evidência como um dos caminhos para planificar a transmissão do patrimônio, assegurando a continuidade e a perpetuação das atividades exercidas no contexto familiar, reduzindo, ainda, a litiogisidade e a carga tributária. Claro que cada caso é um caso e nem sempre a constituição de pessoas jurídicas será a modalidade de planejamento sucessório mais vantajosa, afinal, o jurista consultor pode propor a utilização de uma ou mais ferramentas em conjunto, a fim de proporcionar os melhores benefícios aos clientes, a depender do objetivo da família e do patrimônio envolvido. Nada obstante, dentre as inúmeras vantagens proporcionadas pela criação das holdings — que nada mais são que empresas cujas quotas representam o patrimônio da família —está a possibilidade de se eleger livremente o Tabelionato de Notas de processamento do inventário extrajudicial, visando a aplicabilidade do menor Imposto de Transmissão Causa Mortis (já que cada Estado possui seu regramento próprio). Isto é o que admite de forma indireta a atual redação do artigo 155, §1º, inciso II da Constituição: "Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: § 1º. O imposto previsto no inciso I: II - relativamente a bens móveis, títulos e créditos, compete ao Estado onde se processar o inventário ou arrolamento, ou tiver domicílio o doador, ou ao Distrito Federal;" Ocorre que a reforma tributária (PEC nº 45/2019), atendendo aos conclames fazendários, pretende alterar tal dispositivo, estabelecendo que, em relação aos bens móveis, títulos e créditos, o Estado competente para cobrança do imposto será aquele "onde era domiciliado o de cujus" – em consonância com o regime de competência já fixado para os inventários judiciais (artigo 1.785, do Código Civil c/ 48 do CPC). Eis o teor da alteração pretendida: "Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: § 1º. O imposto previsto no inciso I: II - relativamente a bens móveis, títulos e créditos, compete ao Estado onde era domiciliado o de cujus, ou tiver domicílio o doador, ou ao Distrito Federal;" Nesse contexto, uma vez que o regramento aplicável para fins de incidência do ITCMD deve ser aquele que incide na data do falecimento (abertura da sucessão) — como já restou pacificado na Súmula nº 112 do Supremo Tribunal Federal [2], tem-se, a princípio, que aos detentores de quotas sociais que falecerem após a publicação da emenda constitucional não será possível "escolher o local de processamento do inventário" para fins de planejamento tributário. Por evidente, a aplicabilidade imediata da Emenda Constitucional (cuja proposta ainda está em análise pelas Casas Legislativas), poderá ser discutida perante o Poder Judiciário, principalmente em relação às holdings familiares constituídas anteriormente à alteração – em homenagem ao direito adquirido, também constitucionalmente preservado. Contudo, trata-se de tema de ingente relevância que deve ser acompanhado de perto pelos profissionais do Direito, uma vez que este não é estático frente as mudanças sociais.   [1] Disponível em: https://cnbsp.org.br/2021/07/05/g1-por-causa-da-pandemia-procura-por-testamentos-aumenta-417-em-um-ano-no-pais-sp-lidera-ranking-nacional/ [2] SÚMULA 112, STF: "O imposto de transmissão causa mortis é devido pela alíquota vigente ao tempo da abertura da sucessão."
2023-10-25T13:22-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-25/maria-lucia-barreiros-reforma-tributaria-holding-familiar
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Opinião
Bouza e Costa: Teto das contribuições parafiscais
Nesta quarta-feira (25), em caráter repetitivo, será julgado qual a base de cálculo que deve prevalecer para o recolhimento da contribuição paga pelas empresas com o fim de financiar a execução de políticas públicas pelo Sistema S, do qual faz parte o Sebrae e outros serviços sociais autônomos. Os ministros da 1ª Seção do STJ (Superior Tribunal de Justiça) vão decidir se a base de cálculo do recolhimento dessas contribuições deve ou não ser fixado em 20 salários mínimos, contra os 0,3% sobre a folha de pagamentos praticados atualmente. O impasse, na prática, opõe interesses de grandes corporações de um lado e, do outro, a sobrevivência de uma complexa rede de atendimento a brasileiros capitaneada hoje por essas entidades, da qual fazem parte políticas de incentivo ao empreendedorismo, qualificação profissional, serviços de assistência social, bem estar, inovação e inclusão. O pleito das empresas também não encontra lastro em nosso ordenamento. Basta observar a linha do tempo da construção do tema na lei. Em 4 de novembro de 1981, foi publicada a Lei 6.950/1981, que, em seu artigo 4°, fixou limite máximo do salário contribuição ao valor correspondente a 20 vezes o maior salário mínimo vigente no país. Segundo o parágrafo único do mesmo artigo, este limite também deveria ser aplicado às contribuições arrecadadas por conta de terceiros. O posterior Decreto-Lei 2.318, de 30 de dezembro de 1986, em seu artigo 3°, determinou que o salário de contribuição não estaria mais sujeito ao limite de 20 vezes o salário mínimo, imposto pelo artigo 4° da Lei 6.950/81. E, em seu artigo 1°, inciso I, determinou que estaria mantida a cobrança das contribuições para o Senai, Senac, Sesi e Sesc, estando revogado o teto limite a que se referiam os artigos 1° e 2° do Decreto-Lei 1.861/1981. O caso do Sebrae, ainda, guarda outras particularidades, vamos a elas: a Lei 8.029/1990, que transformou a entidade em serviço social autônomo, é específica e posterior ao artigo 4º da Lei 6.950/1981. A norma estabelece como base de cálculo o total da remuneração paga pela empresa aos empregados sem qualquer delimitação. Impõe-se, desta forma, a interpretação de que não existe mais o suposto benefício fiscal (limite teto contributivo). Ou seja, mesmo não tendo havido indicação expressa da revogação do limite teto contributivo das contribuições às entidades terceiras, a lei nova regulou inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior, o que, também por esse modo, confirma ter havido a revogação (lex posterior derogat legi priori). O tema não é inédito em cortes superiores. Ao julgar o Tema 325 da Repercussão Geral (RE 603.624/SC), em 2020, o STF decidiu que a EC 33/2001 não limitou as bases passíveis de tributação por contribuições sociais. Prevaleceu o entendimento de que a folha de salários pode ser utilizada como base para o cálculo dos pagamentos ao Sebrae. E há outros contornos sociais importantes a serem levados ao tribunal. Ser favorável à tese de limitação implica em violar o princípio constitucional da capacidade contributiva, conceito balizador de políticas fiscais justas e inclusivas e, em grande parte, motivo pelo qual se discute hoje o redesenho do sistema tributário brasileiro no Congresso Nacional. Em relação às micro e pequenas empresas, destaca-se também a inobservância dos artigos 170 e 179 da Constituição ao não lhes estabelecer tratamento favorecido. Assim, ao prevalecer a tese do limite teto, empresas com 20 ou 20 mil empregados terão de contribuir com o mesmo valor. Há que se considerar, ainda, os impactos sociais do corte orçamentário nos programas mantidos pelas entidades. Estamos prontos para lidar com as lacunas em áreas que são atualmente atendidas pelo sistema? A realidade que se impõe é que subtrair cerca de 90% da verba destinada ao Sistema S inviabilizará a continuidade da maior parte desses programas, o que implicaria em sobrecarga de demandas sociais sobre o governo federal, já constrangido pela meta fiscal dos próximos anos. Em 2023, o Sebrae já alcança mais de 17 milhões de atendimentos e já foram quase quatro milhões de horas de consultoria. Caso os contribuintes saiam vitoriosos, o Sebrae perderá aproximadamente 90% do seu orçamento e correrá o risco de ser extinto, deixando uma parcela significativa de geradores de emprego e renda desassistidos. O limite contributivo, portanto, beneficiará grandes empresas ao custo da sobrevivência das pequenas. Espera-se que a Corte Superior leve em consideração, além de todos os argumentos jurídicos, que julgar contra legem, neste caso, prejudicará as atividades essenciais dos serviços sociais autônomos, ameaçando sua existência e comprometendo seu papel no fortalecimento do empreendedorismo e no desenvolvimento econômico do país.
2023-10-25T12:24-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-25/bouza-costa-teto-contribuicoes-parafiscais
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Os fins e os meios
MP pode usar ACP para pedidos com consequências tributárias, diz STJ
O Ministério Público é parte legítima para ajuizar ação civil pública com o objetivo de contestar atos lesivos ao patrimônio público, ainda que as consequências almejadas com o pedido sejam tributárias, como a anulação da concessão de benefícios fiscais. Essa conclusão é da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que nesta terça-feira (24/10) deu provimento a um recurso especial ajuizado pelo Ministério Público Federal, autorizando-o a litigar contra a Fundação CSN Para o Desenvolvimento Social e a Construção da Cidadania. A instituição é o braço social da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e foi agraciada com a Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social (Cebas), concedida pelo governo federal para organizações sem fins lucrativos que prestam serviços assistenciais. Com o Cebas, a Fundação CSN garantiu uma série de benefícios, sendo o principal deles a imunidade de contribuição para a seguridade social. A entidade não paga PIS, Cofins, contribuição previdenciária patronal ou Risco Ambiental do Trabalho (RAT). O Ministério Público Federal ajuizou ação contra a Fundação CSN por entender que ela não faz jus à isenção fiscal, já que não se enquadra como instituição de assistência social ou de educação. A ação civil pública contém o pedido de pagamento das contribuições e dos impostos correlatos. Para esse fim, pediu a anulação do ato administrativo concessivo do Cebas. As instâncias ordinárias extinguiram o processo sem resolução do mérito porque, conforme a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985), a ACP não pode ser usada para veicular pretensões que envolvam tributos. Essa posição foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 645 da repercussão geral. E a 1ª Seção do STJ já vetou tentativa de relativização da vedação, em casos em que a ACP é usada para discutir temas tributários com o objetivo de concretizar direitos fundamentais. Por maioria apertada de 3 votos a 2, o STJ reformou o acórdão e autorizou o MPF a litigar pela anulação da concessão do Cebas. Venceu o voto divergente da ministra Regina Helena Costa, acompanhada dos ministros Sérgio Kukina e Paulo Sérgio Domingues. Foco é o ato administrativo Para a ministra, o pedido principal é o de anulação do Cebas. A causa tributária é dependente da higidez do ato de concessão do certificado. Assim, a invalidação da concessão é o que se busca primordialmente, sendo o tema tributário um desdobramento. "Se negarmos (essa possibilidade), estaremos inibindo o Ministério Público de questionar um ato administrativo que tem, dentre outras consequências, reflexos tributários. A discussão não é só a imunidade tributária. Aqui, o Cebas não poderia ter sido concedido", destacou a ministra. O ponto foi igualmente destacado pelo ministro Kukina. Já o ministro Paulo Domingues destacou que a vedação ao uso da ação civil pública para temas tributários deriva do cenário da década de 1990, em que ela era usada para discutir a constitucionalidade de determinados tributos então criados. "É possível identificar a presença do pedido de anulação do Cebas, com a consequência da perda dessa isenção da imunidade para seguridade social", concluiu ele ao desempatar a votação a favor da divergência. Pedido tributário Ficaram vencidos os ministros Benedito Gonçalves, relator da matéria, que votou por manter a conclusão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), e Gurgel de Faria, que nesta terça-feira retomou o julgamento com a apresentação do voto-vista. Para eles, o pedido é de índole tributária, sendo a anulação do Cebas apenas o meio para obter o fim buscado: a declaração de que a Fundação CSN deve pagar as contribuições sociais. "Sendo o pedido de ordem tributária, não verifico possibilidade de o Ministério Público ser parte legítima", disse Gurgel de Faria. REsp 2.033.159
2023-10-25T08:49-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-25/mp-usar-acp-pedidos-consequencias-tributarias-stj
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Consultor Tributário
A manifestação da AGU sobre o regime diferenciado de precatórios
A Advocacia Geral da União manifestou-se no último dia 25 de setembro, nos autos das ADIs 7.047 e 7.064, pela inconstitucionalidade das Emendas Constitucionais 113 e 114, ambas de 2021, que instituíram (mais um) regime diferenciado para o pagamento de precatórios. Elogiável sob todos os aspectos, na forma e no conteúdo, a manifestação revela a nova fase pela qual parece passar a AGU. Defende-se a administração, mas com amparo no ordenamento jurídico e na ideia de Estado de Direito, em vez de se ficar forçando a criatividade para justificar o injustificável e atender aos interesses do governo de plantão. Já havia escrito, aqui na ConJur, a respeito da invalidade de tais emendas, quando ainda se achavam em tramitação no Congresso (clique aqui). Representam clara violação a diversos princípios constitucionais, em especial ao Estado de Direito, porquanto não é lícito ao Poder Público, em tese submetido às leis e às decisões judiciais que as aplicam, definir se, como, quando e em que termos cumprirá uma decisão judicial. Do contrário, voltar-se-á ao tempo das Ordenações Filipinas, em que "nenhuma lei, pelo rei feita, o obriga, senão enquanto ele, fundado na razão e igualdade, quiser a ela submeter o seu poder real" (Livro 2, Título 35, § 21). Em um Estado de Direito, que preza pela separação de poderes e pela reserva de jurisdição, pagamentos de condenações judiciais não podem ser vistos como despesas discricionárias, que o governante escolhe honrar ou não, a depender de suas conveniências e das necessidades de se realizarem outros gastos. Na referida manifestação que apresentou nas ADIs, a AGU, além de não seguir o costume de simplesmente defender, com qualquer argumento, a validade das disposições impugnadas, reconhecendo ao revés sua invalidade, o fez ressaltando que o Supremo Tribunal Federal já apreciou o tema, quando afirmou a inconstitucionalidade das Emendas Constitucionais 30/2001 e 62/2009. E isso é verdade. Leitura dos fundamentos empregados no julgamento das ADIs 2.356 e 4.425, respectivamente, indica que eles se aplicam, como uma mão à luva, às EC 113 e 114, como bem apontado pela AGU. Esse, aliás, deve ser um motivo para que a corte, ao julgar procedentes as ADIs 7.047 e 7.064, não module os efeitos de sua decisão. Um dos pressupostos para que se possam limitar temporalmente os efeitos de uma declaração de inconstitucionalidade é a boa fé do órgão emissor do ato inconstitucional, que não tinha, à época da edição do ato, como saber que ele seria declarado inválido. No caso presente, o aviso foi dado antes mesmo de o Congresso votar as PECs que deram origem às EC 113 e 114, não à toa apelidadas de "PECs do calote". O Supremo Tribunal Federal já afirmou, no mínimo duas vezes, que não se podem editar emendas constitucionais limitando, restringindo ou embaraçando o pagamento de precatórios, pois, quando fez isso, o poder público "violou o direito adquirido do beneficiário do precatório, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Atentou ainda contra a independência do Poder Judiciário, cuja autoridade é insuscetível de ser negada, máxime no concernente ao exercício do poder de julgar os litígios que lhe são submetidos e fazer cumpridas as suas decisões, inclusive contra a Fazenda Pública, na forma prevista na Constituição e na lei. Pelo que a alteração constitucional pretendida encontra óbice nos incisos III e IV do § 4o do artigo 60 da Constituição, pois afronta 'a separação dos Poderes' e 'os direitos e garantias individuais'" (ADI 2356). A situação, agora, é rigorosamente a mesma. Há, contudo, um dado adicional, ainda mais grave, e muito bem percebido e pontuado na manifestação da AGU: o represamento da dívida, que pode torná-la incontrolável. As EC 113 e 114 instituem um teto, um limite para o pagamento anual de precatórios. Os valores que ultrapassam esse limite não são pagos, sendo transferidos para adimplemento no exercício seguinte. A sistemática funciona como uma bomba relógio, e em vez de pelo menos tentar equacionar o problema dos precatórios, cria condições para agravá-lo até que se torne insolúvel. A cada ano de aplicação do regime, além dos precatórios que normalmente seriam pagos naquele exercício, herdam-se os que não foram pagos nos anos anteriores por força do teto. E assim sucessivamente. Ao reconhecer a invalidade e procurar afastar o teto, para que com isso se possa desde logo saldar a dívida pública representada pelas condenações judiciais, o poder público dá um importante passo e exemplo no sentido da responsabilidade para com a sociedade, as contas públicas e o Estado de Direito. Uma preocupação, inclusive, para com as gestões futuras, elogiável sob todos os aspectos. Há algumas coisas que, conquanto óbvias, precisam ser lembradas. Uma delas é a de que o precatório decorre de uma condenação judicial com trânsito em julgado. Isso significa que o Poder Judiciário, a quem a Constituição deu competência para afirmar e aplicar o Direito, reconheceu que o Estado cometeu uma ilegalidade e em virtude dela precisa reparar aquele que a sofreu. Diante deste cenário, leitora, evidencia-se a melhor forma de reduzir o saldo de precatórios, no médio e no longo prazo: basta que o Estado não leve adiante cobranças que sabe ilegais, ou inconstitucionais, confiando-se de que nem todos as discutirão, e de que os poucos que o fizerem só terão êxito depois de muito tempo, quando outro já for o governante. Basta que não insista para mudar a legislação do processo administrativo para reverter julgamentos que lhes são desfavoráveis (mas que são convergentes com o entendimento do Judiciário), cercear o direito de produzir provas, e inverter a lógica do que se deve fazer no caso de dúvida. O Direito é um sistema, e tudo está conectado. Caso se seja complacente com um Estado que: (1) conscientemente comete ilegalidades; (2) faz com que o cidadão precise ir à Justiça; (3) depois, perdendo, insurge-se contra o pagamento da sucumbência e constrói retórica de que o precatório é um meteoro indesejável, ter-se-á a fórmula perfeita para indiretamente se abolir o Estado de Direito e tudo o que se construiu ao longo de séculos de aperfeiçoamento das instituições jurídicas. Em uma frase curta: para reduzir o estoque de precatórios, basta que o Estado cumpra a lei — e os precedentes judiciais — desde o início.
2023-10-25T08:00-0300
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Direto do Carf
Carf desconhece seu papel em um modelo de stare decisis
Em sessão realizada no dia 19/9/2023, a CSRF da 3ª Seção decidiu pela incidência de PIS/Cofins para as cooperativas de crédito em contraposição a entendimento vinculante do STJ (Tema 363), ao fundamento que a questão teria sido afetada pelo STF (Tema 536) e que o próprio STJ estaria sobrestando casos análogos em trâmite naquela tribunal, o que afastaria a imposição trazida pela regra do artigo 62, § 1º, inciso II, alínea "b" do Ricarf [1], que vincula o Tribunal Administrativo à precedentes judiciais definitivos, veiculados sob o rito da repetitividade. De fora muito sumária, por ser de pouca valia para o raciocínio que será desenvolvido adiante, a questão de fundo diz respeito a incidência ou não de PIS e Cofins sobre as receitas de cooperativas de créditos. Em sede de julgamento de recursos repetitivos (REsp nº 1.164.716 e nº 1.141.667) o STJ havia consolidado o entendimento no sentido de que não incide a contribuição destinada ao PIS/Cofins sobre os atos cooperativos típicos realizados pelas cooperativas. Trata-se, portanto, de precedente vinculante, nos exatos termos do artigo 927, inciso III do CPC [2]. Acontece que, após a consolidação da sobredita decisão, o STF resolveu, sob a perspectiva constitucional, submeter a questão à repercussão geral, o que está retratado no RE nº 672.215, oportunidade em que o Tribunal definirá se há ou não incidência de PIS, Cofins e CSLL sobre o produto de ato cooperado ou cooperativo em face dos conceitos constitucionais relativos ao cooperativismo, mais precisamente no caso das expressões constitucionais: "ato cooperativo", "receita da atividade cooperativa" e "cooperado". Após a afetação do sobredito recurso extraordinário à condição de leading case por parte do STF, o próprio STJ passou a sobrestar casos análogos em trâmite naquele tribunal, aguardando o desfecho dessa discussão na Corte Constitucional. Essas breves considerações são feitas aqui apenas para situar a discussão, uma vez que o objetivo do presente texto é outro: o de analisar a validade ou não de o Carf seguir com o julgamento dos seus processos para a questão de fundo em oposição ao precedente vinculante do STJ [3]. Foi o que aconteceu no âmbito do processo nº 13826.000171/2005-90, de relatoria da conselheira Semíramis Duro, cujo acórdão encontra-se pendente de publicação. Acompanhando o julgamento do caso, o que se viu foi a posição da relatora no sentido de negar provimento ao recurso especial da Fazenda por aplicar o precedente vinculante do STJ. Tal posição, todavia, foi contraposta pelo conselheiro Rosaldo Trevisan, que deu provimento ao recurso fazendário em oposição ao referido precedente ao fundamento que se o próprio STJ está sobrestando casos que tramitam naquela corte é sinal de que o precedente do STJ teria perdido o status de vinculante e, por conseguinte, o Carf não estaria mais obrigado a segui-lo. Essa posição foi seguida pela maioria dos julgadores, resultando em um placar de 5x3 pelo provimento do recurso especial fazendário. Antes, todavia, de analisar o que fora decidido pela CSRF, mister se faz dar um passo atrás para repisar quais são os propósitos de um modelo de stare decisis [4] ou, em outros termos, quais os valores jurídicos que se pretende tutelar nesse sistema. De forma muito suscinta, até porque o tema aqui analisado é riquíssimo [5], o objetivo de um modelo metodologicamente adequado de valorização de precedentes é, em última análise, valorizar uma segurança jurídica de índole material, de modo que as decisões dos tribunais sejam previsíveis, até porque no Common Law tais decisões são tratadas como fonte material do direito e, por conseguinte, são fontes legítimas para fins de orientação de condutas dos seus destinatários. Ademais, ao perseguir uma segurança jurídica de caráter substancial, esse modelo também tutela o valor justiça [6], com especial ênfase para uma das suas expressões, o valor igualdade, na medida em que evita decisões arbitrárias por serem contrapostas à jurisdicionados que se encontram em situações análogas. No âmbito da realização prática do direito por intermédio das decisões de caráter jurisdicional, a preocupação com tais valores se afunila para a ideia de integridade do direito (artigo 926 do CPC [7]), segundo o qual as diferentes decisões dos diferentes órgãos de caráter jurisdicional conformam um mesmo continuum prático ou, como prefere Dworkin [8], um mesmo "romance em cadeia" (chain novel). Logo, aquele autor que acresce uma nova página a esse romance não pode simplesmente ignorar os capítulos pretéritos dessa história, já que o respeito aos precedentes envolve o ato de segui-los, distingui-los ou revogá-los, jamais ignorá-los [9]. É bem verdade que em modelo jurisdicional em que diferentes tribunais possuem diferentes parcelas de competência para a resolução de um mesmíssimo problema jurídico, essa busca pela integridade torna-se mais complexa. É o que acontece, v.g., em matéria tributária, onde uma mesma lide pode ser objeto de decisão tanto do STJ quanto do STF. Soma-se a isso o fato de que no Brasil, no plano federal, existe ainda a figura do Carf, que também decide questões tributárias passíveis de resolução pelos tribunais judiciais, o que na prática potencializa o problema de integração das decisões. Foi exatamente por reconhecer esse problema que o legislador previu institutos como o do sobrestamento de casos passíveis de afetação por um leading case, da modulação de efeitos e, ainda, para também fomentar a integração de decisões judiciais e administrativas, a aplicação subsidiária do CPC em processos administrativos, nos exatos termos do art. 15 do referido Código [10]. Aliás, o já citado artigo 62, § 1º, inciso II, alínea "b" do Ricarf, é um reflexo, ainda que tímido, da necessidade dessa integração entre decisões judiciais e administrativas. Tecidas tais considerações, já é possível retornar ao caso sob análise na coluna de hoje. Diferentemente do que fora alegado pelo Carf no voto vencedor proferido no processo administrativo nº 13826.000171/2005-90, ao determinar o sobrestamento dos casos que lá tramitam e que tratam da (não) incidência de PIS/Cofins para as cooperativas de crédito, o STJ não reconhece a perda do status de vinculante do seu precedente (Tema 363), condição essa que, em verdade, poderá até ser potencializada, a depender do resultado do julgamento do leading case com trâmite no STF (Tema 536). Em verdade, ao determinar tais sobrestamentos, o STJ antevê a possibilidade — e aqui, de fato, se trata de uma hipótese possível — de existir um overruling por parte do STF para a matéria de fundo, o que, se ocorrer, poderá ainda ser objeto de modulação de efeitos, exatamente como se discute, v.g., no Tema 985 do Pretório Excelso [11]. Será apenas nesse momento que haverá a superação do entendimento por parte do STF e que o precedente do STJ deixará ser vinculante. Em verdade, ao já determinar o sobrestamento dos seus casos, o STJ, com elogiosa prudência, entende perfeitamente seu papel nesse cipoal de órgãos jurisdicionais que, embora fracionados em razão de diferentes competências, exercem uma única função: jurisdicional. Ao assim fazer, portanto, o STJ se antecede a futuros problemas na hipótese de eventual posição contraposta a sua por parte do STF, já antecipadamente prestigiando a necessidade de integridade das decisões. Era exatamente esse o papel que também se esperava do Carf e que não foi cumprido em concreto. Ao promover o julgamento do caso aqui analisado, independentemente do seu resultado favorecer o fisco ou o contribuinte, o Carf antecipadamente atenta contra a ideia de integridade do direito. Em outros termos, o órgão que deveria ser parte na solução pela busca de decisões íntegras, acaba por ser um dos problemas para se prestigiar esse importante valor jurídico. Essa postura temerária, por sua vez, redundará em mais processos judiciais, a ser conduzido com um notório custo econômico pela já assoberbada Procuradoria da Fazenda Nacional, perante um também sobrecarregado Poder Judiciário, o que também causa um impacto econômico para esse Poder. E, a depender do resultado do tema no STF, tudo isso podendo implicar em imposição de verbas sucumbenciais em prejuízo do Erário público, o que nos remete a pergunta-título do presente texto: quem ganha com um Carf que desconhece o seu papel em um modelo de stare decisis? [1] Art. 62. Fica vedado aos membros das turmas de julgamento do Carf afastar a aplicação ou deixar de observar tratado, acordo internacional, lei ou decreto, sob fundamento de inconstitucionalidade. § 1º. O disposto no caput não se aplica aos casos de tratado, acordo internacional, lei ou ato normativo: (...). II - que fundamente crédito tributário objeto de: (...). b) Decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, em sede de julgamento realizado nos termos dos arts. 543-B e 543-C da Lei nº 5.869, de 1973, ou dos arts. 1.036 a 1.041 da Lei nº 13.105, de 2015 - Código de Processo Civil, na forma disciplinada pela Administração Tributária; [2] Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: (...). III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; (...). [3] De forma reflexa também se pretende promover uma análise crítica a forma como o modelo de precedentes vem sendo tratado pelo CARF, o que não é uma novidade nesse espaço. Nesse sentido, vide: ConJur - A jurisprudência do Carf e a inexistência de modelo de precedentes [4] Termo esse que provém da expressão latina stare decisis et non quieta movere, i.e., respeitar as coisas decididas e não alterar o que está estabelecido. [5] Por todos: DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. [6] [...] neste caso a certeza é de todo compatível com a “justiça”, pois não é mais do que a estabilização histórico-cultural, em termos de vigência, de uma intenção normativa material – a objectivação sincrónica dessa intenção, e que sempre poderá existir, e que existirá mesmo, num direito exclusiva ou predominantemente intencionado à justiça. (NEVES, Antonio Castanheira. Instituto dos assentos. Coimbra: Coimbra Editora, 2014. p. 38.). [7] Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. (grifos nosso) [8] DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 221 e ss. [9] BRAGA, Paulo Sarno; DIDIER JÚNIOR, Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. v. 2, 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 480. [10] Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente. [11] Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos arts. 97, 103-A, 150, § 6º, 194, 195, inc. I, al. a e 201, caput e § 11, da Constituição da República, a natureza jurídica do terço constitucional de férias, indenizadas ou gozadas, para fins de incidência da contribuição previdenciária patronal e no qual, no mérito, se fixou a seguinte tese: é legítima a incidência de contribuição social sobre o valor satisfeito a título de terço constitucional de férias.
2023-10-25T08:00-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-25/direto-carf-carf-desconhece-papel-modelo-stare-decisis
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Sem querer querendo
Crime contra a ordem tributária só ocorre se houver dolo
Nos crimes contra a ordem tributária, tipificados pela Lei 8.137/1990, exige-se o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente de praticar a conduta proibida. E a responsabilidade penal recai somente sobre os agentes que efetivamente cometem fraude para suprimir ou reduzir crédito tributário. Com esse entendimento, a juíza Maria Sílvia Gabrielloni Feichtenberger, da 1ª Vara Criminal de Santo André (SP), absolveu um empresário de uma acusação de fraude à fiscalização tributária. A empresa da qual o réu é sócio foi autuada pela Fazenda Estadual por ter inserido informações inexatas em documento fiscal. A companhia indicou operações de remessa de mercadorias para fins de exportação sem destaque de imposto. No entanto, elas não foram diretamente exportadas em seguida. Na verdade, o destinatário fez uma nova remessa para um terceiro, que, por fim, exportou as mercadorias. Com isso, a empresa deixou de pagar quase R$ 300 mil de ICMS. Por isso, o Ministério Público de São Paulo denunciou o empresário pelo crime tributário. A juíza Maria Sílvia Feichtenberger constatou que "o réu não agiu com dolo em sua conduta". O empresário disse acreditar que as mercadorias seriam exportadas pelo destinatário. A narrativa foi confirmada por uma testemunha. "Restou demonstrado que o réu entregou as mercadorias para exportação e não tinha ciência da venda pela empresa que havia comprado para outra empresa. Logo, evidente a falta do dolo especifico do acusado em sonegar tributo", assinalou a magistrada. O empresário foi representado pelo escritório Torres, Falavigna e Vainer Advogados. Clique aqui para ler a decisão Processo 1503758-65.2021.8.26.0554
2023-10-26T20:56-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-26/crime-ordem-tributaria-ocorre-houver-dolo
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Opinião
Leite e Freitas: A satisfação do direito do contribuinte
Até os dias atuais, o Tema nº 69 da Repercussão Geral — o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins —gera inúmeros litígios entre os contribuintes e o Fisco. Recentemente, me deparei com a situação de o Fisco sustentar a falta de interesse de agir do contribuinte em uma ação de repetição de indébito, ajuizada posteriormente a um mandado de segurança impetrado pelo mesmo contribuinte. O argumento era de que ele deveria ter cumprido a sentença nos autos do mandado de segurança ou ter realizado a compensação administrativa. A primeira observação é que, há pouco tempo, a questão sobre o cumprimento de sentença em mandado de segurança tributário não era pacificada, defendendo o Fisco a sua impossibilidade. Ao analisar a situação mencionada, a primeira questão que me veio à cabeça foi se essa era uma tese unificada na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), ou seja, se o Fisco estaria utilizando esta tese de maneira uniforme, em todas as situações análogas. Foi aí que me deparei com uma situação análoga, na qual o Fisco defende a impossibilidade de cumprimento de sentença em mandado de segurança. Trata-se do agravo de instrumento número 5019614-17.2019.4.03.0000. Veja-se um trecho da manifestação da Fazenda Nacional: "Não é possível efetivar-se a restituição em mandado de segurança, que não possui natureza condenatória, e sim mandamental, por conter uma ordem dirigida à autoridade coatora. Em consequência, sua execução é imediata. Assim, a restituição de valores supostamente indevidos só poderia ser discutida em processo de conhecimento, sendo o mandado de segurança via inadequada à repetição do indébito tributário, eis que não substitui a respectiva ação de cobrança, nos termos da Súmula nº 269 do Supremo Tribunal Federal." Ou seja, no entendimento da Fazenda, nenhuma via é a adequada para que o contribuinte tenha a restituição dos valores pagos indevidamente. Pois quando se utiliza a via administrativa, o Fisco alega que estaria "furando a fila" dos precatórios; quando se pretende cumprir a decisão nos autos de mandado de segurança, a Fazenda Nacional alega que é inviável, devido à natureza da ação mandamental; quando se ajuíza ação de repetição de indébito, o Fisco alega que deveria ter feito pedido administrativo, e que não haveria oposição. Os argumentos da Fazenda são contra a realidade dos fatos, pois em qualquer circunstância ela impõe óbice para a satisfação do direito. Cabe destacar que a Fazenda atuou, no primeiro caso citado, contra a jurisprudência. Veja-se o que dispõe as súmulas afetas ao tema. A Súmula nº 461 do STJ que tem a seguinte redação: "Súmula 461/STJ. O contribuinte pode optar por receber, por meio de precatório ou por compensação, o indébito tributário certificado por sentença declaratória transitada em julgado." A Súmula nº 269 do STF tem a seguinte redação: "O mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança." Como se vê, a opção deverá ser feita pelo contribuinte, não cabendo ao Fisco escolher qual a maneira que o contribuinte irá satisfazer o seu direito. As razões que o Fisco utiliza são completamente infundadas, tendo em vista o enunciado da Súmula número 269 do STF e o enunciado da Súmula número 461 do STJ, que pacificou que o mandado de segurança não substitui a ação de repetição de indébito e que cabe ao contribuinte optar pela maneira que irá satisfazer o seu direito. Portanto, a jurisprudência é farta e pacífica neste sentido. Os litígios impostos pela Fazenda, tanto no caso de repetição de indébito posterior ao mandado de segurança, quanto no cumprimento de sentença do próprio mandado de segurança, atrasam o direito dos contribuintes, que "ganham, mas não levam", violando o artigo 4° do CPC. Como os advogados tributaristas que atuaram nessas causas puderam acompanhar, o impacto econômico desta tese foi tamanho que o Fisco, ainda que tenha se passado seis anos, não aceitou a sua derrota e a cada dia cria um obstáculo para os contribuintes. Situação contrária não se observa quando o Fisco se sagra vencedor. Neste caso, a presteza e agilidade imperam na Administração Pública para autuar e executar os contribuintes. O que se espera da Fazenda é uma uniformização de atuação, para que haja mais segurança jurídica.
2023-10-26T13:20-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-26/leite-freitas-satisfacao-direito-contribuinte2
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Opinião
Lucas Tomazi: Imperativa modulação dos Temas 881 e 885
No dia 22 de setembro de 2023, foi iniciado o julgamento dos quatro embargos de declaração apresentados nos Recursos Extraordinários 949.297 e 955.227, leading cases dos Temas de Repercussão Geral 881 e 885. Nas motivações dos declaratórios, deixando de lado questões de obscuridade sobre o próprio mérito dos julgados, o tema mais sensível e urgente aos contribuintes está no pedido de reconsideração da modulação de efeitos, que, por um placar de 6 a 5, não foi aplicada quando do julgamento presencial dos recursos em fevereiro de 2023. Naquele momento, o STF entendeu que não seria necessária a modulação de efeitos da decisão porque a confiabilidade do contribuinte no sistema jurídico estaria assegurada pelo próprio julgamento de constitucionalidade dos tributos; tendo sido afastada, inclusive, a alegação de que o precedente exarado pelo STJ no REsp 1.118.893, julgado em março de 2011 e que fixou a tese em sentido contrário ao decidido em fevereiro pela Corte Suprema [1], seria motivo de confiança jurídica suficiente para ensejar a modulação de efeitos. Agora, com o início do julgamento dos embargos de declaração, o ministro relator Luís Roberto Barroso reiterou as fundamentações expostas quando do julgamento inicial e os negou provimento. Por pedido de destaque do ministro Luiz Fux — grande defensor da modulação no julgamento presencial em fevereiro — o caso aguarda pauta para julgamento presencial. Em relação à modulação de efeitos, ao nosso ver, dois são os principais problemas com o racional empregado pelo STF para não aplicá-la: (1) as decisões anteriores do STF, em nenhum momento, sinalizaram o conteúdo expresso no julgamento dos Temas 881 e 885; e (2) o novo entendimento de que as decisões do STJ não vinculam o STF e não demandam a modulação de efeitos é contraditório a sua própria jurisprudência e fere a isonomia. Quanto ao primeiro problema, o que entendeu a corte é que, por ter julgado o mérito sobre a constitucionalidade do tributo em momento anterior, teria sinalizado aos contribuintes sobre o mérito julgado no presente e, então, não haveria “razões de segurança jurídica” que justificariam a modulação de efeitos. No caso concreto posto ao STF, o ministro Luís Roberto Barroso entendeu que, uma vez que a corte teria declarado a constitucionalidade da CSLL lá em 2007, aqueles contribuintes que possuíam coisa julgada que os permitiam não efetuar a cobrança já sabiam, desde lá, que deveriam recolher o tributo. Vejamos nos termos do voto: "Não me parece, pedindo todas as vênias a quem compreenda de modo diferente, ser o caso de modulação diante do quadro fático e jurídico relativo à contribuição social sobre lucro líquido. [...] E aqui, em relação à contribuição social sobre lucro líquido, pedindo todas as vênias, desde 2007, decisão plenária do Supremo em controle por ação direta, já não havia a mais mínima dúvida de qual era a posição do Supremo sobre a exigibilidade daquele tributo. Portanto, parece-me inequívoco que o tributo se tornou devido a partir de 2007 apenas considerando a anterioridade nonagesimal." Pelo que se percebe, são confundidos o mérito julgado lá — constitucionalidade do tributo — e o julgado aqui — a cessação ou não dos efeitos da coisa julgada que exime a cobrança de um tributo depois julgado constitucional e devido. Ainda que tenha julgado que determinado tributo é constitucional (seja no caso da CSLL, seja em outro caso semelhante), em nenhum momento decidiu a Corte, em qualquer um de seus pronunciamentos anteriores, quais os efeitos que tais julgamentos teriam sobre a coisa julgada individual (então) inconstitucional. Ora, sequer se sabia, até agora, se a decisão em controle concentrado ou difuso com repercussão geral poderia alterar o estado da coisa julgada; e, se positivo, se seria necessária ou não ação rescisória ou revisional. A norma interpretada no caso foi criada e inserida no ordenamento jurídico apenas em fevereiro de 2023, com o julgamento dos Temas 881 e 885. Há uma evidente obscuridade com o que tenta ser conceituado como "confiança na coisa julgada anteriormente formada". Se não há manifestação anterior do STF sobre a afetação da coisa julgada por suas decisões com efeitos erga omnes em relações tributárias de trato continuado, não há qualquer forma de justa expectativa do contribuinte quanto à necessidade de pagar tributos após declaração de constitucionalidade. Isso é dizer: as decisões que declararam a constitucionalidade dos tributos não sinalizam àqueles contribuintes que possuíam coisa julgada em sentido contrário sobre os efeitos que a decisão teria sobre a coisa julgada. Tal sinalização aconteceu unicamente a partir julgamento de mérito dos Temas 881 e 885, já que foi a única instância de análise pelo STF. É impossível ao contribuinte determinar, pelos julgamentos anteriores, se deveria ou não efetuar o pagamento do tributo, em especial se seria de forma automática ou não. Ainda, apontou a ministra Rosa Weber pela ausência de "alteração do entendimento" apta a permitir a modulação de efeitos porque o STF já teria se manifestado pela desnecessidade de ajuizamento de ação rescisória para fazer cessar os efeitos da coisa julgada inconstitucional, conforme consta na ementa do RE 730.462/SP, julgado em 28 de maio de 2015: "Ressalva-se desse entendimento, quanto à indispensabilidade da ação rescisória, a questão relacionada à execução de efeitos futuros da sentença proferida em caso concreto sobre relações jurídicas de trato continuado". O apontamento, contudo, não pode ser considerado como sinalização de entendimento do STF que retiraria a confiança na coisa julgada dos contribuintes. Em primeiro lugar, a referência à ementa realizada pela ministra desconsidera que a frase não está completa. Naquele caso, relatado pelo ministro Teori Zavaski, a frase foi acompanhada no relatório de mais uma oração, destacando que o tema das relações de trato continuado é "tema de que aqui não se cogita" [2]. Isso é, seja qual for o motivo pelo qual a frase foi inserida de forma incompleta na ementa, a referência a qual ela faz é a expressa exclusão da análise do tema de coisa julgada inconstitucional em relações de trato continuado do julgamento do RE 730.462/SP. Em segundo lugar, o tema das relações de trato continuado (1) foi citado somente pelo ministro Teori Zavaski (2) para que fosse excluído da aplicabilidade da tese de repercussão geral daquele caso. Isso é, a frase da ementa citada nos Tema 881 e 885, além de ter sido retirada de contexto, não representa o entendimento do colegiado — isso é, não forma ratio decidendi. Não há, portanto, qualquer aplicabilidade do julgado pelo STF no RE 730.462/SP para conceber motivação que exclui a necessidade de modulação de efeitos nos Temas 881 e 885. Esse primeiro problema, em suas esferas, é ainda mais assentado pelo segundo problema do julgado: quando a Corte entendeu que não seria necessária a modulação de efeitos ainda que o STJ tivesse decidido no REsp 1.118.893, julgado sob a sistemática dos Recursos Repetitivos, que a coisa julgada inconstitucional manteria os seus efeitos mesmo que o STF teria decidido, posteriormente, de forma contrária as razões que a formaram. Quanto ao ponto, a argumentação do STF é no sentido de que a corte não precisa considerar o julgamento de outras cortes porque é apenas ela a competente para julgar matéria sob a índole exclusivamente constitucional, não podendo ter seu julgamento vinculado a outro. Nos termos do voto do ministro Luís Roberto Barroso, no início do julgamento virtual dos embargos de declaração nos Temas 881 e 885: “Em sequência, ressalto, ademais, que o julgamento realizado por outras Cortes não vincula o Supremo Tribunal Federal, que aprecia as questões jurídicas tendo a Constituição como parâmetro. Conforme salientado no voto da ministra Rosa Weber, "a modulação dos efeitos de pronunciamentos desta Corte não compete a nenhuma outra Corte, mas, única e exclusivamente, a esta própria Casa. Vale dizer, se o STF não modulou os efeitos de sua decisão, nenhum outro Tribunal poderá fazê-lo'". Essa argumentação é contraditória com a própria jurisprudência do STF e, por si só, deveria impor a alteração do entendimento pela não modulação de efeitos quando do julgamento de mérito em fevereiro de 2023. É contraditória — e fere a isonomia — porque o STF já decidiu, em mais de uma oportunidade, por modular os efeitos de suas decisões quando verificado precedente anterior do STJ em sentido contrário; e o fez em favor da Fazenda. Seja no Tema 69 ou no Tema 962, decidiu o STF que, uma vez que o STJ teria se manifestado, em momento anterior, pela legalidade das exações depois declaradas inconstitucionais, o requisito de "segurança jurídica" para modulação seria evidente, uma vez que o Fisco teria depositado a sua confiança no precedente vinculante da Corte Superior. A título de exemplo, no julgamento dos Edcl. no RE 574.706/RS (Tema 69), a ministra Carmen Lúcia decidiu pela modulação de efeitos por constatar que, uma vez existente decisão anterior do STJ em sentido contrário ao que o STF tinha então decidido, havia superado entendimento predominante e, portanto, cabível a modulação de efeitos: "E o Superior Tribunal de Justiça tinha entendimento sumulado em sentido diametralmente oposto, conforme faziam certo os enunciados 68 e 94 de sua Súmula de jurisprudência (revogados em 27/3/2019). [...] Portanto, está mais do que evidenciada a viragem jurisprudencial, fator que habilita o SUPREMO a modular os efeitos de sua decisão, conforme autoriza o § 3º do art. 927 do Código de Processo Civil de 2015." Isso é, naqueles casos, o entendimento do STF, ao contrariar entendimento anterior do STJ, promovera "alteração de jurisprudência", o que seria motivo suficiente para ensejar e permitir que a modulação de efeitos da decisão se desse em prol da Fazenda. Contudo, no caso dos Temas 881 e 885, embora os contribuintes tenham depositado a sua confiança no entendimento vinculante exarado pela Corte Superior no REsp 1.118.893, a Corte Suprema define, agora, a inaplicabilidade da modulação, ressaltando que considerar o precedente de outra corte para tal seria "usurpação de competência". O caso e sua fundamentação mostram uma política de dois pesos e duas medidas para modular os efeitos em matéria tributária: as decisões do STJ só garantem a segurança jurídica se forem em prol da Fazenda, e não do contribuinte. Fere-se, ao assim se decidir, o aspecto objetivo de controle da impessoalidade do julgador, que tem parâmetros diferentes para casos semelhantes, distinguidos apenas por quem será o beneficiado. Soma-se a esses pontos o fato de que o STF, em variadas oportunidades anteriores, declarou que a matéria dos Temas 881 e 885 seria de índole infraconstitucional, e demandou a remessa dos casos ao STJ [3]. Foi então que a Corte Superior, vendo-se obrigada a decidir face a declaração de que a matéria não deveria ser analisada à luz da Constituição, firmou o entendimento exarado no REsp 1.118.893. Vemos, portanto, que, em relação à justificativa do STF sobre a ausência de razões suficientes de segurança jurídica para permitir que sejam modulados os efeitos da decisão de mérito proferida em fevereiro de 2023, há obscuridade e contradição suficientes a ensejar, ao mínimo, o esclarecimento do julgado pela via dos embargos de declaração; e, com sorte, a sua reconsideração. O mais preocupante, sem dúvidas, é o entendimento da corte que as decisões do STJ não lhe vinculariam e, portanto, não demandariam a modulação dos efeitos de decisão divergente pelo STF. A questão não é, ao nosso ver, se há vinculação ou não, mas sim a contradição na jurisprudência da corte, que já utilizou-se de precedentes do STJ como razões suficientes para permitir que os efeitos de decisão fossem modulados em benefício da Fazenda; e, se deve julgar-se like case alike, o mesmo entendimento deve ser aplicado no presente caso em prol do contribuinte. Se quer entender o STF, agora, que precedentes do STJ não são mais suficientes para permitir a modulação de efeitos em seus julgados, a única forma de fazê-lo sem ferir a confiabilidade dos indivíduos é "superando o precedente" dessa própria alteração de entendimento — acontecida no bojo da própria corte, sobre a possibilidade de modular — para o futuro. Aplicar-se-ia, assim, uma espécie de "modulação de entendimento" em forma técnica mais parecida com a concepção de Benjamin Cardozo sobre a aplicação do prospective overruling pela Suprema Corte Americana: informa-se a superação do entendimento, mas decide-se o caso atual de acordo com a jurisprudência até então existente [4]. Tal técnica permitiria que todos fossem sinalizados da alteração do entendimento para casos futuros, enquanto seja assegurado que, no momento, fosse aplicada a norma até então declarada pela Corte na matéria modulação de efeitos em matéria tributária. De toda forma, a manutenção da fundamentação, nos termos que é empregada no Acórdão dos Temas 881 e 885, é causa e sintoma de um ordenamento jurídico inseguro que não permite a identificação dos motivos e do direito, sendo imperativo — senão a própria modulação — o esclarecimento coerente quanto às justificativas empregadas lá em fevereiro de 2023. [1] Tese firmada: "Não é possível a cobrança da Contribuição Social sobre o Lucro (CSLL) do contribuinte que tem a seu favor decisão judicial transitada em julgado declarando a inconstitucionalidade formal e material da exação conforme concebida pela Lei 7.689/88, assim como a inexistência de relação jurídica material a seu recolhimento. O fato de o Supremo Tribunal Federal posteriormente manifestar-se em sentido oposto à decisão judicial transitada em julgado em nada pode alterar a relação jurídica estabilizada pela coisa julgada, sob pena de negar validade ao próprio controle difuso de constitucionalidade". [2] Conforme consta a frase completa do relatório do ministro Teori Zavascki: "Ressalva-se desse entendimento, quanto à indispensabilidade da ação rescisória, a questão relacionada à execução de efeitos futuros da sentença proferida em caso concreto, notadamente quando decide sobre relações jurídicas de trato continuado, tema de que aqui não se cogita". [3] A própria corte faz referência a isso quando da afetação de repercussão geral dos Temas 881 e 885, julgada em 25 de março de 2016. [4] Nos termos do Justice Benjamin Cardozo: "The rule that we are asked to apply is out of tune with the life about us. It has been made discordant by the forces that generate a living law. We apply it to this case because the repeal might work hardship to those who have trusted to its existence. We give notice, however, that any one trusting to it hereafter will do so at his peril" (CARDOZO, Benjamin, citado em Prospective overruling and retroactive application in the Federal Courts. The Yale Journal, vol. 71, n. 5, 1962, p. 911).
2023-10-26T06:04-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-26/lucas-tomazi-imperativa-modulacao-temas-881-885
tributario
Opinião
Barbosa e Lanzoni: Responsabilidade do sócio no ilícito não tributário
Introdutoriamente, nos moldes do artigo 121 do Código Tributário Nacional, o sujeito passivo da obrigação principal pode tanto ser o contribuinte quanto o responsável, quando este, sem revestir a condição de contribuinte, possua obrigação decorrente de disposição expressa em lei [1]. Pela leitura do dispositivo legal, em concomitância com as previsões do artigo 134 [2] e 135 [3] do Código Tributário Nacional, o sócio da pessoa jurídica poderá, eventualmente, ser responsabilizado por seus débitos caso se enquadre em uma das hipóteses expressas em lei, razão pela qual a observância dos elementos legais é de suma importância. Assim, assevera-se que conforme ordenamento pátrio referida responsabilidade é resultante de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto, sendo ônus da Fazenda, quem alega, sua comprovação. Pois bem. Após sucinta introdução, cabe esclarecer que o objeto deste artigo é instigar o leitor a refletir acerca dos efeitos do lançamento pautado na devida presunção legal de ocorrência do ilícito não tributário no âmbito da responsabilidade tributária em face do sócio da pessoa jurídica.  Isto porque, quando se versa acerca da presunção na seara administrativo-tributária há que se reconhecer a ordinariedade da sua utilização, ainda que tal fato possa ensejar questionamentos. Para fins de esclarecimento, à título de exemplo, é possível verificar que em certos procedimentos administrativos, a autoridade fiscal pode considerar que o ilícito fora praticado, sendo tal conclusão pautada apenas em presunção, utilizando-se, para estes fins, de levantamento financeiro, bem como de arbitramento do lucro. Ante o presente contexto fático, pergunta-se: O aproveitamento de tal técnica de fiscalização permitiria, suficientemente, a inclusão do sócio da pessoa jurídica no polo passivo da obrigação tributária, posto que a responsabilidade do sócio é subjetiva, ou seja, relaciona-se com o ânimo da pessoa física? Nesta dinâmica, é fundamental que a autoridade comprove não apenas o intuito do agente como também a finalidade especial indicada no artigo 135 do Código Tributário Nacional. Significa dizer que se torna obrigatória a demonstração da consciência e a intenção dos atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos que resultaram na obrigação tributária. Através da relação de causalidade, então, a conduta praticada pelo terceiro deve manter um elo com o resultado constatado pela fiscalização. Assim, se o resultado for presumido, a conduta (que exige o elemento subjetivo) também assume a mesma característica, uma vez que se há inconstância acerca da concretização do resultado, ou seja, se este for presumido, torna-se logicamente impossível existir confiança na realização da prática de ato com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, somando-se, ainda, com a incerteza acerca da consciência do suposto responsável. Verifica-se que por mais que se reconheça a presunção na seara administrativo-tributária em face do suposto ilícito causado pela pessoa jurídica, esse mesmo raciocínio não pode ser estendido para a pessoa física, terceiro responsável, ante a inexistência dos elementos expressamente previstos em lei que possibilitam sua responsabilidade tributária. Assim como a presunção utilizada no processo administrativo tributário é inutilizada na persecução penal, ou ao menos não deveria, a responsabilidade tributária de terceiros decorrente de ilícito não tributário presumido é inadmissível, uma vez que não se compatibiliza com sua própria natureza. Essa conclusão se torna ainda mais clara quando se compreende que para sua configuração, torna-se indispensável a configuração do dolo, elemento este que se encontra incompatível com a responsabilidade objetiva. Nesse sentido já se manifestou o Carf no Acórdão nº 1301-003.031 [4], afastando a responsabilidade do artigo 135 no caso de autuação com base em presunção, pela inexistência de prova direta do dolo. Ademais, no acórdão nº 1302-003.719, o Carf asseverou que a aplicação do artigo 135, do CTN, exige que autoridade fiscal seja "explícita em relação a quais atos foram praticados pelo administrador e quais dispositivos legais foram infringidos". Não bastando apenas ao Fisco aduzir a ocorrência de atos ilícitos, sendo necessário que eles sejam imputados individualmente ao responsável. Ato contínuo, a 1ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, nos Acórdãos nº 1301-002.744, 1302-003.397 e 1302-003.397, decidiu que é ônus da administração a "individualização da conduta fraudulenta praticada pelo coobrigado apontado como sujeito passivo", e que a produção de prova deve ser individualizada com a identificação da conduta específica de cada responsável eleito. É possível notar, de forma clara e evidente, o papel das provas no âmbito da responsabilização tributária e como a não comprovação pormenorizada das condutas realizadas pelo contribuinte impede a suposta alegação da Administração Pública. Nunca é demais relembrar que o posicionamento adotado pelo STJ segue a mesma linha exposta. Nos termos do voto da ministra Regina Helena Costa no REsp nº 1.604.672/ES, "o artigo 135, CTN, contempla normas de exceção, pois a regra é a responsabilidade da pessoa jurídica, e não das pessoas físicas dela gestoras. Trata-se de responsabilidade exclusiva de terceiros que agem dolosamente, e que, por isso, substituem o contribuinte na obrigação, nos casos em que tiverem praticado atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos". Dessa forma, via de regra, a inclusão do sócio na Certidão de Dívida Ativa deve corresponder a apuração de eventuais ilícitos que legitimam sua inserção como terceiro responsável. Conclui-se, portanto, que a aplicabilidade de presunções deve ser comedida e não aplicada na hipótese trazida em apreço já que o lançamento por completo passa a ser dotado de presunção legal de ocorrência, afastando o preenchimento dos requisitos que viabilizam a responsabilidade de terceiros.   [1] Artigo 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei. [2] Artigo 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: I - os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores; II - os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados; III - os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes; IV - o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio; V - o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário; VI - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício; VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas. Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório. [3] Artigo 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I - as pessoas referidas no artigo anterior; II - os mandatários, prepostos e empregados; III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado. [4] RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA SOLIDÁRIA. Respondem solidariamente com a empresa autuada pelos créditos tributários as pessoas que agiram com excesso de poderes e/ou infração à lei, nos termos do artigo 135, III, do CTN, bem assim aquelas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal, nos termos do artigo 124, I do CTN, somente naqueles créditos em foi comprovada a atuação dolosa, o que não ocorreu nos casos de omissão de receitas decorrentes de prova indireta, em que o lançamento foi presumido.
2023-10-27T18:16-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-27/barbosae-lanzoni-responsabilidade-socio-ilicito-nao-tributario
tributario
Ambiente x produção
STF suspende julgamento sobre benefícios fiscais para agrotóxicos
Um pedido de vista da ministra Cármen Lúcia interrompeu nesta sexta-feira (27/8) o julgamento no qual o Plenário do Supremo Tribunal Federal discute a validade de normas que estabelecem a redução de impostos para agrotóxicos. Antes da suspensão da sessão virtual — que se encerraria às 23h59 desta sexta —, cinco ministros já haviam depositado seus votos, que formaram três correntes distintas. A ação direta de inconstitucionalidade foi ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que alega ofensa à seletividade tributária e à proteção do meio ambiente e da saúde humana. Um dos benefícios fiscais contestados é a redução de 60% da base de cálculo do ICMS nas saídas interestaduais de certos agrotóxicos. A ADI também questiona a alíquota zero de IPI para substâncias relacionadas a defensivos agrícolas. Corrente de Fachin O relator do caso, ministro Edson Fachin, votou pela inconstitucionalidade das normas fiscais. Ele também sugeriu a notificação de autoridades do governo federal para tomar providêcias quanto à supervisão, ao acompanhamento e à avaliação periódica da desoneração tributária do IPI. O magistrado ressaltou que os agrotóxicos trazem riscos ao meio ambiente. Também afirmou que quaisquer benefícios devem ser voltados a práticas "consideradas menos poluentes e mais benéficas à fauna, à flora e a toda a coletividade". Segundo ele, "o estímulo ao uso de agrotóxicos (e o desestímulo a outras alternativas) por meio de incentivos fiscais vai de encontro ao direito constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado". Além disso, os benefícios em questão são incompatíveis com o dever do poder público de proteção preventiva ao meio ambiente. Corrente de Gilmar O ministro Gilmar Mendes inaugurou uma corrente divergente para validar as regras contestadas. Ele foi acompanhado pelos ministros Cristiano Zanin e Dias Toffoli. Gilmar explicou que os custos do ICMS e do IPI (tributos sobre o consumo) são naturalmente repassados ao consumidor final. Assim, a invalidação dos benefícios aumentaria os preços dos alimentos. Conforme um estudo trazido aos autos, o custo da produção alimentar poderia crescer em R$ 16 bilhões, com impacto direto na inflação. O magistrado indicou que os defensivos agrícolas são produtos essenciais no Brasil. Se não fossem utilizados, a produção sofreria uma queda de 50% e seria necessário dobrar a área atualmente cultivada, com incorporação de terras hoje cobertas de florestas. Ele ainda ressaltou que a regulação da produção e comercialização dos agrotóxicos no Brasil é "minuciosa". Outro ponto destacado por Gilmar foi a demanda inelástica — ou seja, que não se altera em razão do preço. "Os consumidores de defensivos agrícolas almejam utilizar a menor quantidade dos produtos, de modo a auferirem o maior lucro possível", apontou. "A concessão de benefício fiscal, portanto, não gerará um incentivo ou desincentivo ao uso". Por fim, o ministro apontou que eventuais danos à saúde da população são insuficientes para invalidar os benefícios. "Produtos essenciais não são isentos de causarem malefícios à saúde." Para sustentar seu argumento, Gilmar citou uma tabela elaborada pelo Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas. Segundo ela, os agrotóxicos de uso agrícola e doméstico, somados, responderam por apenas 4,44% dos casos de intoxicação — atrás de medicamentos e produtos de limpeza domiciliar. Corrente de Mendonça Já o ministro André Mendonça propôs uma "uma declaração parcial de inconstitucionalidade, sem pronúncia de nulidade, no conjunto normativo impugnado". Ele indicou a existência de um "processo de inconstitucionalização das desonerações fiscais federais e estaduais aos agrotóxicos", já que o modelo de isenções pouco mudou desde a década de 1950. Por isso, o magistrado sugeriu um prazo de 90 dias para que o governo federal faça uma avaliação dessa política fiscal e apresente ao STF "os limites temporais, o escopo, os custos e os resultados dela". Em seu voto, Mendonça lembrou que a própria Constituição "pressupõe a nocividade dos agrotóxicos à saúde humana e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como os malefícios decorrentes de seu uso". Por outro lado, admitiu que os benefícios contestados na ADI "ostentam finalidades legítimas", pois estimulam a política agrícola ao diminuir os custos de produção e dos preços dos alimentos. Para ele, o modelo atual certamente promove restrição de direitos fundamentais. Mas também não há, no momento, alternativa viável e de mesmo custo para o uso dos agrotóxicos. Segundo Mendonça, o Judiciário não tem competência para definir a melhor solução para o problema. "Tudo recomenda que os agentes políticos e os gestores públicos competentes procedam uma consequente e responsável reavaliação da política pública isentiva ora tratada." Clique aqui para ler o voto de Fachin Clique aqui para ler o voto de Gilmar Clique aqui para ler o voto de Mendonça ADI 5.553
2023-10-27T17:49-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-27/stf-suspende-julgamento-beneficios-fiscais-agrotoxicos
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Caso especial
STJ autoriza IRRF sobre serviço estrangeiro equiparado a royalties
Ao estabelecer que as receitas de prestação de assistência técnica e serviços técnicos terão idêntico tratamento ao dos royalties, as convenções firmadas pelo Brasil com Alemanha, Argentina e China admitem que haja tributação pelo Imposto de Renda Retido na Fonte. A conclusão é da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que deu provimento ao recurso especial da Fazenda Nacional para que incida o IRRF sobre a remessa de receitas decorrentes do pagamento por assessoria administrativa prestada por empresas estrangeiras do mesmo grupo econômico. Essas empresas pertencem a contribuintes localizados na China, na Alemanha e na Argentina, países com os quais o Brasil mantém tratados para evitar a dupla tributação em matéria de Imposto de Renda, com base no modelo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Como os serviços são prestados sem transferência de tecnologia e compõem o lucro da empresa estrangeira não residente no Brasil, os valores só poderiam ser tributados pelo país de destino. Esse entendimento já foi reconhecido pelo STJ, em acórdão da 2ª Turma, em 2012. No recurso julgado pela 1ª Turma, a Fazenda Nacional suscitou uma diferença importante: os acordos com esses países fixam que "os serviços técnicos e de assistência técnica terão idêntico tratamento ao dos royalties no concernente à cobrança de imposto pelo país de onde provêm". Essa situação já foi também reconhecida pelo STJ, novamente pela 2ª Turma, em julgado de 2020. Relator da matéria, o ministro Benedito Gonçalves deu provimento ao recurso especial da Fazenda para permitir a tributação. Após voto-vista da ministra Regina Helena Costa, a conclusão foi unânime. O relator destacou que nem todos os países optaram por celebrar com o Brasil essa equiparação de serviços técnicos a royalties. E somente nesses casos vale a regra geral da não tributação, como adotado no modelo da OCDE. "Cabe lembrar, por fim, que a possibilidade de tributação concorrente, quando autorizada nas convenções — como é o presente caso —, não implica dupla incidência, uma vez que os próprios tratados preveem, nos artigos 23 (Convenções Brasil-China e Brasil-Argentina) e 24 (Convenção Brasil-Alemanha), métodos destinados a evitar a dupla tributação nessas hipóteses." Clique aqui para ler o acórdão REsp 1.753.262
2023-10-27T14:51-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-27/stj-autoriza-irrf-servico-estrangeiro-equiparado-royalties
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Opinião
Opinião: Novo critério da distribuição do IBS dos municípios
O Brasil possui uma rica história que tem profundas influências no atual arranjo federativo, notadamente quando se consideram aspectos como a distribuição do ICMS, ISS e a cota-parte destinada aos municípios. Durante muitos anos, o sistema tributário caracterizou-se por um desequilíbrio notável, em que a arrecadação de impostos sobre o consumo, de maneira quase exclusiva na origem, gerou distorções significativas. Essas distorções se tornaram ainda mais acentuadas com a crescente expansão das vendas online [1]. O cenário era claro: estados e municípios mais populosos frequentemente se viam em desvantagem frente aos estados produtores ou àqueles onde as empresas e indústrias tinham suas sedes, exacerbando assim as disparidades regionais. Essa questão tem sido debatida por mais de três décadas. Parecia, então, que uma reforma tributária poderia finalmente solucionar essa desigualdade, trazendo uma mudança substancial ao direcionar toda a arrecadação para o destino, em vez de mantê-la predominantemente na origem, como era o caso do IBS, que compreende tanto o ICMS quanto o ISS, bem como a cota-parte destinada aos municípios [2]. Há um estudo do Ipea que norteia essa mudança. Mas um único estudo norteando a mudança dos critérios não pareceu ser a melhor opção para uma decisão acertada. A partir dessa consideração, ainda que com pouco tempo disponível, um grupo de tributaristas e economistas de diversas instituições no Brasil, incluindo professores de mestrado e doutorado se debruçaram por algumas semanas para compreender se a modificação pretendida iria realmente produzir o que se esperava, maior justiça no equilíbrio do pacto federativo.  O resultado foi de que aquela solução aparentemente, simples, de mudar toda a arrecadação e os mecanismos de equalização para o destino e para os entes mais populosos, escondia armadilhas que podem ameaçar o equilíbrio do pacto federativo, comprometendo o desenvolvimento do nosso país. O estudo analisou dois cenários possíveis, um considerando dados do Siconfi e outro considerando dados das Secretarias Estaduais de Fazenda. A pesquisa revelou a necessidade de encontrar, um caminho do meio. A concentração da arrecadação na origem pode causar distorções, enquanto a concentração da arrecadação no destino pode agravar ainda mais essas distorções, afetando os municípios produtores. É fundamental descobrir um caminho intermediário. Nesse sentido, considerando que a construção do IBS, proposto no texto da reforma tributária, implica na arrecadação no destino, uma possível solução seria a aplicação de critérios de equalização para os entes federativos que acrescentam valor por meio de sua produção. O Valor Adicionado Fiscal, que já existe há pelo menos 40 anos, se mostra adequado para desempenhar essa função. Não restam dúvidas que a atual versão da reforma tributária apresentada no relatório disponibilizado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, representa um marco importante para o Brasil, mas, como em qualquer transformação, acarreta consequências variadas, inclusive, no desenho da federação e não atende ao interesse do desenvolvimento do país, ferindo interesses, principalmente de municípios Dentre as modificações, há uma que diz respeito exatamente às políticas públicas, qual seja: a modificação do parágrafo único do artigo 158 e essa modificação deriva de duas importantes alterações. A primeira é a extinção do Valor Adicionado Fiscal, que representa para os municípios produtores um percentual proporcional à sua respectiva participação no bolo da arrecadação. A outra é a extinção do critério de distribuição feito por lei estadual, que impacta nas escolhas regionais para privilegiar políticas públicas referentes à educação, saúde e proteção ao meio ambiente, por exemplo. A partir dessa premissa, foi realizado um estudo, com tributaristas de diversas instituições para compreender os efeitos específicos dessa reforma sobre os municípios e explorar alternativas que preservem os benefícios do projeto, ao mesmo tempo em que atenuem seus impactos negativos sobre as administrações municipais. A pesquisa se concentrou no projeto aprovado pela Câmara dos Deputados, que atualmente está em pauta para discussão no Senado, e teve o relatório divulgado na CCJ no Senado na tarde do dia 25 de outubro de 2023, com votação prevista a primeira quinzena de novembro. O resultado, em todos os cenários estudados, aponta para um impacto significativo na política regional de desenvolvimento local, isso porque atualmente, o VAF assume uma relevância singular nas receitas municipais, constituindo-se em um dos principais fatores de sustentabilidade financeira para as prefeituras. O cálculo do VAF leva em consideração o valor adicionado às operações de circulação de mercadorias e a prestação de serviços, refletindo diretamente a atividade econômica local. Assim, o Valor Adicionado Fiscal (VAF) emerge como um elemento-chave na distribuição do ICMS aos municípios brasileiros, extrapolando sua dimensão meramente fiscal para se tornar um instrumento de fomento ao crescimento e desenvolvimento local. Hoje os estados gozam de certo grau de liberdade para definir os parâmetros referentes à distribuição do ICMS, podendo criar instrumentos de incentivos para o desenvolvimento econômico e de políticas públicas de acordo com sua realidade e suas necessidades regionais e locais. Ressalta-se que, por força da Constituição, todas as leis estaduais utilizam 65%, no mínimo, para o VAF e 10%, no mínimo, para o critério educacional, neste caso, aqueles estados que regulamentaram a EC 108/2020. Essa liberdade de cada estado definir os parâmetros reflete não apenas a diversidade e as particularidades de cada estado, mas também a consideração primordial da questão populacional. Todos os estados, de maneira unânime, adotaram o critério populacional para a distribuição de recursos, ainda que não preponderante, equilibrando-o com outros critérios específicos de suas regiões. Por exemplo, no Ceará, o foco em saúde e meio ambiente evidencia o compromisso com o bem-estar da população e a preservação do ecossistema local. Minas Gerais adota uma abordagem abrangente, considerando uma variedade de critérios, desde educação até recursos hídricos, refletindo o compromisso do estado com o desenvolvimento abrangente e sustentável. Em Goiás, o índice ecológico demonstra a preocupação com a conservação do meio ambiente, ao passo que se impulsiona o progresso econômico. Em Rondônia, a distribuição do ICMS considera o índice de população, de território, de produção agropecuária, de unidade de conservação e o fixo, buscando promover um crescimento econômico e social sustentável. No Paraná, a alocação do ICMS leva em conta o VAF, a produção agropecuária, a população rural, o fator ambiental e de área e o igualitário, bem como as propriedades rurais, refletindo o compromisso do estado com o desenvolvimento econômico e a sustentabilidade rural. A distribuição das receitas com base em critério per capita, que é o efeito da distribuição por população, resulta em uma equalização per capita, sem vinculação com indicadores mais específicos, é por si só ineficiente. Por outro lado, o critério que leva em conta as necessidades fiscais, i.e., as despesas e custos efetivos (aí incluídos os de investimento) tende a ser mais eficiente, porque aloca mais recursos para as jurisdições que maiores necessidade e custos. Assim, municípios que detêm necessidades permanentes e muitas vezes crescentes de despesas por conta dos parques industriais e mesmo as zonas de preservação ecológica, embora com população baixa em relação a outros municípios, apresentam demandas por recursos que destoam do critério per capita "puro". Isso significa que as necessidades desses municípios são influenciadas pela atividade produtiva, indo além da mera consideração da população residente. A solução seria equalizar os fatores de distribuição, de forma a minimizar os efeitos negativos da distribuição da cota-parte do IBS pelo critério da população, sem desconsiderar o critério, mas dando prevalência ao VAF, e também com base em indicadores de melhoria nos resultados de aprendizagem e de aumento da equidade, considerado o nível socioeconômico dos educandos, de acordo com o que dispuser lei estadual. Esta forma de distribuição traduz uma melhor equalização dos critérios, sem desconsiderar o tradicional e eficiente critério do valor adicionado fiscal (VAF). Nesse contexto, apesar de se considerar o avanço significativo para o Brasil, urge revisar algumas das propostas constantes da PEC 45/2019, especialmente no tocante à extinção do Valor Adicionado Fiscal, evitando a desestruturação dos pequenos e médios municípios que produzem, geram riqueza, emprego e equidade para suas populações, sua região e, consequentemente, para o Brasil. A redistribuição e equalização da parcela do IBS considerando o VAF coaduna com o princípio constitucional do desenvolvimento regional e aprimora a discussão sobre a reforma tributária.   Clique aqui para ler o relatório na íntegra [1] As ideias, premissas, conclusões e observações contidas no presente ensaio e no estudo que o acompanha não traduzem ou representam as opiniões das várias instituições nas quais os autores trabalham como professores, advogados e julgadores, ou como membros e assessores. [2] Esta nota de pesquisa teve a colaboração de Aline Guiotti, Daniel Felzke Feitosa, Frederico Medeiros, Marjorie Madoz, João Pedro Gimenes Maier de Carvalho e Wesley Rocha.
2023-10-27T06:32-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-27/opiniao-criterio-distribuicao-ibs-municipios
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Opinião
Natal e Costa: 57 anos do Código Tributário Nacional
A Lei nº 5.172/66, denominada Código Tributário Nacional, completa 57 anos. Não se pode olvidar que vozes se levantam sobre a necessidade de uma extensa e profunda reforma na legislação tributária, mas se deve também exaltar a excelência do CTN quanto ao papel de regulador do sistema tributário brasileiro por quase seis décadas. O CTN, introduzido original e formalmente como lei ordinária, detém status de lei complementar desde a Emenda Constitucional nº 1 de 1967 (recepcionada como tal pela Constituição de 1988), na medida em que regula as competências tributárias, as limitações constitucionais ao poder de tributar e, não menos importante, estabelece as normas gerais em matéria de legislação tributária. A despeito de merecer importantes atualizações, o CTN é o alicerce legal que define os tributos, suas espécies (fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes) e que, a bem da segurança jurídica, regula a obrigação, o lançamento, o crédito, a prescrição e a decadência tributários. Elaborado sob a batuta do notável Rubens Gomes de Souza, em meio a um período conturbado de nossa história (década de 1960), o CTN é fruto de um detido trabalho de edificação de um efetivo sistema de regulação de condutas tributárias, cuja estrutura permanece hígida até os dias atuais sem grandes conflitos de adequação frente a todas as ordens constitucionais que perpassou (67, 69 e 88)[1]. Desde a sua elaboração, o CTN sofreu pontuais alterações, nenhuma com o fim de alterar a sua linha mestra na definição das normas gerais em matéria tributária, objeto de seu livro segundo e que trata da legislação, da obrigação e do crédito tributários, como também da administração tributária. É inegável que os avanços sociais e tecnológicos impactam as relações humanas e, por consequência, também as regulações jurídicas das condutas, o que inclui o CTN. Vivemos a era da disrupção, o que implica na constante e veloz quebra de paradigmas capazes de transformar completamente determinados setores produtivos e econômicos. Nesse passo, as novas tecnologias conduzem a ideia de uma economia muito automatizada, com a criação de novas expressões de capacidade contributiva. Sem embargo, um sistema de normas entabulado em 1967 não teria como alcançar suficientemente todos os efeitos econômicos das relações produtivas e de consumo atuais, as quais podem servir de materialidade para novas formas de tributação. Exige-se praticabilidade legal para o alcance dessas novas expressões de capacidade contributiva. Entretanto, em nossa opinião, não se trata de colocar por terra a linha mestra do CTN, que traz em seu bojo importantes garantias para fins da estabilidade do sistema, em especial para que sejam preservados os valores da segurança jurídica e da legalidade com o fim de abastecer os cofres públicos sem macular a livre iniciativa. Bem por isso, encontra-se em tramitação no Congresso um anteprojeto de lei elaborado por uma comissão de juristas formada por ato conjunto do Senado e do Supremo Tribunal Federal (STF), que tem como principal objetivo a modernização do sistema tributário brasileiro[2]. O projeto possui três eixos de aprimoramento legislativo: (i) prevenção de conflitos tributários, direcionado ao estabelecimento de programas de conformidade e à facilitação da autorregularização; (ii) estímulo à adoção de soluções consensuais em litígios tributários; e (iii) harmonização das normas relativas ao processo administrativo tributário. Das propostas, chama atenção a busca de um sistema que reduza a litigiosidade. Nesse sentido, se propõe: (i) a inserção de um regime com limites e dosimetria de multas tributárias, para fins de moderação sancionatória; (ii) novo instituto de denúncia espontânea, com expressa remissão de multas sancionatórias pelo ente tributante; (iii) implementação de novos meios alternativos de solução de litígios e (iv) efeitos vinculantes amplos às respostas de consulta emitidas pela administração e decisões proferidas pelo STF em caráter de repercussão geral. Não obstante as reflexões acima, acerca da necessária reforma do CTN, em comemoração aos seus 57 anos, nos cumpre enfatizar sua relevância no papel de norma complementar da Constituição, sobretudo pela sua elogiável clareza técnica e por delimitar perfeitamente as diretrizes tributárias, sem furtar as demais competências regulamentadoras da legislação infraconstitucional e dos demais entes federativos. A atualização das normas tributárias não retira o espaço conquistado pelo CTN, que ainda é o grande marco jurídico dos operadores do direito tributário.   ______________ [1] Houve apenas uma declaração de não recepção, pela ADPF 357, do parágrafo-único do art. 187 do CTN. [2] https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/09/06/anteprojetos-de-comissao-de-juristas-tem-foco-na-busca-de-consensos-e-no-combate-a-judicializacao
2023-10-28T11:19-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-28/natal-costa-57-anos-ctn-sistema-inquebrantavel-necessidade-evolucao2
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Opinião
Aislane Vuono: MP 1.185/23 e subvenções para investimentos
No último dia de agosto de 2023, o governo federal publicou a MP 1.185/2023, medida provisória que "dispõe sobre o crédito fiscal decorrente da subvenção para a implantação ou a expansão de empreendimento econômico", conforme consta na legislação.   Em seu artigo 1º, o documento, que, caso aprovado, passa a ter força de lei, define que "a pessoa jurídica tributada pelo lucro real que receber subvenção da União, dos estados, do Distrito Federal ou dos municípios para implantar ou expandir empreendimento econômico poderá apurar crédito fiscal de subvenção para investimento".   A medida provisória, nesse sentido, traz alterações no tratamento tributário acerca das subvenções para investimento e surge para regulamentar a tese firmada no Tema Repetitivo 1.182 pelo Superior Tribunal de Justiça, de que benefícios fiscais devem ser incluídos na base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), salvo quando atendidos os requisitos previstos no artigo 10, da LC nº 160/2017 e artigo 30, da Lei nº 12.973/2014.  Em outras palavras: a MP 1.185/2023 define regras que devem ser seguidas para a apuração e utilização do crédito, de modo que se possa garantir a isenção —  no entanto, há um debate importante em torno de tais normas. Neste artigo, vamos apresentar uma análise dos principais pontos e alterações estabelecidas pela MP.   Mudança integral  Em primeiro lugar, é importante pontuar que, a partir da edição e publicação da MP 1.185/2023 — a qual aguarda, ainda, votação e aprovação do Congresso Nacional para entrar em vigor no próximo ano —, o Poder Executivo não apenas modifica inteiramente o regime atual de isenção das subvenções para investimento, mas também revoga o artigo 30 da Lei 12.973/14, parágrafo 2º do artigo 38 do Decreto-Lei 1.598/1977, além do inciso X do parágrafo 3º do artigo 1º da Lei 10.637/2002 e do inciso IX do parágrafo 3º do artigo 1º da Lei 10.833/2003.  Assim, em caso de aprovação da medida provisória, a partir de 1º de janeiro de 2024, os contribuintes não poderão mais excluir os valores de subvenções no cálculo do IRPJ e CSLL. Em substituição a isso, cria-se um sistema de "crédito fiscal", por meio de ressarcimentos ou compensações com tributos federais.   Dessa forma, para pessoas jurídicas tributadas a partir do lucro real que receberem subvenções — sejam elas da União, dos estados ou dos municípios —, a MP estabelece a apuração de um crédito fiscal de subvenção para investimento, mas que não se aplica àquelas voltadas para custeio. De modo a obter acesso ao crédito fiscal, as empresas devem obter uma autorização por parte da Receita, e só serão beneficiadas caso a concessão da subvenção seja anterior ao momento de expansão do projeto econômico e  a situação da companhia esteja em conformidade com as condições e obrigações estabelecidas.  Contestações e debates  De acordo com uma explicação do Ministério da Fazenda, que expõe os motivos para a MP, o modelo anterior provocava distorções tributárias, insegurança jurídica e impactos negativos para a arrecadação da União, além de, segundo estimativas da pasta, promover potencialmente a arrecadação de mais de R$ 35 bilhões em 2024.  Contudo, a aprovação da medida provisória tem gerado discussões e contestações no meio jurídico e, naturalmente, no mercado.   Isso porque algumas interpretações sugerem que as alterações propostas distorcem e burocratizam o regime de incentivos de ICMS às empresas, dentro de um sistema já considerado bastante burocrático e complexo. As mudanças no tratamento tributário das subvenções para investimentos, ainda, tendem a decorrer em um aumento de carga tributária ao contribuinte.   Além disso, as condições estabelecidas para o acesso ao crédito fiscal podem torná-lo restritivo e inaplicável a boa parte dos projetos que já estão em operação e acabam por demandar, por parte das empresas, uma revisão de seu planejamento e projeções tributárias para 2024.   Conclusão  Conforme apresentado anteriormente, a MP 1.185/2023 tramita, agora, no Congresso Nacional, e depende da aprovação da Câmara e do Senado em até 120 dias — a partir da data de sua publicação — para que seja convertida em lei. Caso contrário, o documento perde seus efeitos após esse período.   Por se tratar de um assunto que as afeta diretamente, é fundamental que as empresas se aprofundem na temática e possam, assim, preparar-se para o contexto que se apresenta. Tendo em vista esse cenário e suas prováveis consequências, recomenda-se a busca por suporte jurídico especializado, a fim de jogar luz às possibilidades e caminhar por um terreno de maior segurança tributária.
2023-10-28T06:30-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-28/aislane-vuono-mp-118523-subvencoes-investimentos
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Opinião
Luísa Machado: Alíquota zero do PIS-Cofins no livro digital
A Lei nº 10.865/04, por meio do seu artigo 28, inciso VI[1], instituiu alíquota zero de PIS e Cofins sobre a receita decorrente da venda de livros. Entretanto, a citada regra restringiu o conceito de livro para fins de aplicação do citado benefício, considerando o tratamento do livro apresentado na Lei 10.753/03[2], que reconhecia como "livros" apenas os e-books para uso exclusivo de pessoas com deficiência visual. Em 2003, ao tempo da edição da Lei n. 10.753, tais e-books, geralmente comercializados em CD-ROM, eram uma exceção, e havia um certo sentido em beneficiar a comercialização de um produto desenvolvido para deficientes visuais. Ocorre que em 2017 o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou o Tema 593 —Imunidade tributária de livro eletrônico (e-book) gravado em CD-ROM. A decisão resultou na publicação da Súmula Vinculante nº 57, com a seguinte ementa: "A imunidade tributária constante do art. 150, VI, d, da CF/88 aplica-se à importação e comercialização, no mercado interno, do livro eletrônico (e-book) e dos suportes exclusivamente utilizados para fixá-los, como leitores de livros eletrônicos (e-readers), ainda que possuam funcionalidades acessórias". Ao julgar o tema em questão, o STF foi expresso em determinar que a interpretação das imunidades tributárias deve levar em consideração os avanços tecnológicos e sociais e que o suporte da obra, seja ele tangível ou intangível, não é essencial para a definição do conceito de livro.[3] Em que pese a clareza do julgamento do STF, a Receita Federal insiste em fazer uma interpretação restritiva — ou mesmo literal — do conceito de livro apresentado na Lei 10.753/03. Em 2017, por meio da Solução de Consulta da Cosit nº 3.93[4], a Receita deixou claro que a interpretação do artigo 28 da Lei nº 10.865/04 c/c artigo 2º da Lei nº 10.753/2003 deve ser restritiva, deixando de aplicar a alíquota zero de PIS e Cofins para os e-books. Em 2019, por meio de Solução de Consulta DISIT da 8ª Região Fiscal[5], o órgão revisitou o tema e manteve o entendimento anterior. Hoje, após 20 anos da edição da lei que define o conceito de livro, os contribuintes ainda precisam acionar o judiciário para que as evoluções tecnológicas e culturais sejam observadas na realização de uma interpretação teleológica da norma. Já é possível encontrar algumas decisões favoráveis nos Tribunais Regionais Federais da 1ª Região e da 3ª Região que aplicam a ratio decidendi adotada pelo STF no Julgamento do Tema 593. Confira-se um trecho da decisão proferida no TRF da 1ª Região: "Uma vez reconhecida a inclusão do serviço de clipping no conceito de livro para fins de imunidade tributária, natural que também seja incluído no conceito de livro para fins do art. 28, VI, da Lei n. 10.865/04, o qual reduziu a zero as alíquotas do PIS e da Cofins (...)"[6]. Agora confira-se um trecho da decisão proferida no TRF da 3ª Região: "Em que pese o conteúdo literal do dispositivo em comento, hodiernamente, não se pode fechar os olhos para o avanço tecnológico com que vivemos, até mesmo na área educacional e cultural. O livro vem cedendo espaço cada vez mais para a informática."[7] Face à insistência da Receita, mesmo após o julgamento do Tema 593, em realizar o que acreditamos ser uma interpretação literal, e não apenas restritiva, do conceito de livro apresentado pela Lei 10.753/03, entendemos recomendável aos que os contribuintes que comercializam e-books que busquem medidas judiciais para garantir a aplicação da alíquota zero do PIS e da Cofins, para assegurarem a sua competitividade no mercado literário. _____________________________ [1] "LEI Nº 10.865/04: Art. 28. Ficam reduzidas a 0 (zero) as alíquotas da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre a receita bruta decorrente da venda, no mercado interno, de: (...) VI - livros, conforme definido no art. 2º da Lei nº 10.753, de 30 de outubro de 2003;” [2] “Art. 2o Considera-se livro, para efeitos desta Lei, a publicação de textos escritos em fichas ou folhas, não periódica, grampeada, colada ou costurada, em volume cartonado, encadernado ou em brochura, em capas avulsas, em qualquer formato e acabamento. Parágrafo único. São equiparados a livro: (...) VII - livros em meio digital, magnético e ótico, para uso exclusivo de pessoas com deficiência visual; VIII - livros impressos no Sistema Braille”. [3] “A interpretação das imunidades tributárias deve se projetar no futuro e levar em conta os novos fenômenos sociais, culturais e tecnológicos. Com isso, evita-se o esvaziamento das normas imunizantes por mero lapso temporal, além de se propiciar a constante atualização do alcance de seus preceitos. (...) O art. 150, VI, d, da Constituição não se refere apenas ao método gutenberguiano de produção de livros, jornais e periódicos. O vocábulo “papel” não é, do mesmo modo, essencial ao conceito desses bens finais. O suporte das publicações é apenas o continente (corpus mechanicum) que abrange o conteúdo (corpus misticum) das obras (...). Assim, a variedade de tipos de suporte (tangível ou intangível) que um livro pode ter aponta para a direção de que ele só pode ser considerado como elemento acidental no conceito de livro. (RE 330.817, rel. min. Dias Toffoli, P, j. 8-3-2017, DJE 195 de 31-8-2017, Tema 593.) [4] SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 393, DE 05 DE SETEMBRO DE 2017. ASSUNTO: CONTRIBUIÇÃO PARA O PIS/PASEP EMENTA: Não se aplica a Alíquota Zero da Contribuição para o PIS/PASEP à importação e venda, no mercado interno, de livros em meio digital, exceto quando destinados para uso exclusivo de pessoas com deficiência visual. Por seu turno, as mídias digitais que acompanham os livros impressos, contendo textos derivados de livro ou originais, produzidos por editores, mediante contrato de edição celebrado com o autor, estão sujeitas, na importação e venda no mercado interno, à Alíquota Zero da Contribuição para o PIS/PASEP, ainda que não sejam destinadas exclusivamente ao uso de pessoas com deficiência visual. DISPOSITIVOS LEGAIS: Lei nº 5.172, de 1966 (Código Tributário Nacional), art. 111; Lei nº 10.753, de 2003, art. 2º; Lei nº 10.865, de 2004, arts. 8º, § 12, XII, e 28, VI. (...) [5]  SOLUÇÃO DE CONSULTA DISIT/SRRF08 Nº 8022, DE 29 DE NOVEMBRO DE 2019. Assunto: Contribuição para o PIS/Pasep. Ementa: VENDA NO MERCADO INTERNO. ALÍQUOTA ZERO. LIVROS EM MEIO DIGITAL. Não se aplica a alíquota zero da Contribuição para o PIS/Pasep à venda no mercado interno de livros em meio digital, exceto quando destinados para uso exclusivo de pessoas com deficiência visual. SOLUÇÃO DE CONSULTA VINCULADA À SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 393, de 2017 Dispositivos Legais: Lei nº 5.172, de 1966 (Código Tributário Nacional), art. 111; Lei nº 10.753, de 2003, art. 2º; Lei nº 10.865, de 2004, arts. 8º, § 12, XII, e 28, VI. Assunto: Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - Cofins Ementa: VENDA NO MERCADO INTERNO. ALÍQUOTA ZERO. LIVROS EM MEIO DIGITAL. Não se aplica a alíquota zero da Cofins à venda no mercado interno de livros em meio digital, exceto quando destinados para uso exclusivo de pessoas com deficiência visual. SOLUÇÃO DE CONSULTA VINCULADA À SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 393, de 2017. Dispositivos Legais: Lei nº 5.172, de 1966 (Código Tributário Nacional), art. 111; Lei nº 10.753, de 2003, art. 2º; Lei nº 10.865, de 2004, arts. 8º, § 12, XII, e 28, VI. [6] TRF1; AI 1004915-17.2017.4.01.0000, Juíza Federal Cristiane Pederzolli Rentzsch, PJE 27/09/2017 [7] TRF3; 0023567¬16.2015.4.03.0000/SP; Relator Desembargador Federal NERY JUNIOR; Publicado em 03/04/2017
2023-10-29T09:17-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-29/luisa-machado-aliquota-zero-pis-cofins-livro-digital
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Processo Tributário
Prequestionamento ficto e estratégia para conhecimento do especial
Se de uma lado o prequestionamento de norma federal é um dos pressupostos de admissibilidade indispensável para que o STJ (Superior Tribunal de Justiça) possa julgar, em recurso especial, as causas decididas em única ou última instância pelos tribunais locais, de outro, para quem postula, cabe o ônus de previamente provocar manifestação jurisdicional acerca das questões em suas razões recursais. Para tanto, em primeiro grau isso deve ocorrer por intermédio das alegações postas no petitório inicial dentro do tópico da causa de pedir (com indicação das razões fáticas e do direito); se perante o Tribunal de Justiça ou o Tribunal Regional Federal — via apelação ou agravo de instrumento —, nas suas respectivas causas recursais, porque se as questões não forem previamente apreciadas nessa instância ordinária, muito provavelmente o óbice da falta de prequestionamento incidirá na espécie, acarretando, no ponto, o não conhecimento do recurso especial (Súmulas 282 [1] e 356 [2] do Supremo Tribunal Federal), quiçá implicará sua inadmissibilidade. Ainda que em estrita observância e cumprimento de tal desiderato, não raro o recorrente se depara com acórdãos destituídos de adequada fundamentação, providência indispensável para  o exercício do direito de recorribilidade e obtenção de julgamento de mérito da causa sub judice. Nessa hipótese, a saída é buscar a correção do vício da omissão por meio de embargos de declaração pautados no que dispõe o artigo 1.022, II do Código de Processo Civil/2015 no intuito de conferir às partes uma prestação jurisdicional completa, isto é, amplamente fundamentada, a fim de materializar o que determina o artigo 93, inciso IX, da Constituição e o inciso II do parágrafo único, do artigo 1.022 do código processual. Importante deixar claro que os embargos de declaração, no âmbito do Tribunal de 2ª instância, para além de visar sanar o vício da omissão, servem como derradeira oportunidade de provocar o exame de elemento fático-probatório desconsiderado quando do julgamento da apelação ou do agravo de instrumento. Mas não só. Compreendem os embargos de declaração, nessa etapa do processo, via, imprescindível, diga-se de passagem, para prequestionamento da questão (ou questões) de direito com vistas à interposição do recurso especial, dos quais o enunciado da súmula 98 [3] do STJ afasta a possibilidade de serem reputados protelatórios. Todavia, se a despeito de todo o esforço em buscar a faltante fundamentação jurisdicional com a interposição dos embargos de declaração se perpetuar na Corte local a omissão, seja relacionada à questão fático-probatório ou ao indispensável argumento de direito, estaremos diante de hipótese de negativa de prestação jurisdicional a ensejar a interposição de recurso especial por violação do artigo 1.022 do Código de Processo Civil/2015. A estratégia recursal toma como pressuposto a função precípua da juridição que é a de atender a finalidade máxima do processo, ou seja, promover uma solução de mérito do conflito. Como a partir desse estágio do processo (prolação de acórdão pelo colegiado do tribunal local) não se oportunizará mais o chamado efeito regressivo, isto é, o retorno dos autos ao órgão julgador para analisar questão de fato e/ou de direito infraconstitucional federal, a solução é acessar o STJ. Nesse ponto o prequestionamento, especialmente com a provocação via embargos de declaração, ganha contornos específicos que devem ser cuidadosamente observados na confecção das razões recursais do especial, pois seu objeto deve ser certeiro e devidamente fundamentado, haja vista a intenção de obter a anulação do acórdão recorrido (error in procedendo) ou sua reforma (error in iudicando). Se se tratar de insurgência quanto à omissão ou desconsideração fático-probatória, o cuidado deve ser redobrado, a fim de afastar o óbice da súmula 7 [4] do STJ, havendo-se que invocar no recurso especial a alegação de violação de lei federal, especificamente do artigo 1.022 adrede referido e pleitear a anulação (caso de error in procedendo) do acórdão recorrido, a fim de que o Tribunal local, soberano na análise fático-probatória, a respeito se manifeste. Que se tenha claro que, nessa hipótese, "a devolução dos autos à origem para a análise do tema não significa 'dizer que as questões arguidas serão acolhidas, muito menos que serão rejeitadas, o intuito do retorno dos autos é conferir às partes uma prestação jurisdicional completa e fundamentada'" [5]. Caso o debate esteja relacionado à manutenção de omissão de questão de direito infraconstitucional federal, submetida a embargos de declaração desprovidos cuja descrição do(s) fato(s) está posta no acórdão recorrido [6], deve o recurso especial conter tópico específico indicando que a questão de direito está fictamente prequestionada, o que autoriza o conhecimento e provimento do recurso no âmbito do Superior Tribunal de Justiça para reformar o acórdão recorrido (caso de error in iudicando). É essa a inteligência do artigo 1.025, do Código de Processo Civil/2015: "Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade." Advirta-se: para a aplicação desse dispositivo e obtenção da reforma do acórdão recorrido é indispensável que a peça recursal contenha alegação de violação ao artigo 1.022, do Código de Processo Civil/2015. Isto porque, a pretensão de reforma do acórdão recorrido por suposta violação/negativa de vigência à norma federal parte da premissa de que houve o prequestionamento a que se refere o artigo 1.025, com a indispensável interposição dos embargos de declaração e a demonstração da relevância e pertinência da matéria que merece ser analisada [7]. Neste sentido há julgados do STJ, muito bem representado no que se afirma no seguinte: "A admissão de prequestionamento ficto (artigo 1.025 do CPC/15), em recurso especial, exige que no mesmo recurso seja indicada violação ao artigo 1.022 do CPC/15, para que se possibilite ao Órgão julgador verificar a existência do vício inquinado ao acórdão, que uma vez constatado, poderá dar ensejo à supressão de grau facultada pelo dispositivo de lei." [8] Do quanto aduzido, percebe-se que obter análise de mérito no âmbito do STJ pode demandar um tratamento da peça recursal focado em disposições que regem a atuação jurisdicional, portanto, de natureza processual, não apenas do direito invocado como causa de pedir do processo (mérito do processo).   [1] É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada. [2] O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento. [3] Súmula 98, STJ: "Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório". [4] Pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial. [5] AgRg no AgRg no Ag nº 869.343/SP, relator ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 27/9/2011, DJe 4/10/2011). [6] "Descritos os fatos no acórdão objurgado, é possível ao STJ, sem violação à Súmula nº 7, deles extrair conclusão jurídica diversa da que chegou o Tribunal estadual" (REsp 214.410/PR, relator ministro Barros Monteiro, relator p/ acórdão ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 06/11/2007, DJe de 14/04/2008). Caso em que a premissa fática adotada é, inclusive, incontroversa. (...) (AgInt no AREsp nº 1.029.346/RJ, relator ministro Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF 5ª Região), Quarta Turma, julgado em 1/3/2018, DJe de 9/3/2018). [7] EDcl no AgInt no AREsp nº 2.222.062/DF, relator ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 21/8/2023, DJe de 23/8/2023. [8] REsp 1.639.314/MG, relatora ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 4.4.2017, DJe 10.4.2017.
2023-10-29T08:00-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-29/processo-tributario-prequestionamento-ficto-estrategia-conhecimento
tributario
Tempo perdido
Prazo prescricional para multa administrativa é de cinco anos
Na ausência de regra especial destinada a regular a prescrição de cobrança de multa administrativa, é de cinco anos o prazo prescricional para o ajuizamento da execução fiscal de cobrança da multa, contado do momento em que se torna exigível o crédito, com o vencimento do prazo do seu pagamento.  Assim, a juíza Luciane Cristina Duarte da Silva, da 2ª Vara Judicial de Fazendas Públicas de Guapó (GO), extinguiu uma execução fiscal movida pela prefeitura da cidade contra uma companhia de telefonia. O município cobrava o pagamento de créditos relativos ao ISS e à Taxa de Licença Ambiental para o funcionamento de uma torre de transmissão. No processo, a marca apresentou comprovante de quitação dos débitos de ISS. Além disso, sustentou o reconhecimento da prescrição para a cobrança da taxa ambiental, já que, segundo consta no processo, o município queria receber o crédito constituído em março de 2014 por meio da execução fiscal ajuizada em abril de 2022 — oito anos depois. Questionada, a prefeitura informou que a baixa da cobrança do ISS deveria ser feita manualmente e que a empresa deveria ir ao departamento de protocolos da cidade. Além disso, sobre a legalidade da cobrança da taxa ambiental (no valor de R$ 7 mil), a empresa deveria acionar o órgão municipal para procedimento administrativo, extrajudicialmente. Analisando o caso, a magistrada reconheceu o comprovante de quitação do ISS, determinando a extinção do crédito tributário. Sobre a taxa ambiental, a juíza seguiu entendimento firmado pela 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial 623.023. Na ocasião, o colegiado decidiu que o prazo prescricional para a cobrança de multa administrativa deve ser de cinco anos, conforme dispõe o Decreto 20.910/1932. "Com efeito, na cobrança de seus créditos, à administração pública deve-se impor a mesma restrição aplicada ao administrado quando pretende receber dívidas passivas daquela, observando-se o princípio da igualdade, corolário do princípio da simetria." A juíza observou que, na Certidão de Dívida Ativa (CDA) em questão, o vencimento do débito seria em 31 de março de 2014. Contudo, a execução fiscal foi ajuizada em 7 de abril de 2022, ou seja, após transcorrido o prazo prescricional, cuja data-limite era 31 de março de 2019. "Forçoso reconhecer a prescrição originária do crédito tributário objeto da CDA 47843/2019, e por consequência, a nulidade da mencionada Cédula de Dívida Ativa." A empresa foi representada na ação pelo escritório Ernesto Borges Advogados. Clique aqui para ler a decisão Processo 5585083-31.2022.8.09.0069
2023-10-30T21:59-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-30/prazo-prescricional-multa-administrativa-cinco-anos
tributario
Opinião
Opinião: Tributação 4.0, repensar tributos na era digital
O livro Tributação 4.0: Repensar os Tributos na Era Digital será lançado em Coimbra, Portugal, no próximo dia 5 de novembro, em evento que antecede o Fórum Futuro da Tributação, do Fórum de Integração Brasil-Europa (Fibe) e pelo Instituto Jurídico (IJ) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. A obra propõe um debate amplo sobre os impactos da digitalização no campo tributário. Com quase 700 páginas, 31 capítulos e 54 autores, o livro publicado pela editora Almedina oferece visão ampla e diversificada sobre o tema: autores brasileiros e estrangeiros; representantes de fiscos e contribuintes; juristas, contabilistas, administradores e economistas; professores, pesquisadores, servidores públicos e profissionais do setor privado. Todos com sólida formação acadêmica e grande experiência profissional, o que que lhes permitiu aceitar o desafiador convite de escrever sobre as controvérsias, oportunidades e perplexidades que marcam a cobrança de impostos na era digital. Os números do livro e os predicados dos autores dão uma boa noção do tamanho do desafio que é escrever sobre os sistemas tributários hoje com pés fincados na realidade e olhos voltados para o futuro. O processo de digitalização trouxe mudanças econômicas tão rápidas quanto profundas e criou importantes incertezas fiscais no Brasil e em todo o mundo. Nenhuma das bases tradicionais da tributação — renda, consumo, propriedade e trabalho — parece imune à mudança em curso. E os entraves à efetivação de reformas tributárias, que nunca foram pequenos, especialmente no Brasil, tornam-se maiores e mais complexos no contexto de uma economia digital, baseada em trocas instantâneas, virtuais e transnacionais. Do ponto de vista teórico, é pouco provável que esse mundo novo e digital caiba perfeitamente nos conceitos, institutos e constructo teóricos formulados para uma realidade analógica. Ainda que pareça precipitado conjecturar quais devem ser os impostos e sistemas tributários do futuro, já se pode dizer: não serão como os do século 20, não serão como os que cobramos hoje. Repensar os tributos é um desafio institucional que se coloca para as instituições públicas e para a academia. É preciso compreender o novo e avaliar os caminhos da tributação na era digital, do ponto de vista da política fiscal, da arrecadação tributária e, sobretudo, da justiça fiscal. Diferentemente de outras importantes obras lançadas a respeito do tema, o livro não se limita a examinar como os velhos tributos podem alcançar os novos negócios e serviços digitais. Tampouco se resume a discutir as atuais e instigantes questões em torno da tributação justa e efetiva das gigantes de tecnologia e das plataformas digitais, em disputa por Autoridades Fiscais de diferentes continentes. Por mais intrigantes e importantes que sejam essas questões, nem de longe esgotam o debate dos impostos digital hoje. Mais do que apenas mudanças tecnológicas, estamos lidando com alterações nas relações laborais, comerciais, econômicas e sociais —inclusive nas relações políticas. E, como se sabe, os sistemas tributários devem espelhar as novas condições da economia e da sociedade e inexoravelmente precisam ser alterados para adequar-se a esse mundo em transformação. Os tributos devem ir aonde a propriedade — rectius: riqueza — está. Não há imposto imune ao tempo. Não por acaso escolheu-se a emblemática Universidade de Coimbra, em Portugal, para lançar esta obra coletiva. O lançamento precederá a abertura do Fórum Futuro da Tributação, organizado pelo Fibe, em parceria com o Instituto Jurídico daquela Universidade (para mais informações, ver: aqui). O evento contará com a participação de diversos autores do citado livro, além de pesquisadores de diferentes nacionalidades. Icônico, pleno de história e simbolismo, o local escolhido permite-nos ver presente, passado e futuro e chamar atenção para momento de ruptura que a civilização hoje enfrenta, em diferentes dimensões, inclusive no que concerne a conceitos, instrumentos e instituições tributárias. É importante destacar que esta obra coletiva representa a continuidade de um debate acadêmico iniciado com a publicação do primeiro volume do livro Tributação 4.0, em abril de 2020, poucas semanas depois de decretada em escala mundial a pandemia da Covid-19. Aliás, trata-se de um dos primeiros livros a serem lançamentos em evento integralmente virtual no Brasil (a gravação está disponível aqui). Empreender esforços para realizar lançamentos em formatos diferentes é também uma maneira de atrair a atenção para o conteúdo de livros inovadores. Fica aqui o nosso convite para ler o livro Tributação 4.0: Repensar os Tributos na Era Digital e tomar parte nos debates do Fórum Futuro da Tributação. O novo livro e o Fórum não têm a ambição de dar respostas para as várias e complexas questões lançadas. Nem poderiam num tempo de tantas novidades tecnológicas, mudanças econômicas e incertezas fiscais. Mas apresentam contribuições para reflexões técnicas inevitáveis hoje e, sobretudo, um convite para o necessário debate, amplo e sem preconceito sobre o futuro dos impostos. Clique aqui para adquirir o livro
2023-10-30T19:20-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-30/opiniao-tributacao-40-repensar-tributos-digital
tributario
Justiça Tributária
Quem vai pagar a conta da PEC 45, a reforma do improviso?
Na semana passada, o senador Eduardo Braga apresentou seu relatório sobre a PEC 45-A, o qual será submetido nos próximos dias à Comissão de Constituição e Justiça daquela Casa. Diversos aspectos foram aperfeiçoados, o que demonstra o esforço do senador em consertar o que era e permanece ruim, embora muitos pontos que deveriam ter sido alterados estão intocados. O fato é que estamos defronte a uma Reforma Tributária do Improviso. Não foi feito um plano de voo. Sabe-se que o foco é a reforma tributária voltada ao consumo, visando a introdução do IVA no Brasil, mas seria muito importante saber o que pensa o atual governo, que está em seu primeiro ano de mandato, sobre as demais incidências básicas: a renda e o patrimônio. O que será feito nesses âmbitos? Não é para fazer todas as reformas ao mesmo tempo, mas daria segurança jurídica saber o rumo do atual governo nesses aspectos. Sem um plano de voo tudo fica mais obscuro e as incertezas aumentam. Não foi feito um estudo de impacto econômico. Não se trata de saber a alíquota, o que só poderá ser delimitada ao final do atual processo legislativo, mas saber o impacto da adoção de um IVA (CBS + IBS) nos diversos setores da economia. Há muita incerteza no horizonte e versões contraditórias. Quando se escuta o setor do agronegócio, a impressão é que será uma catástrofe, reduzida pelas exceções introduzidas ao longo do caminho. O mesmo ocorre quando se escuta o setor de serviços. Já o segmento exportador aplaude o encaminhamento que vem sendo adotado. O setor industrial é só apoio. Há também o silêncio eloquente do setor financeiro, o que indica aprovação. O fato é que nenhum estudo oficial de impacto econômico foi apresentado até aqui, e as votações estão sendo realizadas ao sabor dos lobbies setoriais, sem dados confiáveis, o que, mais uma vez, demonstra o improviso. Ao apresentar seu Relatório, o Senador Eduardo Braga previu aumento de 50% — cinquenta por cento! — no Fundo de Desenvolvimento Regional. Os valores anuais passarão de R$ 40 bilhões para R$ 60 bilhões, e, ao que tudo indica, com anuência do Ministro da Fazenda. Não sei se isso é bom ou ruim, mas posso afirmar que se trata de um improviso, fruto da inexistência do plano de voo e dos estudos de impacto econômico acima mencionados. Afinal, um plano bem-feito jamais admitiria um aumento anual de 50% de dispêndios. Ou é improviso ou é balela para inglês ver. Isso aumenta a despesa pública, com impactos financeiros. Outra medida curiosa é a trava (mais uma regra de teto) proposta no Relatório. Não há dúvida que se trata de uma proposta bem-intencionada, mas como se dará o controle? Qual a sanção? O método de apuração dessa trava inclui no cálculo a média dos dez últimos anos, o que insere todo o período pandêmico e algumas recessões. Estará adequado? Pode ser que sim ou que não, o que revela mais um improviso, à míngua de dados concretos. Estão sendo criados regimes específicos para algumas atividades, sem que se saiba exatamente o que isso significa, exceto que se trata de uma fuga do regime geral. Qual seu impacto? Com o Relatório surgiram duas diferentes cestas básicas: a cesta básica-básica e a cesta básica-estendida — o que isso significa só será descoberto efetivamente na lei complementar, que será um outro campo de batalha. Foi mantida a tributação pelos Fundos estaduais — a famigerada contribuição estadual –, tendo sido afastada as expressões antes contidas no texto, que só permitiam sua incidência sobre "produtos primários e semielaborados". Independente disso, foi estabelecida uma incidência de 1% do Imposto Seletivo sobre a atividades de extração de produtos naturais não renováveis, o que inclui mineração e petróleo. Onde estão os estudos acerca do impacto desse tributo na inflação, pois alcança desde o tijolo e o cimento (produtos minerais) até a gasolina? Será que a tributação estadual afastará a federal, ou vice-versa? O Imposto Seletivo — IS foi ligeiramente aperfeiçoado, ao ser estabelecido que incidirá uma única vez sobre o bem ou serviço, embora ainda exista uma enorme zona de incerteza em face das cadeias produtivas. Uma vez tributado pelo IS um bem que se insere em uma cadeia produtiva, não poderá haver nova incidência desse mesmo tributo? Se o açúcar vier a ser tributado, os produtos decorrentes, como os refrigerantes, sofrerão a mesma incidência? Para tornar breve uma longa história, respondo à pergunta formulada no título: quem vai pagar a conta desse aumento de carga tributária, fruto do improviso, não é o contribuinte – isso mesmo caro leitor! Não será o contribuinte a pagar, pois, como regra, transferirá o custo do aumento de tributos para o preço dos bens e serviços que produz ou comercializa. Quem pagará a conta é o consumidor, salvo raríssimas exceções. Essa conta é composta pelo aumento da carga tributária e pelo aumento da despesa pública. Isso inexoravelmente implicará em majoração de todos os preços. O terremoto tributário que se avizinha não tem paralelo na história brasileira e seus impactos não estão sendo dimensionados. Ancora-se todas as esperanças em seu dilatado prazo de início de vigência, como se fosse uma boia de salvação. Há muita complexidade à vista e contínuas alterações constitucionais. Com o Relatório já se computam 43 páginas de alterações constitucionais apenas em matéria tributária – algo jamais visto em qualquer país. Como se costuma dizer nos insossos comunicados corporativos: parabéns aos envolvidos.
2023-10-30T08:00-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-30/justica-tributaria-quem-pagar-conta-pec-45-reforma-tributaria-improviso
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Opinião
Sergio André Rocha: Equilíbrio fiscal e o PL das Subvenções
Um dos temas controversos em Direito Financeiro é o princípio do equilíbrio orçamentário. O debate se tornou ainda mais complexo recentemente, conforme foi ganhando espaço no discurso público a chamada "Teoria Monetária Moderna", que basicamente sustenta que Estados monetariamente soberanos não precisam se financiar a partir da arrecadação de impostos. [1] De toda maneira, a despeito das controvérsias entre economistas, cremos que na realidade brasileira de hoje o equilíbrio fiscal se impõe como um princípio que orienta diversas regras presentes no ordenamento jurídico. Com efeito, ao analisarmos o disposto nos artigos 165 a 169 da Constituição é possível facilmente construir um princípio implícito, entendido como uma norma que indica um estado de coisas a ser alcançado, no sentido de que se deve buscar o equilíbrio entre receitas e despesas. Como um princípio, o equilíbrio orçamentário não teria um caráter tudo ou nada e conviveria com orçamentos deficitários. Nada obstante, não nos parece questionável que haja implícito na Constituição um princípio que aponta para o equilíbrio fiscal como objetivo. Se na Lei Maior o equilíbrio fiscal está implícito, na Lei de Responsabilidade Fiscal ele não poderia ser mais explícito. Desde o disposto no § 1º do seu artigo 1º, passando por todos os dispositivos que regulam a receita e sua renúncia, bem como a despesa pública, vemos que a Lei de Responsabilidade Fiscal é o estatuto do equilíbrio orçamentário e da transparência. Como nos ensina o professor Marcus Abraham, um dos grandes nomes do nosso Direito Financeiro, "a disciplina na gestão fiscal responsável, a partir da contabilidade entre o volume de receitas e os gastos públicos, é considerada pela LRF uma condição necessária para assegurar a estabilidade econômica e favorecer a retomada do desenvolvimento sustentável". "Mas não se trata de uma equação matemática cujo resultado encontra sempre o mesmo valor de receitas e despesas e uma diferença numérica exata, sempre igual a zero, indicando o perfeito equilíbrio. Permite-se a flexibilidade financeira, desde que se tenha a identificação dos recursos necessários à realização dos gastos, de maneira estável e equilibrada, numa relação balanceada entre meios e fins". [2] Dessa forma, o Poder Executivo tem o dever jurídico de buscar o equilíbrio fiscal, mesmo que não pareça que sejam a Constituição e a Lei de Responsabilidade Fiscal que estejam pautando a obsessão do governo com o equilíbrio das contas públicas. Existe um outro ente, mais abstrato que diplomas normativos, mas muito concreto na realidade política, que também é obcecado por equilíbrio orçamentário: o "Mercado". Não é nosso propósito comentar se a busca desesperada por equilíbrio fiscal é a política econômica mais adequada neste momento. O propósito deste texto é lidar com suas consequências na área tributária, chegando ao tema do título acima, o projeto de lei que disciplina a tributação das subvenções públicas. Parando algum tempo para refletir, vamos notar que praticamente todas as grandes iniciativas do governo no Congresso, que ganharam enorme divulgação na mídia, referem-se direta ou indiretamente à tributação. O Executivo federal até foi arrastado para algumas pautas como a demarcação de terras indígenas, a descriminalização do aborto e a exploração de hidrocarbonetos na Amazônia. Contudo, nenhum desses temas foi de iniciativa do governo. Praticamente todos os movimentos importantes da Administração federal se deram no campo tributário ou tiveram alguma relação com a tributação e a busca pelo equilíbrio fiscal. Esse contexto mostra-se extremamente perigoso e fértil para discursos imperfeitos e elaborações legislativas defeituosas. Um grande exemplo que une a imperfeição discursiva e uma lei obtusa veio com a volta do voto de qualidade no Carf — que, a propósito, sempre apoiamos. Não havia dúvida que era necessário superar o modelo, estranho para dizer o mínimo, criado pela Lei nº 13.988/2020, que tinha sido aprovado na calada da noite em uma das primeiras deliberações do Congresso no período da pandemia. Basta pensarmos que a sessão da Câmara dos Deputados que votou o texto do que viria a ser o artigo 19-E da Lei nº 10.522/2002 se deu em 18 de março de 2020, na primeira semana do lockdown, quando as pessoas só tinham atenção para o coronavírus. Um propósito correto — reverter a patologia gestada pela Lei nº 13.988/2020 — foi seguido por desinformação, discursos equivocados feitos por diversos atores do Ministério da Fazenda, e redundou na aprovação da Lei nº 14.689/2023, cujo texto defeituoso tem desafiado a inteligência dos estudiosos do processo administrativo fiscal, como percebemos a partir das análises de Carlos Augusto Daniel Neto aqui e aqui, de Liziane Angelotti Meira, aqui, e de Thais de Laurentiis, aqui. Parece que o mesmo açodamento está ocorrendo no que se refere à corrida para se alterar o marco legal tributário das subvenções públicas, atualmente objeto do Projeto de Lei nº 5.129/23. O tema das subvenções públicas é amplo e complexo demais para ser tratado em toda a sua extensão em uma coluna. [3] A hipercomplexidade da matéria decorre diretamente de sua conexão com um dos temas que mais evidenciam a disfuncionalidade do Sistema Tributário Nacional: os benefícios fiscais de ICMS. Seria possível argumentar que o modelo para a concessão de tais incentivos, estabelecido na alínea "g" do inciso XII do artigo 155 da Constituição Federal e na Lei Complementar nº 24/1975 estivesse fadado ao insucesso. Ainda mais tendo sido estabelecido sob a exigência de unanimidade para a aprovação de qualquer benefício fiscal do imposto estadual. Contudo, a ineficiência do modelo não pode ser culpada por um dos mais descarados descumprimentos das regras constitucionais e infraconstitucionais por entes públicos de nossa história tributária. Nesse contexto, benefícios fiscais de ICMS, que deveriam ser utilizados como instrumentos excepcionais, constitucionais e legítimos, de política econômica estadual, foram sucessivamente editados sem respeito às balizas constitucionais e sem qualquer evidência de conexão com políticas públicas transparentes. Esse comportamento inconstitucional acabou legitimado pela Lei Complementar nº 160/2017, que entendeu por bem premiar os desvios constitucionais dos Estados, constitucionalizando muitos benefícios que eram verdadeiros privilégios tributários. Ora, não é de se espantar que a União, através da Receita Federal e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, se incomodasse com os reflexos dos incentivos fiscais estaduais na apuração dos tributos federais. Tal incômodo se manifestava nas intermináveis disputas sobre a qualificação desses benefícios como subvenção para investimentos ou subvenção de custeio. Em sua dicotomia original, uma subvenção para investimentos refletiria benefícios fiscais concedidos como instrumento de política econômica dos estados, que direcionariam recursos públicos para investimentos privados, tendo como objetivo a realização de fins que beneficiariam, de alguma forma, a sociedade. A noção de uma subvenção de custeio, em que não estariam presentes tais finalidades, sempre nos pareceu estranha. A transferência de recursos públicos para entes privados sem a caracterização acima seria, segundo vemos, simplesmente inconstitucional. Um benefício fiscal estadual legítimo, que gere o reconhecimento de uma receita no resultado da pessoa jurídica e que não seja distribuído para os seus sócios ou acionistas, não pode ser tributado pela União. Nesse sentido, parece-nos correto o entendimento do Superior Tribunal de Justiça nos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 1.517.492, no sentido de que as decisões de investimento dos entes subnacionais não podem ser impactadas pela tributação federal, sob pena de violação do pacto federativo — não é uma questão de imunidade recíproca, mas de desrespeito à autonomia financeira dos entes subnacionais. Esta interpretação seria aplicável de forma mais clara aos créditos presumidos e a outras formas de subvenção governamental que transitem pelo resultado das empresas. Daí, em mais um capítulo surpreendente desta novela, inicia-se um debate sobre a aplicação desta posição a outros tipos de benefício fiscal, como, por exemplo, as isenções, que nunca foram contabilizadas como receitas. Os motivos ulteriores que deram origem a esse debate sobre a contabilização das isenções e de outros benefícios fiscais equivalentes — e se eles resultariam nos objetivos almejados — fogem ao escopo deste artigo. Escrevemos sobre um aspecto desse debate, a diferenciação entre "grandezas positivas" e "grandezas negativas" aqui. O que podemos afirmar é que o entendimento que defendemos acima, no sentido da não tributação de receitas geradas por benefícios fiscais estaduais, seria aplicável a todo e qualquer benefício fiscal que transite pelo resultado da pessoa jurídica. O quanto essa posição será compatível com a tese firmada pelo STJ no Tema 1.182, na versão final pós julgamento dos embargos de declaração que se encontram pendentes de análise, é algo que devemos esperar para ver. Ademais, essa matéria é evidentemente constitucional, de modo que se deve esperar que em algum momento o Supremo Tribunal Federal venha a se manifestar sobre o tema. Feitos esses breves comentários, voltaremos nossa atenção ao Projeto de Lei nº 5.129/23 (PL 5.129). O ponto de partida deste projeto de lei é a tributação das subvenções governamentais pelo Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ), pela Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), pela Contribuição para o PIS e pela Cofins. Neste particular, o PL 5.129 nos parece potencialmente inconstitucional. Como vimos, tributar o reflexo no resultado de benefícios fiscais de ICMS legítimos, cujos efeitos financeiros não sejam distribuídos para os sócios ou acionistas da pessoa jurídica, não é uma decisão que possa ser tomada pela União, por incompatível com a autonomia dos entes subnacionais para realizarem políticas públicas por meio da concessão de subvenções. O equívoco jurídico desta iniciativa legislativa pode acabar custando caro, como já se percebe pelas dificuldades em sua tramitação e pelo "preço" — com e sem aspas — que está sendo cobrado pelo Poder Legislativo para a sua aprovação. Assim como aconteceu com o caso do voto de qualidade no Carf, faz bastante sentido que se busque "fechar a porteira" que foi aberta pela Lei Complementar nº 160/2017, com a equiparação de qualquer incentivo de ICMS a subvenções para investimento. Contudo, ignorar o tanto que já se avançou no debate deste tema, tendo como foco a busca do equilíbrio fiscal no curto prazo, parece errar o alvo. O PL 5.129 gerará um contencioso tributário que levará anos para ser solucionado. Segundo vemos, o caminho mais adequado seria a edição de um novo regime tributário para as subvenções, que restringisse a sua não tributação àquelas situações em que estivesse claro o uso da subvenção de investimento como instrumento de política pública. Típicas subvenções para investimentos, quando a renúncia fiscal pode ser equiparada a um gasto tributário estratégico do ente subnacional, devem ser a exceção, e não a regra. Poder-se-ia argumentar que a nossa sugestão seria alcançada com a concessão do crédito de IRPJ de que trata o projeto de lei. Contudo, cremos que argumento nessa linha seja equivocado. Caso se entenda, como estamos defendendo, que a tributação das receitas de subvenção é inconstitucional, teremos um cenário onde os fatos-acréscimo de patrimônio não serão tributáveis e, adicionalmente, o contribuinte terá o direito de apurar um crédito de IRPJ, um absoluto contrassenso. Tirando o contencioso referente ao novo regime tributário das subvenções, que cremos ser inevitável, o PL 5.129 certamente gerará litígios decorrentes da sua própria interpretação/aplicação. Podemos falar das dificuldades inerentes aos conceitos de instalação e expansão de empreendimentos econômicos, ou mesmo da restrição do crédito a instalações e expansões físicas de empreendimentos. Do fato de que não se previu um crédito de CSLL ou mesmo das eventuais controvérsias sobre o procedimento de habilitação das pessoas jurídicas para fazerem jus ao crédito de subvenção. Contudo, nada pior que a apuração do crédito. Com efeito, o PL 5.129 — assim como a Medida Provisória nº 1.185/2023, antes dele — fez a opção por calcular o crédito tendo por base a dita "receita de subvenção", que não é equivalente ao montante do benefício fiscal contabilizado como receita, já que a sua determinação passa pelas condições e ajustes previstos nos artigos 7º e 8º. Não nos parece necessária grande imaginação para antecipar que a determinação da "receita de subvenção" gerará inúmeras controvérsias. Afinal, se há situações óbvias de inclusão ou exclusão deste conceito, certamente haverá uma zona de penumbra onde a qualificação da receita não ficará tão evidente. A complexidade aumenta quando consideramos o artigo 8º, I, do PL 5.129, segundo o qual não poderão ser computadas no crédito fiscal "as receitas não relacionadas com as despesas de depreciação, amortização ou exaustão relativas à implantação ou à expansão do empreendimento econômico". O que é ser uma receita vinculada a despesas de depreciação, amortização ou exaustão da infraestrutura instalada ou expandida? Tudo indica que se quer restringir a apuração do crédito às receitas decorrentes da atividade econômica desenvolvida na estrutura física instalada ou expandida. Nada obstante, essa certamente será outra área em que o que se instalará e se expandirá serão as controvérsias. Diante desses comentários, muito mais simples, para a fiscalização e para os contribuintes, seria estabelecer que o crédito de IRPJ seria calculado tendo como base a o montante do benefício fiscal contabilizado como receita, tendo como limite o valor total dos investimentos realizados. Por todo exposto, queremos concluir este texto chamando a atenção para o fato de que a busca por equilíbrio fiscal, se é juridicamente justificável, não pode se dar de forma açodada, criando-se novas áreas de contencioso, na contramão da tão propagandeada mudança de paradigma nas relações entre Administração Pública e contribuintes. A criação de um novo marco legal para a tributação das subvenções públicas é não só razoável como necessária. Porém, o PL 5.129, no nosso sentir, erra o alvo, gerando desconfiança em relação ao Executivo federal e sendo a certidão de nascimento de várias controvérsias que nos acompanharão por longo tempo caso o projeto venha a ser aprovado da forma como atualmente redigido.   [1] Sobre o tema, ver: ROCHA, Sergio André. Fundamentos do Direito Tributário Brasileiro. 2 ed. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2022. p. 132-137. [2] ABRAHAM, Marcus. Lei de Responsabilidade Fiscal Comentada. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. .31-32. [3] Sobre o tema vale a pena ver a recente coletânea publicada pela APET (MARTINS, Ives Gandra da Silva; PEIXOTO, Marcelo Magalhães (Coords.). Subvenções Fiscais: Aspectos Jurídico-Tributários e Contábeis. São Paulo: MP Editora, 2023).
2023-10-30T07:00-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-30/sergio-andre-rocha-equilibrio-fiscal-pl-subvencoes
tributario
Opinião
Almeida e Tôrres: Ausência de incentivo ao biocombustível
A Emenda Constitucional nº 123/2022 introduziu diversas novidades no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente sob o ponto de vista da atuação econômica promovida pelo Estado. Originalmente, a PEC nº 15/2022 (a qual originou a EC nº 123) possuía o escopo único de alterar o artigo 225 da Constituição para estabelecer diferencial de competitividade para os biocombustíveis. Essa pretensão originária foi materializada mediante a inclusão do inciso VIII no parágrafo 1º do aludido dispositivo constitucional [1], o qual norteará a análise do presente artigo. Resumidamente, a inserção dessa norma no Texto Constitucional acrescentou ao rol de incumbências do poder público a necessidade de manutenção de regime fiscal favorecido para os biocombustíveis destinados ao consumo final, assegurando-se a eles tributação inferior à incidente sobre os combustíveis fósseis. Tudo isso com o fim de assegurar o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. De partida, cumpre assinalar a coerência do artigo 225, § 1º, VIII, com a redação do artigo 170, VI, da CF/88 [2], que alçou ao patamar constitucional a defesa do meio ambiente no exercício das atividades econômicas, em episódio de elevada felicidade do legislador pátrio. Com efeito, a inovação promovida pela EC nº 123/2022, quanto ao ponto, coaduna-se com o fenômeno de "ecologização" do direito tributário, que denomina o fenômeno tendente à utilização de instrumentos fiscais como forma de se preservar o meio ambiente e incitar comportamentos ecológicos por parte dos agentes econômicos [3]. Noutras palavras, o constituinte derivado inseriu norma tendente a atenuar os efeitos da tributação sobre os biocombustíveis, que são menos nocivos ao meio ambiente, com o objetivo de incentivar a sua produção e comercialização. Há, assim, uma evidente opção legítima pelo favorecimento de um comportamento que incentiva a tutela ambiental e reduz a dependência de derivados de petróleo. Além disso, a inserção do comando contido no artigo 225, § 1º, VIII, da CF/88, possui contornos concorrenciais, à medida em que busca equalizar e equiparar a circulação dos biocombustíveis em relação ao poderio do mercado dos combustíveis fósseis. Vale ressaltar que a lei complementar a que se refere o dispositivo constitucional examinado ainda não foi editada pelo Congresso Nacional. Não obstante, a EC nº 123/2022 determinou algumas medidas para garantir o regime fiscal favorecido para os biocombustíveis, até que a lei complementar supracitada seja editada. Dentre elas, destacamos: a) a previsão de que o diferencial competitivo dos biocombustíveis deverá ser garantido mesmo no caso da adoção do regime monofásico de ICMS para os combustíveis fósseis de que são substitutos (artigo 4º, § 4º) — o que foi ocasionado posteriormente pela LC nº 192/2022 e; b) a concessão de auxílio financeiro aos estados e Distrito Federal que outorgarem créditos de ICMS aos produtores e distribuidores de etanol hidratado, equivalentes ao valor recebido (artigo 5º, V). Mencione-se, ainda, que a PEC autorizou a concessão desse benefício pelos estados e Distrito Federal mediante norma específica, independentemente de deliberação pelo Confaz (art. 5º, § 5º, VII). Paralelamente, conforme adiantado no parágrafo anterior, a publicação da LC nº 192/2022 instituiu a incidência monofásica do ICMS sobre os combustíveis, incluindo-se o etanol anidro e o biodiesel (artigo 2º, I e II). Para esses biocombustíveis, a definição da alíquota ficou a cargo do Confaz (artigo 3º, V). Por outro lado, o etanol hidratado não foi incluído entre os combustíveis a serem submetidos ao regime de incidência monofásica. Sem embargo, em conformidade com a PEC nº 123/2022, o Confaz publicou o Convênio ICMS nº 116/2022 para autorizar os estados e o Distrito Federal a conceder crédito outorgado de ICMS aos produtores e distribuidores desse biocombustível até 31/12/2022. Ocorre que, em 6/4/2023, o Confaz publicou o Convênio ICMS nº 15/2023, por meio do qual se definiu o tributo dos combustíveis submetidos ao regime de tributação monofásica do ICMS no patamar de R$ 1,22 por litro. Como visto, nos termos da EC nº 123/2022 (artigo 4º, caput), o diferencial competitivo dos biocombustíveis deverá ser garantido pela manutenção, em termos percentuais, da diferença entre as alíquotas aplicáveis a cada combustível fóssil e aos biocombustíveis que lhe sejam substitutos em patamar igual ou superior ao vigente em 15/5/2022. Traçadas essas premissas, pretendemos evidenciar a seguir que o comando constitucional inserido pela EC nº 123/2022 não está sendo cumprido pelo poder público — tanto para o etanol anidro, sujeito à incidência monofásica, como para o etanol hidratado. Quanto ao etanol anidro, não aparenta estar sendo observado o Artigo 225, da CF/88, vez que restou estabelecido pelo Confaz a mesma tributação de ICMS com relação à gasolina: R$1,22 por litro (cláusula sétima do Convênio nº 15/2023). Mesmo que haja um diferimento previsto ao etanol anidro, isto não caracteriza menor carga ao fim da cadeia, não gerando o benefício intentado pelo legislador pátrio. Acrescente-se que a referida alíquota será majorada para R$ 1,37 por litro, consoante o recentíssimo Convênio ICMS nº 173/2023, publicado através do Despacho nº 67, de 25 de outubro de 2023 [4]. De igual modo, quanto ao etanol hidratado, alguns estados aparentam estar descumprindo o mandamento constitucional, como pode ser extraído a partir de quadro comparativo fornecido pela Fecombustíveis [5]. É preciso notar que mesmo que alguns Estados estejam com alíquotas reduzidas, outros possuem alíquotas altas. O total de tributação de ICMS sobre o etanol hidratado na maioria do país está em dissonância com o que previu o constituinte derivado. Cumpre destacar que o ministro André Mendonça prolatou decisão na ADI 7.164/DF [6] abordando exatamente este ponto: "Dito de forma direta, sob os influxos de regime monofásico de ICMS-combustíveis instituído por lei complementar nacional, de um lado exige-se a uniformidade em todo território nacional das alíquotas e, de outro, estas podem variar de acordo com o tipo de combustível. Qual é o motivo dessa variação? Justamente para fins de diferenciar a situação dos combustíveis fósseis em relação aos biocombustíveis! Cuida-se de manejo extrafiscal da tributação voltado à produção do meio ambiente ecologicamente equilibrado." (grifos originais) Importante rememorar também a manifestação do Sindaçúcar nos autos da mencionada ADI, por meio da qual se salientou que o patamar da tributação incidente sobre o etanol hidratado representava apenas 29,73% do ônus tributário incidente sobre a gasolina [7]. Levando em consideração esta premissa, apenas um estado brasileiro está em conformidade com este diferencial competitivo após o advento da LC nº 192/2022, o Mato Grosso. Os demais ultrapassam o aludido percentual, chegando, em alguns casos, até a marca de 64% (Alagoas, Amapá e Roraima). Com esta carga, não resta garantido o diferencial competitivo necessário para a proliferação e crescimento do etanol hidratado como combustível competidor viável em nível nacional. Cumpre elencar, por consequência, as externalidades positivas deste combustível, em linha com o já ponderado pelo ministro André Mendonça. Além de serem renováveis, os biocombustíveis podem reduzir em 90% os gases do efeito estufa e gerar uma economia de U$ 0,20 centavos por litro em gastos futuros para compensar os efeitos de danos climáticos, bem como é possível achatar o aumento da curva de temperatura em cerca de 0,0005 graus Celsius [8]. Em estudo publicado por Saldiva [9], identificou-se que poderiam ser poupadas centenas de vidas, milhares de hospitalizações e milhões de dólares aos cofres públicos apenas em São Paulo, derivados de doenças respiratórias, com o incremento da utilização "única" dos biocombustíveis. Segundo o estudo, a economia seria de aproximadamente 3,8 milhões de dólares. As vantagens também perpassam o plano econômico. Leite, ao analisar determinados estados da Federação, adotou alguns parâmetros para correlação entre o ICMS e o etanol. O autor concluiu que a incidência majorada do ICMS afeta negativamente os seguintes fatores: o valor bruto da produção (VBP), número de empregos, valor da remuneração, produto interno bruto (PIB) e valor das importações [10]. É interessante notar a dimensão que a tributação pode atingir. Percebe-se um aumento de arrecadação, mas em detrimento de produção, PIB, empregos e remuneração. O custo para a sociedade em uma tributação "desbalanceada" pode ser alto. Outro ponto é de que a perda da competitividade do etanol em relação à gasolina, para o estado de São Paulo, caso do estudo, seria em alguns anos equivalente a 50 mil empregos e 397 milhões de reais, considerando-se que cadeia produtiva do etanol é mais intensiva em trabalho quando comparamos à produção da gasolina C [11]. Mais vantagens ambientais, sanitárias, sociais e econômicas podem ser conferidas em artigo escrito outrora, de nossa autoria e intitulado de "A necessidade de extrafiscalidade na tributação do etanol à luz do desenvolvimento sustentável" [12]. O quadro exposto não versa apenas de extrafiscalidade comum, a qual seria discricionária, mas sim de mandamento constitucional, maior força normativa no direito pátrio. Exaltam Martins e Ferrer [13] que o olhar fiscal para o ambiente deve considerar o reforço positivo. A exceção fica por conta unicamente do biodiesel, na medida em que o Confaz autorizou que os estados concedam às operações envolvendo a sua circulação crédito presumido de até 100% do imposto devido, nos termos do Convênio ICMS nº 22/2023 [14]. No entanto, frise-se que nem todas as unidades federativas estaduais efetivamente concederam o referido crédito. É verdade que os estados possuem como subterfúgio para o descumprimento da Constituição a ausência de lei complementar sobre o assunto, o que acaba deixando margem para diversas alíquotas e aplicações do direito tributário que, ao nosso ver, se demonstram em descompasso com a carta magna. Portanto, é preciso que haja a edição de nova Lei Complementar, na linha do que prevê a EC nº 123/2022, por meio da qual se estabelecerá normas gerais para os regimes fiscais favorecidos dos biocombustíveis, matéria essa de grande relevância para a produção nacional e menor dependência dos combustíveis fósseis, recaindo em externalidades positivas ambientais, sanitárias e econômicas, onde os Estados tenderão a perceber que o custo momentâneo de menor arrecadação terá impacto positivo em diversos ramos da sociedade a longo prazo — para que, enfim, os biocombustíveis possam competir nacionalmente com os combustíveis fósseis.   [1] "Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. § 1º. Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (...) VIII - manter regime fiscal favorecido para os biocombustíveis destinados ao consumo final, na forma de lei complementar, a fim de assegurar-lhes tributação inferior à incidente sobre os combustíveis fósseis, capaz de garantir diferencial competitivo em relação a estes, especialmente em relação às contribuições de que tratam a alínea 'b' do inciso I e o inciso IV do caput do art. 195 e o art. 239 e ao imposto a que se refere o inciso II do caput do art. 155 desta Constituição." [2] Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; [3] ADAMY, Pedro. Instrumentalização do Direito Tributário. In: ÁVILA, Humberto. Direito tributário. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2008. [4] Disponível em: https://www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/despacho/2023/despacho-67-23. Acesso em 26/10/2023. [5] Disponível em: https://www.fecombustiveis.org.br/tributacao. Acesso em 24/10/2023. [6] ADI 7.164/DF, rel. min. André Mendonça, decisão monocrática, DJe de 19/09/2022. Vale notar que a referida decisão foi, posteriormente, prejudicada, em virtude de acordo formalizado na ADPF 984/DF. [7] ADI 7.164/DF, Petição nº 59.851/2022, de 10.08.2022. [8] MEIRA FILHO, Luiz Gylvan; MACEDO, Isaias C. Contribuição do etanol para a mudança do clima In: De Sousa, Eduardo L. Leão; Macedo, Isaias de Carvalho (org.). Etanol e Bioeletricidade, A cana-de-açúcar no futuro da matriz energética. São Paulo: Luc Projetos de Comunicação, 2010. p. 78 a 97. [9] SALDIVA, Paulo Hilário Nascimento et al. O etanol e a saúde. In: SOUSA, Eduardo L. Leão de; MACEDO, Isaias de Carvalho (org.). Etanol e Bioeletricidade: A cana-de-açúcar no futuro da matriz energética. São Paulo: Luc Projetos de Comunicação, 2010. p. 98-134. [10] LEITE, J. Macroeconomia: teoria, modelos e instrumentos de política econômica, 2. ed. São Paulo: Atlas. 2000. [11] COSTA, Cinthia Cabral da. GUILHOTO, Joaquim José M. O papel da tributação diferenciada dos combustíveis no desenvolvimento econômico do estado de São Paulo. Economia Aplicada, [S. l.], v. 15, n. 3, p. 369-390, 2011. [12] ALMEIDA, Gustavo Conde de. A necessidade de extrafiscalidade na tributação do etanol à luz do desenvolvimento sustentável. 2022. Monografia (Bacharelado em Direito) - Centro Universitário de Brasília, Brasília, 2022. [13] MARTINS, Regina Célia de Carvalho; FERRER, Walkíria Martinez Heinrinch. A EXTRAFISCALIDADE COMO INSTRUMENTO REGULATÓRIO AMBIENTAL E A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA.2018. Disponível em: https://indexlaw.org/index.php/filosofiadireito/article/view/4119/pdf. Acesso em 24/10/2023 [14] Convênio CONFAZ ICMS nº 22/2023. Disponível em: https://www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/convenios/2023/CV022_23. Acesso em 20/10/2023.
2023-10-30T06:33-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-30/almeida-torres-ausencia-incentivo-fiscal-biocombustiveis
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Opinião
Ramos Mangieri: Imunidade de ITBI na integralização de capital
A nosso ver, a tese dos contribuintes sobre o julgado do RE 796.376-SC caiu por terra após o externado pelo Supremo Tribunal Federal no Agravo Regimental na Reclamação 57.836-SP. O tema se refere à polêmica imunidade de ITBI sobre a integralização de capital social com bens imóveis. Em curso ministrado para a Fiscalização Tributária de Balneário Camboriú (SC) na semana retrasada, a gabaritada equipe da prefeitura local colocou em debate essa recente decisão do STF nos autos do agravo regimental na reclamação. Seria um ponto final nas discussões havidas após o decidido no RE 796.376-SC? Após este julgado, os contribuintes passaram a defender a tese segundo a qual o STF só teria permitido a cobrança do ITBI sobre a "reserva de capital", isto é, sobre a parte do valor histórico do imóvel que não fosse incorporada ao capital social. Mais uma tese daquelas que nós costumamos denominar de "mirabolantes". Sempre dizíamos em nossos cursos: não é porque o RE 796.376-SC envolveu apenas uma questão contábil que o município está impedido de limitar a imunidade à parcela do imóvel que efetivamente foi incorporada ao capital social da empresa. Mas os tributaristas defendiam o contrário: o RE em questão não analisou o valor real de mercado do imóvel e por isso não fundamenta a incidência do ITBI sobre a diferença verificada. Mais do que isso, a decisão impediria essa tributação. Vi algumas decisões inferiores que chegaram ao ponto de dizer que a base de cálculo do ITBI não deveria nem ser questionada nesse caso de imunidade, visto que esta desoneração constitucional atinge o próprio elemento material do fato gerador do imposto e, assim, não teria sentido discutir o seu elemento quantitativo. Nada mais equivocado e parcial ao interesse dos contribuintes! Aliás, sempre advoguei tese contrária. Pela semelhança das hipóteses, a exegese firmada no RE 796.376 deve ser aplicada igualmente quando a diferença de valores se der em razão do valor de mercado dos imóveis. Pra mim, uma solução lógica e racional, dada a similitude dos fatos. Ora, para que possamos decidir se há ou não a imunidade, faz-se absolutamente necessário que primeiramente avaliemos a questão da base de cálculo, já que somente será abarcada pela desoneração a parcela que integrar o capital social. O excedente deverá ser tributado, por óbvio. Foi exatamente dessa forma que o "guardião da Constituição" enxergou a situação. Repare no trecho abaixo da decisão do STF: "Em relação ao ponto, o órgão jurisdicional reclamado, em análise da aspecto fático da demanda, concluiu que 'embora a atribuição do valor de incorporação caiba aos sócios e conste do contrato social, a transferência de patrimônio que agregue bens e direitos e exceda o valor do acréscimo do capital social, não está acobertado pela regra da não incidência do ITBI do art. 156, § 2º, I, da Constituição Federal tendo em vista que cabe ao Fisco Municipal calcular o ITBI sobre o valor venal dos imóveis transmitidos, dentro da sua competência tributária.' (doc. 3, fl. 177) Há, portanto, uma questão legal prévia e autônoma em relação a matéria objeto do precedente vinculante, que é a fixação da base de cálculo do ITBI, com base no artigo 38 do Código Tributário Nacional. Nestes casos, quando em jogo a fixação da base de cálculo pelo valor venal de bem imóvel por ato administrativo do município, rejeitando-se a tributação com base no valor declarado pelo contribuinte, há evidente afastamento da matéria discutida em relação à imunidade específica fixada no artigo 156, § 2º, I, da Constituição Federal, pois a fixação da base de cálculo antecede logicamente a imunidade quanto ao tributo incidente, considerando sua limitação conforme a tese fixada. Em termos finais, a decisão administrativa, cuja eficácia fora mantida pelo acórdão da apelação no mandado de segurança, aplicou em concreto a tese fixada no Tema 796 da Repercussão Geral, pois limitou a tributação pelo ITBI ao valor integralizado no capital social de pessoa jurídica, lançando o tributo somente sobre a parcela sobejante. E a fixação desta parcela sobejante é que origina e limita a análise da legalidade do lançamento". Nada mais cristalino! Após essa decisão, os municípios devem firmar o entendimento no sentido da incidência do ITBI sobre a parcela que exceder o valor do imóvel integralizado ao capital social da empresa. Quer dizer: incidirá ITBI sobre a diferença verificada entre o valor real de mercado do imóvel e o valor histórico do bem (aquele constante da declaração do Imposto de Renda). É o que podemos extrair do julgado do STF no Agravo Regimental na Reclamação 57.836-SP. Parabéns aos fiscais tributários de Balneário Camboriú pela sagacidade demonstrada ao apresentarem no curso essa importantíssima decisão para a arrecadação do ITBI.
2023-10-31T21:42-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-31/ramos-mangieri-imunidade-itbi-integralizacao-capital
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Opinião
André Pinelli: Scotus e o caso Moore v. United States
Ao contrário do Brasil, não é tão comum nos Estados Unidos que um processo tributário chegue à Suprema Corte americana (Scotus). Todo ano, mais de 5.000 recursos chegam à Scotus, mas menos de cem são admitidos e julgados. Ou seja, menos de 2% dos recursos que chegam à corte são julgados. Uma das ações tributárias que chegaram neste ano, e que será julgada até o meio de 2024, é individualmente pequena, mas com consequências bilionárias para o sistema tributário do país com a maior arrecadação mundial. Após a admissão de um recurso na Suprema Corte Americana, marca-se data para as sustentações orais, chamadas de oral arguments, depois vem o julgamento. O julgamento não acontece logo após as sustentações orais, como é comum no Brasil. No caso aqui analisado, a sustentação oral já tem data, 5 de dezembro de 2023; o julgamento provavelmente se dará no início de 2024. A dinâmica de sustentação oral nos Estados Unidos é completamente diferente da do Brasil. Não só na Scotus como também nas Cortes de Apelação Federais e Estaduais, e até nos julgamentos éticos das "OABs" nos Estados Unidos, a sustentação oral é um momento em que os julgadores tiram dúvidas e interrompem o advogado muitas vezes. É muito raro para um advogado fazendo sustentação oral conseguir falar por mais de três minutos sem ser interrompido. Aqueles 15 minutos na tribuna que parecem pouco para os advogados brasileiros seriam um sonho para os colegas americanos. Esta ação tributária que será julgado pela Scotus nos próximos meses é o Moore v. United States, onde Charles Moore e sua esposa, Kathleen Moore, estão questionando a constitucionalidade de uma cobrança tributária, com base na 5ª Emenda e na 16ª emenda da Constituição americana. Numa enorme simplificação, o que está em jogo é se o governo norte-americano pode cobrar imposto sobre ganhos não realizados. O nome do imposto em discussão é mandatory repatriation tax, MRT, que foi criado em 2017, no primeiro ano de presidência de Donald Trump, que aproveitou a maioria republicana que ele tinha nas duas casas legislativas para aprovar uma mudança de peso na legislação tributária americana. O MRT é aplicável a todo o valor de lucros acumulados e não distribuídos desde 1986 até 2017, e aí que está o cerne da questão. O casal Moore é acionista de uma pessoa jurídica baseada na Índia que em 2017 tinha lucros acumulados e não distribuídos. No ano de 2006 Kathleen e Charles Moore investiram quarenta mil dólares numa companhia na Índia chamada KisanKraft, que faz ferramentas para agricultores numa região bem pobre da Índia. O percentual do casal Moore na empresa é de apenas 13% das ações. Durante todos estes anos a KisanKraft reinvestiu todo seu lucro, consequentemente o casal Moore nunca recebeu dividendos. A obrigação tributária do casal Moore é de aproximadamente quinze mil dólares, o valor em dólares é pouco representativo, mas o impacto do julgamento é de muitos bilhões de dólares como já dito. O principal argumento dos contribuintes nesse caso é que eles nunca receberam o valor deste lucro acumulado, vez que o lucro jamais foi distribuído. Diante disso o imposto não seria devido, pois o fato gerador do imposto de renda não teria acontecido. A importância deste julgamento é enorme pois a Suprema Corte americana, Scotus, irá ter que se pronunciar sobre o conceito de renda para chegar a uma decisão final. O que é renda para a Constituição americana? Dependendo do que for renda o MRT será devido ou não. A decisão da Scotus também terá impacto na política tributária futura dos Estados Unidos. O casal Moore entende que não houve renda, portanto, a limitação ao poder de tributar contida na 16ª Emenda à Constituição Americana se aplica e o governo americano não pode tributar estes valores de lucro acumulados e não distribuídos ao longo dos anos. Num resumo seria basicamente assim, sem renda, sem fato gerador, então não existe obrigação tributária. Potencialmente três resultados podem vir, sendo o primeiro uma vitória do governo americano, o que seria uma sinalização positiva para o Congresso norte-americano sobre taxar ganhos não realizados, como por exemplo ganhos bilionários de ações mantidas em carteira como acontece com Jeff Bezos, da Amazon. Jeff Bezos como principal acionista da Amazon não é tributado sobre a valorização de suas ações, pois estas ações continuam em seu poder, não havendo realização de ganho, o que é exatamente o ponto chave de Moore v. US. O movimento de se taxar ganhos não realizados dentro dos Estados Unidos ganha força a cada ano. O segundo cenário seria uma decisão de que a taxação de ganhos não realizados é inconstitucional, e isso fecharia, pelo menos na composição atual da Scotus, as portas para o Congresso americano alterar a legislação criando tributação com contorno similar. O MRT foi um imposto de incidência única para os ganhos acumulados entre 1986 e 2017, portanto o impacto enorme do julgamento em relação aos contribuintes se refere à uma garantia contra eventual tributação futura. O terceiro cenário seria se a Scotus decidisse de maneira bem pontual deixando claro que o julgamento seria específico para o MRT, sem qualquer implicação em outros impostos, existentes ou não. Aqui a Suprema Corte americana não definiria o que é renda para a Constituição Americana, apenas traria uma definição bem específica para este caso concreto, fato este com grande relevância para o sistema de precedentes do Direito Anglo Saxão. Atualmente a maioria dos ministros da Scotus, chamados de Justices, tende a votar a favor do contribuinte, mas tanto lá como aqui, tentar prever o resultado de um julgamento dessa natureza é um exercício de futurologia inútil. Felizmente, em menos de dez meses teremos uma resposta.
2023-10-31T15:19-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-31/andre-pinelli-scotus-moore-united-states
tributario
Lavagem & Afins
Crime de lavagem de dinheiro e sonegação fiscal
A Lei de Lavagem de Dinheiro, após a modificação de 2012, permite que qualquer infração penal antecedente possa configurar o delito de branqueamento, isso porque não há mais o rol taxativo dos crimes que seriam aptos à posterior lavagem de dinheiro. Assim, qualquer delito que gere bens, direito ou valores, poderá configurar a lavagem desde que o sujeito oculte ou dissimule a origem ou a natureza destes com a finalidade de dar aparência de licitude. De acordo com isso, vários delitos que antes não eram contemplados na Lei 9.613/98 —  em face do rol taxativo — passaram a ser objeto de lavagem de dinheiro. Dentre eles se encontra o delito de sonegação fiscal. Uma questão prévia deve ser posta. O delito de sonegação fiscal será extinto desde que o sujeito pague o tributo devido. Assim, com o pagamento do tributo, extingue-se a punibilidade do delito praticado pelo sonegador — infração penal prévia à lavagem. Porém, de acordo com a lei de lavagem de dinheiro, permanece a possibilidade de punição pelo delito posterior, ou seja, o de lavagem. Isso se dá em face da dicção do artigo 1º. da Lei 9.613/98, que dispõe que haverá a punibilidade pelo delito previsto nesta lei ainda que isento de pena ou extinta a punibilidade do autor da infração penal antecedente. Essa questão já é paradoxal, mas por ora a deixaremos de lado. Apenas para reflexão: não se pode lavar algo que já foi pago, ou seja, que já não há como dar aparência de licitude a bens direitos valores que não são mais ilícitos em face de sua procedência. Isso porque o pagamento do tributo devido retira a suposta incorporação indevida pelo sujeito ativo do crime. Então, não se lavaria nada! Como mencionei, essa discussão acima ficará para outro momento. O que me refiro agora é se de fato a sonegação fiscal pode ser crime antecedente ao de lavagem de dinheiro. Penso que não porque não há propriamente uma nova incorporação de bens aptos a serem lavados. O patrimônio do sujeito ou da empresa não é obtido de forma ilícita, apenas ele não sai da empresa porque o sujeito não recolheu devidamente os tributos devidos, ou seja, não há nova incorporação de valores. Aliás, oportuno seria que todos lessem a exposição de motivos da Lei 9.613/98, que referia expressamente no seu item 34 o seguinte: "observe-se que a lavagem de dinheiro tem como característica a introdução, na economia, de bens direitos ou valores oriundos de atividade ilícita e que representaram, no momento de seu resultado, um aumento de patrimônio do agente". "Por isso que o projeto não inclui, nos crimes antecedentes, aqueles delitos que não representam agregação, ao patrimônio do agente, de novos bens, direitos ou valores, como é o caso da sonegação fiscal." Como referi linha acima, e na esteira do projeto que originou a Lei de Lavagem, já havia essa preocupação do legislador em não tipificar como crime antecedente a sonegação fiscal, justamente por não ocorrer aumento de patrimônio ou agregação de novos valores aptos à lavagem de dinheiro, mas, somente a manutenção de patrimônio já existente. Evidentemente que não desconheço que o Brasil é signatário de vários acordos internacionais para o combate à lavagem de dinheiro, mas isso não significa que deva punir todo e qualquer delito, principalmente os que não incorporam bens suficientemente aptos ao delito de lavagem de capitais. Por isso está na hora de refletirmos sobre a necessidade de uma reforma na lei que rege estes delitos. Há muito venho dizendo que houve uma banalização dos delitos de lavagem de dinheiro, quando estes deveriam ser deixados para infrações graves, ou, ao menos, as penas serem proporcionais à infração prévia cometida pelo agente. Fica o tema para reflexão.
2023-10-31T10:17-0300
https://www.conjur.com.br/2023-out-31/lavagem-afins-lavagem-sonegacao-fiscal
tributario
Território Aduaneiro
Apontamentos sobre Halloween, travessuras, Sacis e aduanas
Para os antigos celtas, o festival de Samhain, realizado no dia 31 de outubro, era uma celebração para dar as boas-vindas à colheita no final do verão, quando as pessoas acendiam fogueiras e usavam fantasias para afastar espíritos que regressariam à Terra. No século 8, o papa Gregório 3º designou o dia 1º de novembro como Dia de Todos os Santos ("All Saints Day"), passando a noite anterior, com o tempo, a incorporar algumas das tradições do Samhain, e ser conhecida como "All Hallows Eve" ("véspera do Dia de Todos os Santos"), chegando à forma abreviada hoje difundida (e comercialmente explorada) mundo afora: Halloween [1]. As origens do "doces ou travessuras" ("trick or treat"), hoje associado ao Halloween, são incertas, havendo registros de que durante o Samhain o povo celta deixava comida do lado de fora das casas para apaziguar os espíritos que viajavam pela Terra à noite, e que, com o passar do tempo, pessoas começaram a ser vestir como tais espíritos em troca de ofertas semelhantes. A prática de pedido de doces (ou dinheiro) seguido de ameaça de punição pela não entrega com uma "pegadinha" ou brincadeira sucedeu o "souling" (na Idade Média, uma doação de comida para livrar-se do purgatório) e o "guising" na Irlanda (desde o século 16, em que as crianças batiam nas portas da vizinhança fantasiadas e recebiam guloseimas para "proteger os moradores dos espíritos"), chegando como "trick or treat" ao Canadá e aos Estados Unidos, onde se registra a primeira citação à expressão em 1917 [2]. Em terras brasileiras, 1917 foi, coincidentemente, o ano em que Monteiro Lobato, interessado pela lenda do Saci-Pererê, realizou um inquérito no jornal O Estado de S. Paulo, com o objetivo de colher respostas dos leitores a respeito do que eles sabiam ou tinham ouvido falar sobre a lenda do Saci, obtendo dezenas de respostas, que originaram o livro O Sacy-Pererê: Resultado de um Inquérito, publicado em 1918, e depois simplificado para O Saci, em 1921, obra que que faz parte da coleção Sítio do Pica-Pau Amarelo [3]. A conexão entre o Halloween e o Saci-Pererê, no entanto, surge, em terras brasileiras, em 2003, nos Projetos de Lei 2.762 e 2.479-A, que buscam instituir legalmente o dia 31 de outubro como Dia do Saci [4]. Na justificativa dos projetos, informava-se que a então recém-criada Sociedade dos Observadores de Saci (Sosaci), em São Luiz do Paraitinga (SP) [5], em sua Carta de Princípios, conclamava a população a difundir a cultura popular, os mitos e as lendas brasileiras, e que no Manifesto do Saci se reconhece que a escolha do dia 31 de outubro é proposital, para confrontar a data imposta comercial e progressivamente aos brasileiros como Dia das Bruxas ou Dia do Halloween. O Saci, como sabemos, faz travessuras/molecagens o ano todo, sendo irrelevante que o presenteemos com doces. Seu nome vem do tupi-guarani "çaa cy" (olho mau) "perereg" (saltitante), e a lenda indígena se espalhou pelo Brasil e pelos países vizinhos mesclada a elementos de cultura africana (como o cachimbo na boca) e europeia (a exemplo do gorro vermelho) [6]. Embora possa deixar a desejar em termos de bom comportamento, o Saci, como símbolo da miscigenação do índio, do africano e do branco, no Brasil, e da riqueza resultante dessa mescla, deve ser valorizado como representação nacional, em uma das raras fugas à "zona plagiária" de hábitos europeus, bem descrita por Monteiro Lobato [7]. Mas também não reside em bom terreno, no campo da ética, uma tradição (como a do Halloween) em que crianças ameaçam com a prática de travessuras (com o conteúdo abstrato e amplo que o termo pode ter, a depender da imaginação de cada infante) os que não lhe entregam doces, em uma espécie (ainda que amena) de "extorsão" [8]. Esse tempero cultural nos faz migrar agora, já tardiamente - reconheçamos, para o último tema do título deste artigo, e que deve ser o assunto-mestre desta coluna: a aduana. Mas qual seria a relação das aduanas com o Halloween, ou como Saci? O que seriam os "doces" e o que seriam as "travessuras"? Em uma primeira mirada, um interveniente em operações de comércio exterior poderia até entender como "doce" aduaneiro um benefício, uma simplificação procedimental, uma redução de tributos, e como "travessura", em caso de não recebimento do "doce", a burla a normas, a fuga a controles, inclusive mediante a prestação de informações falsas ou incompletas. Estaríamos, nesse cenário, no terreno da gestão de riscos, já comentado em diversas colunas, aqui no Território Aduaneiro [9], no qual se aplicam medidas de facilitação a operadores com elevado grau de conformidade aduaneira, e se adotam medidas de enforcement em relação a operadores que não "recebem doces" (por não alcançarem os requisitos para tanto) e buscam formas alternativas (e "travessas") de burlar controles aduaneiros. A comparação acima é interessante, mas em olhar mais aprofundado parece inadequada, pois não há aí propriamente uma ameaça de travessura pelo não fornecimento de doce, como no Halloween, ou uma molecagem/malandragem ao estilo Saci. Exigir o cumprimento de uma norma não se compara a exigir um doce, pois todos são obrigados a cumprir a norma. E, por outro lado, aplicar uma penalidade por descumprimento de uma norma não constitui uma travessura, tendo em conta que também a penalidade é de aplicação obrigatória aos infratores, segundo o ordenamento jurídico. "Pedir doces" e "efetuar travessuras", assim como "molecagem/malandragem", na área aduaneira, assim, são atos à margem das normas, e que melhor seriam debatidos no campo da ética. Pensando nesse sensível mas importante tema, a Organização Mundial das Aduanas (OMA) — Conselho de Cooperação Aduaneira—, em 7/7/1993, durante as 81ª/82ª sessões do Conselho, na Tanzânia, formulou a "Declaração de Arusha" sobre a boa administração e a ética em matéria aduaneira, tendo sido a declaração revisada em junho de 2003, durante as 101ª/102ª sessões do Conselho [10]. Reconhecendo que a ética é uma questão primordial para todas as nações e todas as administrações aduaneiras, e que a corrupção pode limitar consideravelmente a capacidade da Aduana no cumprimento eficaz de sua missão, a OMA relacionou dez fatores-chave para combater a corrupção, e que se prestam não só a funcionários aduaneiros, mas a todo o ambiente de negócios que envolve as atividades aduaneiras [11]. O primeiro deles é liderança e compromisso, deixando claro que o exemplo deve vir da direção dos órgãos que tratam de matérias aduaneiras, com responsabilidade das autoridades, que devem demonstrar inequivocamente o compromisso com a ética. O segundo fator é fortemente endossado em convenções internacionais recentes, como a CQR/OMA: a simplificação procedimental e a supressão de formalidades, além da diminuição do número de exceções a regras. Nesse último aspecto temos muito a aprender, no Brasil, em um cenário em que vemos — seja nos debates da reforma tributária, seja na legislação processual e material aduaneira, elevado número de exceções, e exacerbado pleito de tratamentos diferenciados e excepcionais. A transparência, traduzida em previsibilidade, constitui o terceiro fator, cabendo ainda o estabelecimento de bases objetivas para atos discricionários. Na área processual administrativa aduaneira, por exemplo, destacamos em nossa última coluna como ponto negativo o altíssimo grau de instabilidade com mudanças de regras nos últimos dois anos, várias delas desacompanhadas de exposição de motivos, e com potencial de incrementar o volume de litigância [12]. A automação e os programas de reforma e modernização, quarto e quinto fatores constantes na Declaração de Arusha Revisada, estão sendo paulatina e visivelmente implementados na Aduana brasileira, dentro da filosofia de "Portal Único", v.g., com desvinculação entre o exame dos documentos e a fiscalização aduaneira do local em que se encontra fisicamente a mercadoria, uniformização e simplificação nacional de fluxos e procedimentos, e identificação de "gargalos", a partir de Time Release Study. O controle e a investigação são referidos o sexto fator, com encorajamento aos funcionários aduaneiros e intervenientes para que denunciem atividades corruptas, antiéticas ou ilegais, incumbindo aos órgãos competentes, diante das denúncias, promover de forma imediata investigação aprofundada e independente. O sétimo elemento-chave é a publicação de Código de Conduta que descreva de forma prática e sem ambiguidade o comportamento esperado dos funcionários aduaneiros e as sanções em caso de descumprimento [13]. A Gestão de Recursos Humanos é igualmente peça-chave, oferecendo-se aos funcionários da Aduana remuneração suficiente para garantir nível de vida decente [14]; critérios de promoção imparciais e isentos; e sistemas de gestão e avaliação que reforcem práticas saudáveis e encorajem elevado nível ético e profissional. O Espírito de Equipe (cooperativismo) deve ainda ser incentivado, sendo, em regra, menos corrupta e mais produtiva uma instituição em que os funcionários tenham orgulho de trabalhar, e sintam-se motivados a realizar suas atividades, de forma colaborativa [15]. Por fim, o décimo fator relacionado na Declaração de Arusha Revisada se refere ao relacionamento com o setor privado, que deve ser transparente e franco, prevendo-se ainda Códigos de Conduta específicos para os intervenientes, que estabeleçam objetivamente o comportamento deles esperado. Além da Declaração de Arusha Revisada, a OMA apresenta ainda em seu sítio web [16] diversos instrumentos (como as Resoluções de Almaty, Nairobi e Maputo, ferramentas e guias, modelos de código de ética e conduta, vídeos e outros recursos), programas e cursos buscando estabelecer padrões de ética e integridade na área aduaneira. Tais ferramentas e instrumentos são aqui apresentados com o claro propósito de destacar a importância do tema, que traz debate necessário, mas pouco aprofundado em artigos, por não ser de agradável acolhida, com aura de "verdade inconveniente". Mais importante que duelo Saci x Halloween (aqui usado como pano de fundo), o debate nacional sobre a ética e o enfrentamento da corrupção demanda, além das declarações, a efetiva implementação de ações. E os dez caminhos que figuram na Declaração de Arusha Revisada constituem um bom começo para evitar "travessuras" e "molecagens/malandragem" na área aduaneira. Por isso decidimos tratar, ainda que com contornos bem ecléticos comemorativos dessa dúplice data, sobre a questão da ética e da integridade. Aos que já separaram guloseimas para o Halloween, com coração aberto e sem pensar em travessuras como contramedidas, fica o nosso apoio. Aos que estiverem próximos a São Luiz do Paraitinga, fica o convite para a 21ª Festa do Saci, que vai até 5 de novembro. Feliz Halloween e Feliz Dia do Saci!
2023-10-31T08:00-0300
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Opinião
Pedro de Mello: Tema 69 e impactos além do ICMS
O STF (Supremo Tribunal Federal) definiu, no julgamento do Tema 69 da Repercussão Geral (RE 574.706), que o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços) não compõe a base de cálculo do PIS (Programa de Integração Social) e da Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social). A decisão foi tomada com base no entendimento de que o ICMS apenas "transita" na contabilidade da empresa, não ingressando de forma definitiva no seu patrimônio, uma vez que os valores serão repassados à Fazenda Pública Estadual. Como conclusão, o ICMS não integraria a receita bruta, base de cálculo das contribuições. A chamada "tese do século" gerou inúmeras proposições derivadas, que receberam o apelido de "teses filhotes". Pautados no racional empregado pelo STF no julgamento do Tema 69, os contribuintes ajuizaram uma série de ações visando o reconhecimento do direito de excluir os mais diversos tributos da base de cálculo de outros tributos, em especial aqueles que têm como base de cálculo a receita bruta. Dentre as teses derivadas, várias já tiveram a repercussão geral reconhecida. O Supremo irá julgar, por exemplo, a possibilidade de exclusão do ISS (Imposto Sobre Serviço) da base de cálculo do PIS e da Cofins (Tema 118) e a exclusão do PIS/Cofins de suas próprias bases de cálculo (Tema 1.067). Outras teses já foram objeto de decisão, como é o caso das teses em que se discutia a possibilidade de exclusão do ICMS e do ISS da base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB). Ocorre que, além das discussões que envolvem a exclusão de determinados tributos sobre a base de cálculo de outros tributos (ou até do mesmo tributo que se busca excluir — e.g. exclusão do PIS/Cofins da própria base), os fundamentos utilizados no julgamento do Tema 69 deram margem ao aparecimento, ou, em outros casos, ao fortalecimento, de outras teses que defendem a exclusão, da base de cálculo de certos tributos, de receitas que não possuem natureza pública ou tributária, mas que decorrem de arranjos contratuais. Interconexão e roaming da base de cálculo A interconexão e o roaming envolvem o compartilhamento de redes de telecomunicação entre operadoras distintas. Às vezes, para completar um determinado serviço, a operadora precisa utilizar a rede de propriedade de outra operadora. A título exemplificativo: se um usuário da operadora A deseja se comunicar com um usuário da operadora B, há a necessidade de a operadora A utilizar a rede da operadora B, de modo a viabilizar a prestação do serviço. A receita auferida pela operadora A pela prestação desse serviço deve, por força legal, ser repartida com a operadora B. Embora o tema já estivesse em discussão no Judiciário há tempos, a tese defendida pelas operadoras ganhou força com a decisão proferida no Tema 69. O STF entende que o ICMS não integra a receita bruta da empresa porque não representa ingresso definitivo de receita no patrimônio da pessoa jurídica; afinal, os valores serão repassados aos cofres públicos. O racional do Tema 69 é plenamente aplicável em relação às receitas auferidas pelas operadoras que são posteriormente repassadas a terceiros em contrapartida à cessão de suas redes. Esses valores, como o ICMS, apenas "transitam" na contabilidade da operadora prestadora do serviço. O tema em questão já foi julgado pela 2ª Turma de Direito Público do STJ (Superior Tribunal de Justiça) em duas ocasiões, e pela 1ª Turma em outra ocasião mais recente. O resultado foi desfavorável aos contribuintes nos dois casos julgados pela 2ª Turma e em ambos os casos, a decisão afastou a aplicação do racional utilizado no Tema 69 da Repercussão Geral, sob o argumento de que "os temas são conexos, mas não são idênticos: o precedente do STF trata do repasse de receitas públicas/tributárias, o presente caso trata do repasse de receitas privadas/contratadas (...)". A 1ª Turma entendeu diferente, decidindo, de forma unânime, que os valores repassados a outras operadoras, a título de compensação pela interconexão/roaming, não integram a base de cálculo do PIS e da Cofins. O tema, vale destacar, ainda não chegou a ser julgado pelo STF, de modo que não há qualquer indício em relação ao entendimento da Corte sobre esse assunto em específico. Há, apenas, decisão monocrática, proferida pelo ministro Gilmar Mendes, no sentido de que a matéria tem natureza infraconstitucional e, portanto, não seria de competência do STF.  No REsp 1.599.065/DF, a ministra Regina Helena Costa justificou a análise no âmbito do STJ para evitar o "limbo jurisdicional". Entretanto, consideramos provável que a matéria chegue ao STF em algum momento, afinal, o que está em debate é, justamente, o conceito de faturamento/Receita Bruta, conceito que norteou o julgamento do Tema 69. Outro caso interessante que recentemente chegou ao Judiciário envolve os restaurantes e bares que se utilizam de plataformas digitais, como o iFood, Rappi e Uber Eats, para intermediar as suas vendas. Esses contribuintes estão ajuizando ações com o objetivo de excluir as taxas pagas a essas plataformas de sua receita bruta para fins do cálculo do PIS e da Cofins ou para a determinação da faixa de receita para fins de aplicação das alíquotas do Documento de Arrecadação do Simples Nacional (DAS), no caso de ser optante pelo Simples Nacional. O impacto, para as empresas do Simples é imenso: como as alíquotas aplicáveis no regime do Simples variam de acordo com "faixas" de Receita Bruta, a exclusão desses valores, que chegam a 30% do valor cobrado do cliente, tem impacto direto na alíquota efetiva a ser aplicada pelo contribuinte. Analisamos dois casos em que o provimento foi, em sede de sentença, favorável ao contribuinte. No Mandado de Segurança nº 5003370-24.2023.4.02.5101, foi proferida sentença concedendo a segurança. No entanto, o fundamento jurídico utilizado pelos julgadores não está em linha com o pedido feito. Isso porque a análise feita pelos magistrados nos dois processos partiu do pressuposto equivocado de que o que estava em questão era a possibilidade de apropriação de créditos do PIS e da Cofins sobre as referidas comissões, quando, na realidade, a discussão dizia respeito ao conceito de receita bruta para fins de definição da base de cálculo do PIS e da Cofins e da alíquota aplicável no Simples Nacional. De fato, não há que se falar em análise quanto à essencialidade ou relevância da despesa, se as empresas impetrantes — que, ao que tudo indica, estão no Simples — sequer têm direito à apropriação de créditos de PIS/Cofins, vez que não estão no regime não-cumulativo das contribuições. A discussão, que está em fase incipiente, provavelmente vai assumir um contorno mais bem definido no futuro. Conclui-se que as ramificações do decidido no Tema 69 são vastas e, supomos, imprevistas pelo STF quando do seu julgamento. Agora, os contribuintes tendem a buscar o Judiciário não apenas para excluir tributo da base de tributo, mas também com o objetivo de excluir da base tributável as mais variadas receitas que, por algum motivo (regulatório, como no caso da interconexão/roaming, ou mesmo contratual, como no caso dos restaurantes) sejam repassadas a terceiros.
2023-11-01T20:33-0300
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Consultor Tributário
A tributação das sociedades uniprofissionais na visão do Senado
Tivemos um excelente exemplo de pleno exercício da democracia no trâmite da PEC 45/19 no Senado. Nesses últimos meses, desde que o projeto foi da Câmara para o Senado, várias foram as audiências públicas realizadas no âmbito da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), no Senado. Nelas, os mais diversos setores da economia foram ouvidos e tiveram os seus pleitos analisados. A todos foi concedida a oportunidade de demonstrar, com calma e serenidade, sem qualquer açodamento, quais eram os principais equívocos do projeto e de que forma ele poderia afetar negativamente os mais diversos setores da economia. Entre eles, os prestadores de serviços relativos a profissões regulamentadas (engenheiros, arquitetos, médicos, dentistas, advogados, contadores, entre tantas outras) que, diferentemente de tantas outras atividades previstas na PEC 45/19, não haviam sido contemplados com um regime diferenciado de tributação que fosse adequado às suas especificidades. Com a apresentação do relatório dos trabalhos feitos no âmbito da CCJ pelo senador Eduardo Braga, constatou-se, com satisfação, que os pleitos dos profissionais liberais foram, ainda que de forma indireta, levados em consideração, tendo-lhes sido concedida uma redução equivalente a 30% da alíquota padrão dos novos tributos (IBS e CBS). Pleitos de regimes especiais jamais haviam sido apresentados por aqueles profissionais nas fases iniciais dos debates da reforma tributária, tendo em vista que, naquela época, prevalecia a premissa fortemente defendida pelos autores do projeto de que as novas regras de tributação do consumo não admitiriam quaisquer exceções, nem mesmo aquelas existentes há décadas para setores de extrema importância para a economia nacional, como é o caso das profissões liberais. Ocorre que essa premissa foi absolutamente abandonada quando do final da tramitação da PEC 45/19 na Câmara dos Deputados. No apagar das luzes, inseriu-se no projeto a previsão de exceções de toda ordem, sob a estranha e confusa classificação dos regimes em específicos, diferenciados e favorecidos. Foram também criadas alíquotas reduzidas para atividades das mais diversas naturezas, como se vê, abaixo, na transcrição de dois dos respectivos dispositivos: "Art. 156-A (...) § 5º Lei complementar disporá sobre: V – regimes específicos de tributação para: a) combustíveis e lubrificantes (...) b) serviços financeiros, operações com bens imóveis, planos de assistência à saúde e concursos de prognósticos (...) c) operações contratadas pela administração pública direta, por autarquias e por fundações públicas (...) d) sociedades cooperativas; e e) serviços de hotelaria, parques de diversão e parques temáticos, bares e restaurantes e aviação regional (...)" "Art. 9º (...) § 1º Lei complementar definirá as operações com bens ou serviços sobre as quais as alíquotas dos tributos de que trata o caput serão reduzidas em 60% (sessenta por cento), referentes a: I – serviços de educação; II – serviços de saúde; III – dispositivos médicos e de acessibilidade para pessoas com deficiência; IV – medicamentos e produtos de cuidados básicos à saúde menstrual; V – serviços de transporte coletivo de passageiros rodoviário, ferroviário e hidroviário, de caráter urbano, semiurbano, metropolitano, intermunicipal e interestadual; VI – produtos agropecuários, aquícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura; VII – insumos agropecuários e aquícolas, alimentos destinados ao consumo humano e produtos de higiene pessoal; VIII – produções artísticas, culturais, jornalísticas e audiovisuais nacionais e atividades desportivas; e IX – bens e serviços relacionados a segurança e soberania nacional, segurança da informação e segurança cibernética." Ora, enquanto inexistiam exceções, havia um natural constrangimento para os profissionais liberais pleitearem qualquer tratamento diferenciado, ainda que a ele fizessem jus, em razão das suas especificidades. Mas, quando se constatou, no exame dos dispositivos acima, que atividades como as de bancos (instituições financeiras), bares, parques aquáticos, empresas imobiliárias, planos de saúde, empresas de prognósticos, restaurantes, hotéis, produções artísticas, jornalísticas, entre tantas outras, foram privilegiadas, e outras, cujas características são historicamente reconhecidas como merecedoras de um regime diferenciado, deixaram de ser contempladas, o cenário mudou de figura. Foi com esse novo pano de fundo que 38 entidades representativas das mais diversas profissões regulamentadas (medicina, engenharia, arquitetura, advocacia, economia, administração, entre várias outras, inclusive o Cesa (Centro de Estudos das Sociedades de Advogados), que tenho a grande satisfação de presidir) e as mais tradicionais associações acadêmicas especializadas em Direito Tributário (entre elas a Associação Brasileira de Direito Financeiro, à qual me dedico há praticamente quatro décadas), visitaram os parlamentares com maior envolvimento nas discussões da reforma tributária no Senado, entre eles os senadores Ângelo Coronel, Efrain Filho, Sergio Moro, Portinho, Roberto Rocha, Wanderlan Cardoso, o relator da PEC 45/19, Eduardo Braga, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Nessa peregrinação, a convite dos senadores Ângelo Coronel e Efrain Filho, tivemos a oportunidade de fazer uma apresentação na CAE em que demonstramos a necessidade de que fosse também deferido às sociedades profissionais um regime especial que atendesse às suas características peculiares. Nessas intervenções, próprias da democracia, demonstramos que: - há 55 anos, esses contribuintes fazem jus a um regime diferenciado de tributação (do ISS); - esse regime foi reiteradamente mantido pelo Congresso nas inúmeras vezes em que a sua revogação foi proposta; - a sua adequação às regras constitucionais foi declarada, por unanimidade de votos, pelo STF e pelo STJ; - pelo mesmo quórum (11 a 0), o tribunal entendeu que esse regime diferenciado não tem a natureza de benefício fiscal (o Plenário sustentou que se trata de mero instrumento que atende as características próprias dos autônomos e das sociedades profissionais); - só fazíamos o pleito de inserção das sociedades profissionais entre as exceções previstas, tendo em vista a mudança de cenário, em que várias outras atividades foram contempladas com regimes diferenciados; - se houvesse uma exceção sequer, as sociedades profissionais teriam que ser previamente contempladas, seja pelo tempo durante o qual elas são elegíveis a um sistema diferenciado de tributação, seja pelo fato de esse sistema ter sido reiteradamente "abençoado" pelos tribunais superiores e pelo Congresso; e - que, se houvesse a retirada de todas as demais exceções da PEC 45/19, o grupo por nós formado retiraria o pleito de criação de um regime de tributação que atendesse às suas especificidades. Como nem tudo é perfeito, houve aqueles que, por deficiência de formação e/ou por serem adeptos a ideologias menos afeitas ao pleno exercício da democracia e ao Estado democrático de Direito, bradaram, com argumentos tolos e infundados, contrariamente a essas justas e necessárias manifestações das sociedades profissionais, muitas vezes circunscrevendo-as aos escritórios de advogados, como se a questão não tivesse um espectro muito maior. Chegaram, incrivelmente, a se declarar perplexos com a nossa afirmativa de que a tributação fixa das sociedades profissionais não seria um benefício fiscal. Talvez aqui, pela falta de conhecimento jurídico dos que assim se manifestaram, devamos perdoar a ignorância. Ignorância de que essa afirmativa de inexistência da natureza de benefício fiscal não é nossa, mas da unanimidade dos ministros que à época compunham o Plenário do Supremo Tribunal Federal, proferida em decisão posteriormente sumulada (Súmula 663). Dizem-se especialistas e, até mesmo, pertencentes a quadros de instituições renomadas, mas, caso verdadeira a afirmativa, delas destoam flagrantemente, seja pela insuficiente formação técnica, seja pela pouca polidez com que se manifestam, não condizentes com o cargo que supostamente ocupam. Mas, para a nossa satisfação, o esforço não foi em vão. Como já demonstrado, o relatório do senador Eduardo Braga contemplou a adoção de um sistema diferenciado às profissões regulamentadas, nos seguintes termos: "Art. 9º. (...) §10º. A lei complementar estabelecerá as operações beneficiadas com redução de 30% (trinta por cento) das alíquotas dos tributos de que trata o caput [IBS/CBS] relativas à prestação de serviços de profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, desde que sejam submetidas a fiscalização por conselho profissional." O instrumento utilizado no referido relatório para dar tratamento tributário adequado aos serviços profissionais (redução de alíquota) diverge daquele que elegemos no pleito feito aos parlamentares e que consubstanciou a emenda ao projeto apresentada pelo senador Ângelo Coronel (criação de um "regime específico de tributação para (...) serviços prestados no exercício de profissões regulamentadas"). Em suma, solicitamos um regime específico de tributação e nos atribuíram uma redução de alíquota equivalente a 30% do valor da alíquota normal. Se essa for mesmo a via escolhida, parece-nos que a redução deveria ser aumentada para 60%, tendo em vista que se equivalem, em termos de essencialidade, os serviços prestados pelas sociedades profissionais e as atividades elegíveis a essa redução maior (por exemplo, produções artísticas, culturais, jornalísticas e audiovisuais nacionais e atividades desportivas). De fato, utilizando-se como exemplo a própria advocacia, que é tão combatida pelos críticos da criação dessa regra, a sua essencialidade é notória e inquestionável, tendo em vista que o próprio artigo 133 da Constituição Federal é taxativo ao declarar que "o advogado é indispensável à administração da justiça". E, como bem lembra o professor Luis Eduardo Schoueri, se formos compará-la com o jornalismo, por exemplo, a essencialidade de ambas também se equivale, no que diz respeito à sustentabilidade da democracia. Outro exemplo, também incontestável, seria a atividade exercida em consultórios médicos, que cuida do bem maior: a nossa saúde. Enfim, não há sentido em tributarem-se atividades igualmente essenciais de forma diversa. Se o caminho da redução de alíquota for o efetivamente tomado, essa redução terá de ser de 60%, e não apenas 30%. E, mais uma vez: se todas (repito, todas) as demais exceções forem retiradas do projeto, que as das profissões regulamentadas também o sejam.
2023-11-01T17:21-0300
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Direto do Carf
Precisamos falar (mais) sobre multas qualificadas e a Lei 14.689
Dentre as diversas controvérsias suscitadas em razão da publicação da Lei nº 14.689/2023 muito bem expostas pelos colunistas tanto desta "Direto do Carf" (aqui e aqui) quanto daqueles do "Território Aduaneiro" (aqui e aqui), nos parece imprescindível tecer considerações adicionais sobre a redução do percentual da multa qualificada de 150% para 100% prevista na novel legislação como regra geral, tendo em vista que aplicação da multa de 150% passou a ser restrita à  hipótese em que for constatada a reiteração da conduta infracional por parte do contribuinte.  Como bem ressaltado pela Thais de Laurentiis (aqui), embora a multa de 100% deva ser aplicada retroativamente, diante do disposto na alínea "c" do inciso II do 106 do CTN, o mesmo não deve ocorrer em relação ao critério da reiteração para manutenção da multa de 150%, uma vez que isso implicaria refazer os autos de infração com a inclusão de novo critério jurídico não constante do lançamento original. No âmbito da Terceira Seção, a problemática da retroatividade benigna emergiu quando da análise da aplicação da multa prevista multa prevista artigo 18, caput e § 2º, da Lei nº 10.833/2003, c/c inciso I do caput do artigo 44 da Lei nº 9.430/96. Liziane Angelotti Meira (aqui) aclara "trata[r]-se de uma multa de 150% aplicável no caso de falsidade. O artigo 18, caput e § 2º, da Lei nº 10.833/2003dobra a multa prevista no inciso I do artigo 44 da Lei nº 9.430/1996, sem referência ao artigo 44, § 1º, alterado pela Lei nº 14.689/2023. Ou seja, para o caso julgado, não se exigia reincidência para aplicação da multa de 150%. Esta multa e a multa de ofício agravada, apesar das similitudes em relação à exigência de fraude, passam a ter percentuais diversos no caso de não reincidência em decorrência da alteração somente no inciso II do artigo 44 da Lei nº 9.430/1996 promovida pela nova Lei nº 14.689/2023".   Situações semelhantes à noticiada deverão ser enfrentadas — se já não o foram em acórdãos ainda pendentes de publicação — nas demais Seções de julgamento. No âmbito da 2ª Seção, a controvérsia pode se dar quando da aplicação do § 10 do artigo 89 da Lei nº 8.212/91 que determina que "[n]a hipótese de compensação indevida, quando se comprove falsidade da declaração apresentada pelo sujeito passivo, o contribuinte estará sujeito à multa isolada aplicada (...) em dobro". Curiosamente, tal tema foi objeto de análise de coluna de estreia nesta "Direto do Carf", publicada há três anos (aqui). Naquela oportunidade, buscávamos demonstrar quais seriam os elementos verificados para a qualificação da multa, uma vez que, diante de declarações inexatas, nos termos do inciso I do artigo 44 da Lei nº 9.430/96, cabível a multa de 75%; entretanto, caso comprovada a falsidade na declaração, seria a sanção de 150%. Nos casos em que apontada pela fiscalização a falsidade na declaração, duas são as correntes que se formaram no Carf: a que prevalece na Câmara Superior de Recursos Fiscais, no sentido de que basta a utilização de créditos não dotados de certeza e liquidez, para que se atraia a aplicação da multa em dobro; e, uma segunda, que sustenta que a aplicação da multa de 150% só tem lugar quando comprovado pelas autoridades fazendárias a prática de conduta dolosa, fraudulenta ou ardilosa pelo sujeito passivo. Antes das alterações trazidas pela Lei nº 14.689/2023 havia o seguinte cenário: Antecedente (infração) Consequente (sanção) Falsidade na declaração de compensação apresentada pelo sujeito passivo 150% sobre o total do tributo indevidamente compensado   Antecedente (infração) Consequente (sanção) Prática da sonegação, fraude ou conluio (atos previstos nos arts. 71, 72 e 73 da Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964) 150% sobre a totalidade ou a diferença de imposto ou de contribuição objeto do lançamento de ofício   Com a publicação da Lei nº 14.689/2023 são as situações possíveis: Regra geral Antecedente (infração) Consequente (sanção) Prática da sonegação, fraude ou conluio (atos previstos nos arts. 71, 72 e 73 da Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964) 100% sobre a totalidade ou a diferença de imposto ou de contribuição objeto do lançamento de ofício     Antecedente (infração) Consequente (sanção) Prática da sonegação, fraude ou conluio, quando verificada a reincidência (atos previstos nos arts. 71, 72 e 73 da Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964) 150% sobre a totalidade ou a diferença de imposto ou de contribuição objeto do lançamento de ofício     Questão controvertida Antecedente (infração) Consequente (sanção) Falsidade na declaração de compensação apresentada pelo sujeito passivo 100% sobre o total do tributo indevidamente compensado (retroatividade benigna da Lei nº 14.689/2023) OU 150% sobre o total do tributo indevidamente compensado (§ 10 do artigo 89 da Lei nº 8.212/91) Nessas circunstâncias, surgem os seguintes questionamentos: estaria mantido o percentual de 150% da multa aplicada quando comprovada a falsidade da declaração apresentada — ex vi do §10 do artigo 89 da Lei nº 8.212/81 — embora tenha ela pressupostos similares aos previstos na regra geral? Haveria uma antinomia entre as mencionadas normas? Em caso afirmativo, a mencionada antinomia deveria ser resolvida por qual critério? Vislumbramos a possibilidade de formação de duas correntes: uma contrária à aplicação da retroatividade benigna e outra favorável. A corrente contrária afastará a possibilidade de aplicação retroativa do disposto no artigo 8º da Lei nº 14.689/2023, ao argumento de que alteradas as penalidades previstas apenas no artigo 44 da Lei nº 9.430/1996, nas quais a fiscalização precisa demonstrar a ocorrência de sonegação, fraude ou conluio. O antecedente da mencionada norma seria distinto daquele previsto no §10 do artigo 89 da Lei nº 8.212/91, porquanto o que há de ser comprovado é a falsidade da declaração; e, não a sonegação, a fraude e o conluio. Tendo em vista que, no âmbito administrativo, exerce-se apenas o controle de legalidade do ato do lançamento, afastada estaria a possibilidade de, com arrimo em princípios constitucionais e suposta antinomia, deixar de aplicar a norma prevista no §10 do artigo 89 da Lei nº 8.212/91, que não sofreu quaisquer alterações pela Lei nº 14.689/2023. A vertente favorável à retroação da norma que comina penalidade mais favorável, ao seu turno, subdivide-se em outras duas vertentes: uma que trata a falsidade como espécie da fraude e outra que a entende como ato distinto. Para os alinhados à primeira linha, a falsidade seria um dos meios pelos quais se comprova a conduta dolosa, fraudulenta ou simulada. Isso ficaria claro pela leitura do §1º do inciso II do artigo 167 do Código Civil que dispõe que "haverá simulação nos negócios jurídicos quando contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira". Sendo a falsidade, para os que dessa forma entendem, apenas uma das formas pela qual se comprova a simulação, fraude ou dolo, seria possível identificar uma antinomia entre as mencionadas normas. Por outro lado, há quem entenda ser prescindível a comprovação da intenção ardilosa do agente, uma vez que a lei nada menciona quanto a esse aspecto. Em consonância com o significado do verbete falsidade, o mero descompasso entre a realidade e as compensações realizadas pelo interessado não atrairia, automaticamente, a aplicação da sanção em dobro. Declarações que contenham informações lançadas por mero equívoco, por exemplo, não seriam rotuladas falsas. Noutro giro, quando sabia o contribuinte — ou deveria saber — que os créditos que se pretende compensar são carentes de certeza e liquidez, há o falseamento da declaração. Tal ato, que enseja a aplicação da multa de 150%, parece ser de menor grau de ofensividade ao sistema jurídico do que aqueles praticados com sonegação, fraude e conluio, que, a partir da Lei nº 14.689/2023, passaram ser apenados com multa de 100%. Apesar de partirem de premissas díspares, chegam em uma idêntica conclusão: as alterações promovidas pelo artigo 8º da Lei nº 14.689/2023 no artigo 44 da Lei nº 9.430/1996, com a redução das penalidades ali contidas, tornariam imperiosa a minoração da multa de 150% prevista no 10 do artigo 89 da Lei nº 8.212/91. De acordo com as regras de solução de antinomias, seria possível argumentar que estaríamos diante de uma antinomia solúvel ou aparente,[1] a ser resolvida pelo critério da especialidade. No entanto, a razão de tal critério hermenêutico (especialidade) é a ideia de que situações distintas merecem tratamento desigual e, por isso, a lei especial deverá prevalecer sobre a norma geral. Nesse sentido, valiosas as palavras de Norberto Bobbio, para quem "[t]ambém nesse caso a razão do critério não é obscura: lei especial é aquela que derroga uma lei mais geral, ou seja, que subtrai a uma norma uma parte de sua matéria para submetê-la a uma regulamentação diversa (contrária ou contraditória). A passagem de uma regra mais extensa (que contenha um certo genus) para uma regra derrogatória menos extensa (que contenha uma species do genus) corresponde a uma exigência fundamental de justiça, entendida como igual tratamento das pessoas que pertencem a mesma categoria... Ocorrida a descoberta ou diferenciação, a persistência na regra geral implicaria tratamento igual de pessoas que pertencem a categorias diversas e, portanto, uma injustiça" [2]. Seja adotando-se a premissa de que a falsidade é apenas uma das formas de se comprovar o conluio, a fraude e a sonegação, seja entendendo-a como ato menos gravoso do que a tríade mencionada no artigo 44 da Lei nº 9.430/1996, as questões que ficam por responder são as seguintes: existe um critério diferenciador entre sonegação fraudulenta por meio de compensação e a sonegação fraudulenta em geral? Qual seria esse critério? Por qual razão a conduta de promover compensação com créditos que não gozam de certeza e liquidez seria mais gravosa do que sonegar, fraudar ou agir em conluio? Na ausência de diferenciação razoável, a aplicação do critério da especialidade é incoerente e incongruente, uma vez que, ao invés de diferenciar situações desiguais acabará desigualando situações que deveriam receber o mesmo tratamento. Ou, pior ainda, punindo com maior rigor conduta de menor grau ofensivo. Importante registrar que o Superior Tribunal de Justiça afastou o critério hermenêutico de que as normas especiais devem prevalecer sobre as normas gerais. Essas decisões foram proferidas em virtude do conflito entre as alterações do Código de Processo Civil e a norma do artigo 185-A do CTN. Isso porque, o CTN (lei especial) previa uma ordem de critérios para que pudesse ser efetuada a penhora online ao passo que o CPC (norma geral posterior) eliminou os mencionados critérios. As decisões do tribunal foram no sentido de permitir a penhora de dinheiro independente do esgotamento de diligências, permitindo, por meio da teoria do diálogo das fontes, que a norma geral (CPC) prevalecesse sobre a norma especial (CTN) [3]. A mencionada teoria, defendida por Erik Jayme, foi introduzida no Brasil por Claudia Lima Marques [4] para tratar dos eventuais conflitos entre o Código de Defesa do Consumidor e o Novo Código Civil de 2002. Isso porque com a redefinição de vários princípios e de novos conceitos pelo novo Código Civil, surgiu a necessidade de se encontrar um modelo hermenêutico para solucionar as antinomias entre o Código de Defesa do Consumidor (lei especial) e o novo Código Civil, quando as normas deste último fossem mais protetivas do que a própria lei especial. A teoria do diálogo das fontes oferta, em apertadíssima síntese, "uma coordenação flexível e útil (effet utile) das normas em conflito no sistema a fim de restabelecer a sua coerência. Muda-se assim o paradigma: da retirada simples (revogação) de uma das normas em conflito no sistema jurídico ou do 'monólogo' de uma só norma (a 'comunicar' a solução justa), à convivência destas normas, ao 'diálogo' das normas para alcançar a sua ratio, a finalidade visada ou 'narrada' em ambas. Este atual e necessário 'diálogo' das fontes permite e leva a aplicação simultânea, coerente e coordenada das plúrimas fontes legislativas e convergentes com a finalidade de proteção efetiva". Assim, a teoria do diálogo das fontes surgiu da necessidade de se admitir a prevalência das normas gerais sobre as especiais naquelas hipóteses em que as primeiras atendem melhor o critério adotado pelo ordenamento jurídico para a desigualação promovida pela norma especial. Como esclarece Hugo de Brito Machado, "a dúvida que pode haver na capitulação legal do fato pode residir na interpretação da norma que descreve a infração, ou no fato que a concretiza. Seja a dúvida residente na interpretação da norma que define a infração, seja a dúvida residente no fato que a consubstancia, tem-se presente a norma do artigo 112 a determinar que o intérprete adote a solução mais favorável ao acusado" [5]. Se o que queremos, como bem diagnostica Rosaldo Trevisan (aqui), é "reduzir o acervo de processos do contencioso administrativo e dar mais celeridade ao julgamento", precisamos da definição de critério para aplicação das multas por falsidade na declaração que seja congruente com o regramento criado pela Lei nº 14.689/2023. Precisamos falar mais sobre a qualificação das multas, de modo que tanto o contencioso administrativo quanto o contencioso judicial não se tornem ainda mais morosos, minando a celeridade e a redução da litigância que se pretendeu ofertar.   Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas. [1] Sobre as antinomias e os critérios de solução, cf.: BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 228/245. [2] Ibid., p. 241. [3] Vide, a título exemplificativo: REsp nº 1.024.128/PR, rel. min. Herman Benjamin, j. 13/5/2008 e REsp nº 1.074.228/MG, rel. min. Mauro Campbell Marques, j. 7/10/2008. [4] MARQUES, Claudia Lima. A superação das Antinomias pelo Diálogo das Fontes: o Modelo Brasileiro de Coexistência entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002. Revista da Escola Superior da Magistratura de Sergipe, nº 07/2004. [5] MACHADO, Hugo de Brito. Comentário ao Código Tributário Nacional: Arts. 96-138, vol. II. São Paulo: ed. Atlas, 2008, p. 278.
2023-11-01T08:00-0300
https://www.conjur.com.br/2023-nov-01/direto-carf-precisamos-falar-multas-qualificadas
tributario
Opinião
Rafael Pandolfo: A não cumulatividade e a PEC nº 45-A
A reforma tributária está sendo concretizada pela Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 45-A, de 2019, que aguarda votação no Senado após aprovação na Câmara dos Deputados, no último dia 7 de julho. A finalidade dos presentes apontamentos é, de maneira direta e objetiva, indicar alguns pontos centrais da reforma, ligados à não cumulatividade, sobre os quais são inseridas sugestões para que o conteúdo normativo do texto aprovado se aproxime dos objetivos que dele se esperam. Busca-se, assim, colaborar com a PEC 45-A nessa difícil missão que é reformar nosso sistema tributário. Restrições ao crédito: uso e consumo O regime não cumulativo pleno parece, em um primeiro momento, estar assegurado na parte inicial do inciso VIII do § 1º do artigo 156-A da PEC nº 45-A. A redação contida no final desse inciso, no entanto, pode frustrar expectativas. Isso porque ressalva do direito ao crédito as operações consideradas de "uso e consumo pessoal". A restrição desperta dúvidas e preocupações. A primeira é se o termo "pessoal" qualifica o uso e o consumo, ou apenas o consumo. Para evitar qualquer controvérsia, o melhor, talvez, fosse utilizar o plural (pessoais), em vez do singular (pessoal). A segunda é que o texto deveria esclarecer, de maneira objetiva, se a exceção ora analisada está relacionada às operações destinadas ao uso e/ou consumo da pessoa jurídica ou ao uso e/ou consumo dos sócios. Noutros termos, "pessoal" aqui deve ser entendido como uma alusão aos sócios ou à própria pessoa jurídica contribuinte? Eventos ligados ao RH, por exemplo, gerariam crédito? Serviços advocatícios, contábeis, despesas com treinamento, entre outras, dariam direito ao crédito? Importante lembrar que os pagamentos que atendam exclusivamente aos interesses de sócios ou acionistas sequer despesas dedutíveis podem ser considerados, devendo ser enquadrados como distribuição disfarçada de lucros e/ou pagamento de pró-labore. Ainda, não parece ser a solução mais adequada a delegação à Agência Tributária Nacional (ATN) para que defina os critérios para aproveitamento de crédito relativo aos bens de uso e consumo pessoal, seja pela afronta à Legalidade, seja pelas discussões judiciais que nascerão com fundamento na validade formal e material desses critérios infralegais. Recomenda-se, assim, que a exceção contida na parte final do inciso VIII do § 1º do artigo 156-A da PEC nº 45-A seja suprimida. Um excepcional desvio no creditamento porventura realizado pelo contribuinte deve ser combatido mediante a lavratura do respectivo auto de infração, e não por meio de uma redação que parece suscitar mais dúvidas quanto ao alcance do direito ordinário ao crédito do que certezas quanto ao impedimento de sua inadequada fruição.              A moratória dos saldos credores de ICMS O artigo 133 das disposições transitórias da PEC nº 45-A dispõe que os saldos credores de ICMS existentes ao final de 2032 (último ano de cobrança desse imposto estadual), quando homologados pelo respectivo ente, serão compensados com o IBS, nas seguintes condições: (a) no prazo de 48 meses pelo prazo remanescente, apurado nos termos do artigo 20, § 5º, da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, para os créditos relativos à entrada de mercadorias destinadas ao ativo permanente; ou (b) em 240 parcelas mensais, iguais e sucessivas, nos demais casos. Em síntese, os saldos credores de bens destinados ao ativo serão compensados em até quatro anos, enquanto o saldo credor decorrente das demais operações demorará 20 anos para ser compensado. O prazo exacerbado equivale a um empréstimo compulsório e revela-se claramente inconciliável com a aludida não cumulatividade plena. Recomenda-se, por isso, a supressão a qualquer limite temporal à fruição do direito de crédito do saldo credor de ICMS. Bens de capital O artigo 156-A, § 5°, inciso VI, prescreve que lei complementar poderá estabelecer a redução do impacto dos tributos criados sobre a aquisição de bens de capital pelo contribuinte. Chama atenção a utilização do modal deôntico "poderá", em vez de "deverá". Será, então, uma faculdade? Poderá o legislador nacional não estabelecer, se assim o desejar, qualquer instrumento de mitigação do impacto dos tributos (IBS e CBS) sobre a aquisição de bens de capital pelas empresas? Além disso, prescrever a forma como "poderá ser reduzido o impacto” não significa neutralidade. Pelo contrário, deixa transparecer que a aquisição de bem de capital não gerará crédito amplo e que o impacto da IBS e da CBS incidentes nessas operações poderá, portanto, ser de algum modo mitigado. Recomenda-se que seja conferida redação à PEC nº 45-A que assegure o creditamento integral e incondicional sobre os bens de capital adquiridos. O efetivo recolhimento na etapa anterior O inciso II do § 5° do artigo 156-A, por sua vez, admite que o crédito de IBS/CBS fique condicionado à verificação do efetivo recolhimento dos tributos incidentes sobre a operação anterior. A regra representa inequívoco retrocesso ao sistema atual de apuração do crédito do ICMS, por exemplo. Não se pode partir da fraude como parâmetro de normatividade para restringir o crédito. Fraudes devem ser combatidas caso a caso com um sistema de inteligência fiscal eficiente. Recomenda-se que o texto da PEC nº 45-A assegure o direito ao crédito relativo a todo o tributo incidente na operação anterior, independentemente da verificação do seu efetivo recolhimento. Os regimes excepcionais de tributação Com o intuito de simplificar a tributação, o inciso VI do § 1º do artigo 156-A da PEC determina que os entes federativos definam a sua alíquota de IBS, a qual será a mesma para todas as operações com bens ou serviços [1]. Todavia, há exceções à alíquota única. O texto prevê: 1. Regimes específicos de tributação (artigo 156-A, § 5°, V): lei complementar disporá sobre regime específico de tributação para combustíveis e lubrificantes, serviços financeiros, operações com bens imóveis, planos de saúde, concurso de prognósticos, operações contratadas por entes públicos, cooperativas, serviços de hotelaria, parques de diversão, restaurantes e aviação regional. Importante atentar que o modal deôntico utilizado é de obrigação ("disporá"), razão pela qual, para esses setores, haverá alíquotas específicas, bases de cálculo próprias e/ou regras de creditamento diferenciadas. Para essa última hipótese, o texto prevê, no entanto, que o direito ao crédito assegurado pelo inciso VIII do § 1º do artigo 156-A poderá ser desconsiderado. Seria conveniente esclarecer que eventual restrição não atingiria o direito ao crédito do adquirente de um contribuinte sujeito ao regime específico de tributação, pois, do contrário, teremos um regime mais gravoso do que o sistema atual [2]. Ademais, alíquota e base de cálculo diferenciadas não garantem carga tributária menor, mas, apenas, uma forma diferente de apuração do tributo. Até a edição da lei complementar, portanto, nada estará assegurado. 2. Cesta Básica Nacional de Alimentos (artigo 8° das disposições transitórias): trata-se de tratamento favorecido instituído pela própria PEC, pois o texto normativo cria esse regime, não deixando ao arbítrio superveniente do legislativo instituí-lo ou não. A dificuldade, nesse ponto, parece estar ligada à definição de uma cesta básica nacional de alimentos, tendo em vista a diversidade cultural e natural do nosso país. 3. Regimes diferenciados de tributação futuramente definidos em lei complementar (artigo 9°, caput das disposições transitórias): a lei complementar que instituir o imposto de que trata o artigo 156-A e a contribuição de que trata o artigo 195, V, ambos da Constituição Federal, poderá prever os regimes diferenciados de tributação para os setores de educação, saúde e transporte coletivo de passageiros, bem como para outros setores sociais relevantes relacionados ao agronegócio, à cultura e à segurança nacional. Esses regimes diferenciados poderão ter redução das alíquotas de IBS e CBS, que vão de 60% a 100%, além de isenções tributárias e/ou concessão de crédito presumido, a depender do setor. Algumas observações se fazem necessárias. Em primeiro lugar, a aparente antinomia existente entre a autorização prevista no caput e a obrigação contida nos parágrafos que o sucedem. Significa que a lei complementar poderá (ou não) instituir esses regimes diferenciados e, se o fizer, deverá seguir as reduções e isenções já estabelecidas pelo texto da PEC? O ponto merece elucidação. A segunda observação é de que nem todas as operações relacionadas às atividades referidas pelo parágrafo 1º serão agraciadas com as alíquotas reduzidas, mas apenas aquelas operações definidas por lei complementar. Não há garantia de desoneração setorial advinda do texto constitucional diante dessa ressalva. O legislador, portanto, poderá excluir apenas algumas das receitas auferidas por entidades ensino, por exemplo, bem como definir quais medicamentos ou quais receitas geradas pelos serviços de saúde estarão sujeitas ao regime diferenciado.  Recomenda-se que o texto traga segurança de concretização e de benefícios às exceções previstas. Em primeiro lugar, deve ser alterado o respectivo modal deôntico para que todas as exceções previstas pelo texto constitucional sejam obrigações, e não meras autorizações. Isso trará maior clareza para o debate travado hoje pelos agentes econômicos tanto em relação aos regimes jurídicos futuramente existentes quanto à alíquota geral que deverá ser fixada. Ademais, é preciso assegurar que os regimes excepcionais se apliquem a todas as operações realizadas pelos contribuintes que integram os setores referidos pelo artigo 9º do ADCT. Garantia do ressarcimento de créditos A PEC 45-A delega integralmente ao legislador complementar a prerrogativa de definir a forma e o prazo para ressarcimento dos créditos acumulados pelo contribuinte. A autorização em nada difere da sistemática atual. Se o prazo vier a ser reduzido, isso será resultado de novo debate legislativo. Mas nada, quanto ao prazo, é assegurado pelo texto constitucional. A redução desse prazo, aliás, no que diz respeito ao saldo credor de PIS/Cofins, poderia ocorrer imediatamente e sem a necessidade de aprovação de uma emenda constitucional. Bastaria uma simples medida provisória. Recomenda-se que o texto da PEC nº 45-A fixe um teto (prazo máximo) para restituição, assegure a correção dos saldos credores, bem como garanta a transferência do saldo credor a terceiros, tal como ocorre com o saldo credor do ICMS exportação.  Restituições e o artigo 166 do Código Tributário Nacional O modo como o IBS e a CBS estão sendo desenhados e a natureza indireta de, pelo menos, um dos impostos que por ele serão substituídos (ICMS) pode levar a Fazenda à aplicação do artigo 166 do CTN, nos casos de restituição. Isso dificultaria e, em alguns casos, inviabilizaria a devolução dos novos tributos, quando arrecadados equivocadamente ou em afronta ao ordenamento jurídico. Recomenda-se que o texto da PEC nº 45-A assegure, de maneira incondicionada, a restituição de indébitos de IBS e CBS. [1] Essa autonomia dos entes ficará restrita inicialmente, pois, até 2078, a alíquota estabelecida pelos estados e municípios não poderá ser inferior à alíquota de referência fixada pelo Senado Federal, cujo percentual deverá assegurar a arrecadação preexistente (arts. 156-A, § 8º e 195, § 15º da CF combinados com os arts. 129, §§ 2º e 3º, e 130, § 6º do ADCT). [2] Por exemplo, na sistemática atual, as aquisições feitas de fornecedores sujeitos ao recolhimento cumulativo de PIS/Cofins (3,65%) não retiram o direito ao crédito dos adquirentes sujeitos ao regime não cumulativo (9,25%). Assim, a restrição geral do direito ao crédito em decorrência de regimes tributários específicos deve ser revista, pois revela-se mais gravoso que o sistema atual.
2023-11-01T07:02-0300
https://www.conjur.com.br/2023-nov-01/rafael-pandolfo-nao-cumulatividade-pec-45